domingo, 19 de fevereiro de 2017

Opinião do dia - *Murillo de Aragão

Cada um no seu quadrado e nos limites da institucionalidade. Tudo no melhor interesse do País. O comando dos três Poderes deve buscar um pacto republicano de respeito à institucionalidade e à independência dos Poderes para que o Brasil não caia da pinguela que neste momento atravessa para chegar a 2018. É hora de combater os excessos e a tendência, muitas vezes irresistível, ao hiperinstitucionalismo.


*Murillo de Aragão advogado, consultor, cientista político, é doutor em sociologia pela UNB. ‘O perigo do hiperinstitucionalismo’, O Estado de S. Paulo, 18/2/2017

Delação da Odebrecht cita R$ 7 mi a ministro do PRB

Depoimentos dizem que Marcos Pereira, titular da Indústria, negociou repasse do caixa 2 da empreiteira em troca de apoio do partido à reeleição da chapa Dilma-Temer

David Friedlander e Andreza Matais | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, Marcos Pereira, negociou um repasse de R$ 7 milhões do caixa 2 da Odebrecht para o PRB na campanha de 2014, segundo depoimento que integra a delação da empreiteira na Lava Jato. Os recursos, entregues em dinheiro vivo, compraram apoio do partido então presidido por Pereira à campanha de reeleição de Dilma Rousseff, que tinha Michel Temer como vice.

O dinheiro dado ao PRB fazia parte de um pacote maior, que envolvia também o apoio de PROS, PCdoB, PP e PDT à chapa governista. Ao todo, a Odebrecht colocou cerca de R$ 30 milhões na operação, como o Estado revelou em dezembro. O acordo é descrito, com diferentes pedaços da história, nas delações de Marcelo Odebrecht, ex-presidente e dono da empreiteira, e dos executivos Alexandrino Alencar e Fernando Cunha.

Sexto ministro de Temer citado na Lava Jato, na época Pereira tratou pessoalmente do assunto com Alexandrino, um dos 77 executivos da Odebrecht que fizeram acordo de delação já homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com as delações, Pereira esteve mais de uma vez na sede da Odebrecht em São Paulo para combinar como e a quem o dinheiro, entregue em parcelas, deveria ser repassado.

“Levei mala de dinheiro para Lula”

Ex-sócio de Fernando de Arruda Botelho, acionista da Camargo Corrêa morto em acidente aéreo há cinco anos, Davincci Lourenço diz à ISTOÉ que ele foi assassinado e que o crime encobriu um esquema de corrupção na empresa. O ex-presidente petista, segundo ele, recebeu propina para facilitar contrato com a Petrobras

Sérgio Pardellas e Germano Oliveira | IstoÉ

O personagem que estampa a capa desta edição de ISTOÉ chama-se Davincci Lourenço de Almeida. Entre 2011 e 2012, ele privou da intimidade da cúpula de uma das maiores empreiteiras do País, a Camargo Corrêa. Participou de reuniões com a presença do então presidente da construtora, Dalton Avancini, acompanhou de perto o cotidiano da família no resort da empresa em Itirapina (SP) e chegou até fixar residência na fazenda da empreiteira situada no interior paulista. A estreitíssima relação fez com que Davincci, um químico sem formação superior, fosse destacado por diretores da Camargo para missões especiais. Em entrevista à ISTOÉ, concedida na última semana, Davincci Lourenço de Almeida narrou a mais delicada das tarefas as quais ficou encarregado de assumir em nome de acionistas da Camargo Corrêa: o transporte de uma mala de dinheiro destinada ao ex-presidente Lula. “Levei uma mala de dólares para Lula”, afirmou à ISTOÉ. É a primeira vez que uma testemunha ligada à empreiteira reconhece ter servido de ponte para pagamento de propina ao ex-presidente.

Indicado ao STF faz ‘maratona’ no Senado

Com sabatina marcada para terça-feira na Casa, ministro licenciado da Justiça distribui seu best-seller a senadores

Vera Rosa | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Apressado, Alexandre de Moraes entrou e saiu de vários gabinetes do Senado, nos últimos dias, com um sapato que definiu como “ruim” para aquela maratona. Escolhido pelo presidente Michel Temer para integrar o Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro licenciado da Justiça era o típico candidato em campanha. Às vésperas da sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), marcada para terça-feira, ele distribuiu aos senadores a 32.ª edição de seu best-seller Direito Constitucional e tirou até “selfies” nos corredores da Casa.

“Sucesso e sorte!”, escreveu Moraes na dedicatória da obra, com pequenas variações, dependendo do grau de proximidade com o parlamentar. Dois seguranças da Polícia Federal e um ajudante de ordens que carregava os livros de capa preta em sacolas acompanharam o indicado do presidente no beija-mão pelo Senado.

PMDB apresenta Temer ‘reformista’ em programa na TV

Propaganda do partido vai ao ar em 30 de março; saque das contas inativas do FGTS, queda do dólar e da inflação terão destaque

Pedro Venceslau | O Estado de S.Paulo

O presidente Michel Temer será o protagonista do primeiro programa de TV do PMDB exibido em sua gestão, que vai ao ar no dia 30 de março. O peemedebista aproveitará o espaço para vender a imagem de “reformista” e exaltar o saque das contas inativas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), vista como a medida mais popular da sua administração até agora.

A propaganda partidária peemedebista será exibida 20 dias depois da liberação do primeiro lote do FGTS. Segundo a Caixa Econômica Federal, há 18,6 milhões de contas inativas, num total de R$ 41 bilhões. Como muitos cotistas têm mais de uma conta, o governo estima que 10 milhões de pessoas serão beneficiadas.

A avaliação do Palácio do Planalto e de marqueteiros ligados ao partido é de que a medida é a que tem mais potencial para alavancar a popularidade do governo. A reprovação a Temer aumentou sete pontos porcentuais desde outubro, segundo pesquisa do instituto MDA, feita por encomenda da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) e divulgada na quinta.

Odebrecht bancou treinamento empresarial para filho caçula de Lula

Wálter Nunes, Fábio Zanini, Bela Megale | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO / BRASÍLIA - Um dos favores feitos pela Odebrecht para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi pagar um orientador de carreira para ajudar seu filho Luís Cláudio a colocar de pé a empresa Touchdown Promoções e Eventos Esportivos, que organizava um campeonato de futebol americano.

A informação consta da delação premiada da empresa, que ainda está sob sigilo.

Segundo a Folha apurou, foi o próprio Lula quem pediu para que a empresa bancasse o "coaching", cujo objetivo era ensinar a Luís Cláudio, 31, técnicas de gestão.

Procurado, o Instituto Lula disse que não comentaria.

Caçula de Lula e Marisa, ele promoveu entre 2012 e 2015 o Torneio Touchdown, que reunia cerca de 20 equipes de futebol americano.

A informação sobre a contratação do orientador foi dada pelo ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht Alexandrino Alencar, pessoa na empresa que era a principal responsável por atender demandas ligadas ao petista.

Delação de Eike pode esclarecer elos com Cabral, Cunha e PT

Renata Agostini | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Preso na penitenciária carioca de Bangu, Eike Batista terá uma longa lista de explicações a dar aos investigadores caso queira pleitear um acordo de delação premiada.

Com o avanço da Lava Jato, uma miríade de depoimentos situaram as empresas do "grupo X" e o próprio empresário na engrenagem de esquemas de corrupção.

Delatores e candidatos à colaboração já apontaram o ex-bilionário como partícipe de negociatas envolvendo contratos da Petrobras, financiamentos analisados pela Caixa Econômica Federal e dívidas de campanha do PT.

A defesa de Eike diz que é "prematuro" falar em colaboração, mas interlocutores do empresário dizem que se trata de um caminho analisado.

Caso decida segui-lo, há detalhes a serem esclarecidos sobre Sérgio Cabral, cuja relação o levou à prisão.

Eike tornou-se réu na Justiça do Rio por ter pago US$ 16,5 milhões a Cabral, que foi governador do Rio de Janeiro pelo PMDB. A denúncia aceita pelo juiz Marcelo Bretas fala em pagamento de propina, mas os procuradores ainda não sabem explicar o que Eike recebeu em troca.

Até o momento, há suspeitas: licenças, desapropriações e outros atos do governo do Rio para viabilizar a construção dos portos do Açu e de Itaguaí e a concessão do Maracanã, que Eike levou em parceria com a Odebrecht.

Os desprezados da Lava-Jato

Presos em Curitiba, políticos, empreiteiros e operadores tentaram delatar para reduzir penas, mas ficaram para trás depois que executivos da Odebrecht resolveram contar o que sabem

Thiago Herdy | O Globo

Réus que desde o ano passado tentam fazer acordo de delação premiada com a Lava-Jato estão sem perspectiva de terem colaborações aceitas pelo Ministério Público Federal (MPF), depois do acordo da Odebrecht. Presos na carceragem da Polícia Federal em Curitiba justamente para facilitar as conversas com procuradores, o ex-diretor de Serviços da Petrobras, Renato Duque, o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, e o operador de lavagem de dinheiro, Adir Assad, estão fora da agenda de negociações dos procuradores. Até mesmo o expresidente do PP Pedro Corrêa (ex-PP-PE), que prestou depoimentos mas teve a homologação de delação recusada pelo STF, está sem prazo para retomada de conversas sobre sua colaboração.

Há vários motivos para a pausa nas negociações: há casos de réus que apresentaram informações consideradas insuficientes pela Lava-Jato para ensejar uma redução de pena, outros tiveram problemas no curso da negociação, como vazamentos e falta de comprovações de fatos narrados. Segundo agentes que atuam na PF em Curitiba, o clima na carceragem é de desânimo.

Desde o segundo semestre do ano passado, o foco da Lava-Jato é o processamento de episódios relatados pelos 77 executivos da Odebrecht em mais de 900 depoimentos, citando centenas de políticos de diferentes partidos, colaboração homologada no fim de dezembro.
Interlocutores de operadores que acreditam terem sido citados nos depoimentos da Odebrecht têm procurado a Lava-Jato em Curitiba e Brasília e tido mais atenção do que os réus da carceragem da PF, pois poderão ajudar os procuradores em casos que marcarão a iniciativa anticorrupção nos próximos meses.

Eunício tenta se livrar do fantasma de Renan na presidência do Senado

Ao assumir a casa, peemedebista tenta desmontar estrutura criada por antecessor

Júnia Gama | O Globo

BRASÍLIA - Duas semanas após assumir a presidência do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE) começa a dar mostras de que pretende impôr um novo estilo de gestão, na tentativa de marcar um distanciamento de seu antecessor, Renan Calheiros (PMDB-AL). Nos últimos dias, Eunício trocou o chefe de gabinete da presidência, emparedou o secretário-geral da Mesa e fez o líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), desistir de apresentar uma PEC que restringia a investigação dos presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF) enquanto estivessem no mandato.

O senador já havia sinalizado, em entrevista ao GLOBO no início deste mês, que não queria confrontos com outros poderes, mas não indicou que promoveria mudanças internas que, na prática, desmontam a estrutura de poder cultivada por Renan. Na última quinta-feira, Eunício demitiu o então chefe de gabinete da presidência durante o mandato de Renan, Alberto Cascais. No lugar, nomeará Jussanan dos Santos, que chefiava o gabinete da liderança do PMDB enquanto Eunício era líder. Cascais também pode perder o poderoso cargo de advogado-geral do Senado, que acumula com a chefia de gabinete. Eunício pretende nomear alguém “mais afinado” com seu estilo.

Aliados do PMDB desconfiam de planos de Maia

Presidente da Câmara manifestou desejo de concorrer ao governo e desagradou grupo que aposta em Paes

Fernanda Krakovics | O Globo

Em meio à falência do estado e diante da incerteza gerada pela operação Lava-Jato, repercutiu mal no meio político fluminense a divulgação por parte do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no embalo de sua reeleição para o cargo no início do mês, da pretensão de disputar o governo do Rio no ano que vem.

Lava-Jato faz estrago em popularidade de candidatos

Maia, como cúpula do PMDB, sofre para ter fôlego junto ao eleitorado

Fernanda Krakovics | O Globo

Uma das dificuldades eleitorais do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), é a citação de seu nome em delações da operação Lava-Jato, embora negue de maneira enfática envolvimento em qualquer tipo de irregularidade.

— Primeiro, ele tem que resolver as pendências judiciais — disse o presidente do PDT, Carlos Lupi, que, assim como Maia, apoiou nas últimas eleições municipais o candidato do PMDB à prefeitura do Rio, Pedro Paulo.

Antes mesmo de manifestar o desejo de alçar voos mais altos na política, Maia já tinha sido apontado como o “Botafogo” que aparece em planilha da Odebrecht de pagamento de propina. Cláudio Melo Filho, exdiretor da empreiteira disse, em delação premiada, que Maia recebeu R$ 100 mil para ajudar na tramitação de Medida Provisória de interesse da empresa.

Após a entrevista ao GLOBO, na qual o presidente da Câmara manifestou o desejo de disputar o governo do Rio, inquérito da Polícia Federal apontou o deputado como beneficiário de suposta propina da OAS. Ele nega as acusações.

O tempo da incerteza - Luiz Sérgio Henriques*

- O Estado de S. Paulo

Talvez as mudanças em curso não sejam muito mais caóticas do que o mundo conhecido...

Os afeitos à arqueologia política, saudosos talvez de explicações mais simples do mundo, podem fazer recuar a máquina do tempo e evocar a geopolítica evidenciada em documentos do velho comunismo, os quais ordenavam em nível planetário corações e mentes que davam vida a toda uma importante corrente do já distante século passado. Por essa explicação, a roda da História girava com determinação e obedecia a leis mais ou menos precisas e automáticas, só aqui ou ali rapidamente detidas por acidentes singulares, incapazes de alterar o sentido geral das coisas.

A partir de um núcleo – uma espécie de Meca secularizada, como seria a Moscou revolucionária há exatos cem anos –, irradiavam-se os diversos partidos comunistas nacionais, uns mais, outros menos enraizados na realidade local, secundados, nos amplos territórios então coloniais, por movimentos de libertação que punham em xeque o velho imperialismo europeu e aquele novíssimo, de marca norte-americana. Um círculo de ferro se estreitava em torno da “metrópole capitalista” e países da periferia, como o Vietnã ou as colônias portuguesas na África, seriam como peças de dominó, caindo em sequência e sendo anexadas ao bloco socialista.

Lobos e vovozinhas - Fernando Gabeira

- O Globo

Deve haver muitas formas de paranoia. Conheço pelo menos duas. A que usa os fatos, deformando-os para parecerem uma grande ameaça. E a que tem um tal dinamismo interno que chega a dispensar os próprios fatos. Não considero que nenhuma dessas formas está presente quando se afirma que a Operação Lava-Jato está ameaçada. Não é preciso estar muito longe de Brasília para perceber isso. Por acaso, estou, relativamente perto, no Brasil central. Mas de qualquer ponto do país, a sucessão de projetos de anistia e blindagem é impressionante. P ara mim, tudo ficou muito claro quando escolheram Lobão para a Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Não tenho mais idade para duvidar: seus braços são tão longos, vovozinha; seus olhos são tão grandes; sua boca é tão grande vovozinha. É o Lobão, ponto.

A mais nova tentativa é de Romero Jucá. Um projeto para blindar presidentes da Câmara e do Senado. Segundo ele, não podem responder por crimes anteriores à sua posse no cargo. Na verdade, estende para os dois a mesma prerrogativa do presidente da República.

Trump - Celso Lafer*

- O Estado de S. Paulo

Um ponto fora da curva da tradição política americana recente

Raymond Aron, ao tratar dos níveis de compreensão que o campo das relações internacionais oferece, sublinha que não cabe a analogia nem com o futebol nem com a economia. O futebol tem regras, juiz e o preciso objetivo de dois times de ganhar a partida, disputada em campo delimitado e com número fixo de participantes. A economia concentra-se num problema claro, a escassez, e dedica-se à busca de soluções para escolher modos possíveis de utilizar com eficiência e equidade os recursos existentes.

Nos dois casos, apesar da variedade de táticas e estratégias, há clareza quanto aos objetivos. Nas relações internacionais, não: seus objetivos não são unívocos. Destaco isso para analisar o que significa para o mundo a ascensão de Donald Trump à Presidência dos EUA.

Fatores básicos condicionam a condução da política externa de qualquer país: espaço e localização geográfica, demografia, recursos, pluralidade das identidades nacionais e diversidade dos regimes políticos. O que caracteriza as relações internacionais é que os fatores não são sempre mobilizados por um só objetivo e podem favorecer ora mais, ora menos, dependendo da conjuntura interna e externa, a segurança, o desenvolvimento, o bem-estar, o prestígio, a afirmação de ideias.

Decisão equivocada - Merval Pereira

- O Globo

O Supremo Tribunal Federal, assumindo o protagonismo mais uma vez, decidiu que qualquer brasileiro preso em cadeias degradantes merece uma indenização do Estado. A decisão unânime veio a propósito de um preso do Mato Grosso do Sul, e tem repercussão geral
Só houve uma discordância entre os ministros: três deles votaram por uma redução de dias de cadeia como forma de indenização ao preso, enquanto os sete outros foram a favor da indenização pecuniária, que prevaleceu. Não há dúvida de que, na essência, o pleno do STF está certo.

O Estado é responsável pelas condições em que os presos se encontram, e assim como pode ser processado em caso de morte, já que o preso está sob sua custódia, também as situações degradantes de nossas prisões podem provocar danos irreparáveis que têm que ser indenizados.

Tucanizando Temer? - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

A simbiose entre Temer e tucanos só aumenta, mas sempre com um pé atrás

Quanto mais fracos ficam os homens fortes do PMDB, mais Michel Temer se aproxima dos caciques do PSDB e mais profundamente o PSDB mergulha no governo e no coração do poder. Isso vale para atravessar a “pinguela” (como Fernando Henrique Cardoso chama a transição com Temer), mas principalmente para chegar em terra firme a 2018.

Convencido de que a economia iria ao fundo do poço com Dilma, Serra foi o primeiro grão tucano a aderir ao impeachment e à posse “do Michel”, quando FHC ainda rejeitava a ideia, Aécio apresentava sérias restrições e Alckmin lavava as mãos. Depois, com o destino de Dilma traçado, Serra pôs o pé no Itamaraty de Temer, mas Aécio só aceitava apoiar o governo sem assumir protagonismo num projeto de futuro incerto. Alckmin? Já então partia para um voo solo, com alianças para além do PSDB e muito distantes do PMDB.

Uma defesa dos políticos - Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

É preciso admitir que o autor é corajoso. Ele começa a obra afirmando que a vasta maioria dos políticos trabalha muito e ganha pouco e que eles geralmente fazem um trabalho fantástico, diante das pressões contraditórias a que estão submetidos. Antes que você tenha a ideia de organizar uma petição online exigindo a interdição de Matthew Flinders, é bom esclarecer que ele não estava pensando no Brasil da Lava Jato quando cravou essas palavras em seu "Defending Politics" (defendendo a política), de 2012.

Flinders, da Universidade de Sheffield, tinha como horizonte a política do Reino Unido e das nações desenvolvidas, países onde suas observações, embora tenham algo de chocante, não soam como desvario. A diferença entre o Brasil e as democracias maduras, porém, é mais de grau que de natureza, de modo que muito do que Flinders afirma vale para cá.

O valor do debate - Míriam Leitão

- O Globo

André Lara Resende se sente um mensageiro que apanhou. Estava interessado em trazer para o debate especializado novas teorias sobre os juros e seu impacto na inflação, mas isso foi entendido como uma declaração política. Outros economistas lembraram que, da maneira como foi posta, reforça a ideia de que há uma solução mágica para o problema dos juros excessivos. Resende prepara um livro com novos artigos.

O debate é bem-vindo. Principalmente num país com tantos dilemas e tantas distorções acumuladas durante as muitas anomalias que o Brasil sempre viveu. Os vários economistas que ponderaram os riscos de traduzir para o país conclusões apressadas de textos que estão apenas no início de discussão têm razão. Mas, ao mesmo tempo, André, um dos mais criativos e brilhantes economistas brasileiros, faz bem de trazer à tona mudanças teóricas, ou, no mínimo, dúvidas teóricas.

Ajuste fiscal dói, mas alternativa é muito pior – Samuel Pessôa

- Folha de S. Paulo

Elio Gaspari, em sua coluna de quarta-feira passada (15) nesta Folha, sugere haver escolha de Sofia a desafiar nossos gestores. Há conflito entre responsabilidade fiscal e responsabilidade social?

Paulo Hartung, governador do Espírito Santo, e toda a sua equipe têm feito um duro trabalho para enfrentar a terrível crise fiscal pela qual passa o Espírito Santo, que, ademais, acomete também outros Estados brasileiros.

Elio Gaspari sugere que, no caso capixaba, há um conflito entre a responsabilidade fiscal e a social e Hartung errou ao esticar demais a corda do ajuste fiscal. Seria melhor que ele fizesse como o ex-presidente Geisel fez, em outro episódio e sob outras circunstâncias, e cedesse.

A jararaca está viva e engordou – Elio Gaspari

- O Globo

O primeiro aviso veio em dezembro, com uma pesquisa do Datafolha. Lula tinha 25% das preferências dos eleitores para o primeiro turno da eleição presidencial de 2018. À época havia um consolo, num segundo turno, ele perdia para Marina Silva. Agora saiu a pesquisa da CNT/MDA. Lula cresceu em todas as simulações e ganha com folga de todos os candidatos, em todos os turnos. Salvo Jair Bolsonaro, todos os seus adversários caíram. Com 6,5% na resposta espôntanea, Bolsonaro tem mais preferências que Aécio Neves, Marina, Temer, Geraldo Alckmin e Ciro Gomes somados. E Lula, com 16,6% janta todos, inclusive o paleozoico Bolsonaro.

Na resposta espontanea mais da metade dos entrevistados declararam-se indecisos, o que reduz o peso dessas percentagens. Na pesquisa induzida, quando o entrevistado deve escolher um nome numa lista de seis, Lula repetiu o desempenho. Foi de 24,8% para 30,5%. Todos os outros mandarins caíram, salvo Bolsonaro, que saltou de 6,5% para 11,3%.

Carne queimada - Vera Magalhães

- O Estado de S. Paulo

Quem for marcado com a cruz escarlate da Lava Jato terá o destino traçado

Quem tem mais de duas décadas cobrindo escândalos políticos de diferentes matizes político-ideológicos e magnitudes sabe reconhecer aquele momento em que surge um fato que torna impossível uma composição de interesses que permita abafar tudo e seguir adiante sem nenhuma alteração no status quo vigente.

Desde a redemocratização, isso ficou claro em eventos cruciais, como o impeachment de Fernando Collor – que ganhou impulso com as revelações do irmão Pedro e virou fato consumado com as do motorista Eriberto – e o mensalão.

A impopularidade de Temer – Editorial | O Estado de S. Paulo

O governo de Michel Temer não pode ceder à tentação de se desviar do caminho da responsabilidade fiscal na vã tentativa de reverter o grande mau humor dos brasileiros em relação à sua administração, detectado em recente pesquisa de opinião.

Lançar-se ao populismo inconsequente neste momento, a fim de ganhar a simpatia do eleitorado, significaria uma desastrosa marcha atrás num processo que vem se revelando bem-sucedido em seu propósito de superar, com consistência, a monumental crise econômica legada pela imprudência lulopetista. Mais do que nunca, Temer precisa demonstrar firmeza de propósito e conduzir o País a porto seguro, sem cogitar – como já se ouve, aqui e ali, de auxiliares do presidente – de criar uma “agenda positiva”, que é o nome que se dá a iniciativas que resultam quase sempre em aumento dos gastos públicos.

O STF não dá conta – Editorial | Folha de S. Paulo

Os números são espantosos. Aproximam-se de 500 os processos contra políticos correndo no Supremo Tribunal Federal (STF), dos quais 357 inquéritos e 103 ações penais.

A informação provém de um voto do ministro Luís Roberto Barroso, datado de 10 de fevereiro, que justificadamente procura apresentar soluções para o quadro, certamente inadministrável a médio prazo, que descreve.

Com efeito, argumenta o magistrado, a perspectiva de casos ainda mais frequentes de investigações contra deputados federais, senadores ou ministros acarreta os óbvios riscos de congestionamento das atividades do Supremo e de delongas processuais cujo efeito acaba sendo a virtual impunidade dos culpados.

O Brasil sem crise do servidor público federal – Editorial | O Globo

A casta do funcionalismo tem vários privilégios em relação ao empregado no setor privado, e, na crise, seus benefícios aumentaram

Tem raízes históricas o fato de o emprego público, em geral, ser um oásis no mercado de trabalho brasileiro. O servidor é protegido por leis autárquicas que lhe garantem virtual estabilidade — dadas as dificuldades para se demitir alguém por justa causa ou incompetência —,e, a depender da função, ainda tem acesso privilegiado a quem lhe pode melhorar o padrão de vida.

As corporações se articulam entre si. Um caso exemplar é do funcionalismo do Congresso, sempre muito bem tratado por quem faz as leis. Afinal, ele presta serviços a deputados e senadores, e o dinheiro que recebe é da “Viúva”, não tem dono, segundo a distorcida percepção de quem vive dentro do Estado. O contribuinte não tem cara.

O mundo contra a vida - Cacá Diegues

- O Globo

Um dia, acabamos por descobrir que não amamos tanto quanto gostaríamos de ter amado, não cuidamos de nossos filhos como pedia o nosso afeto

Em geral, o mundo está sempre atrapalhando nossa vida. O mundo e nossos compromissos com ele, os compromissos que o mundo nos obriga a ter, nunca são mais atraentes do que aquilo que consideramos necessário à nossa felicidade. Raramente servem a nosso bem-estar, como se fossem apenas obrigações desagradáveis das quais não podemos abrir mão, se queremos seguir vivendo. Podemos até nos acostumar a essas obrigações, mas elas sempre pesarão em nosso corpo e em nosso espírito, em nossas vidas.

Um dia, acabamos por descobrir que não amamos tanto quanto gostaríamos de ter amado, não cuidamos de nossos filhos como pedia o nosso afeto, não curtimos os amigos como devíamos, não divagamos nas nuvens sem preocupações, do modo que bem merecíamos. O mundo não nos permitiu viver do jeito que havíamos planejado, preferido e merecido.

O furacão Odebrecht - Mario Vargas Llosa*

- O Estado de S. Paulo

Casos de corrupção em países da América Latina são chance para regenerar a democracia

Algum dia teremos de erigir um monumento em homenagem à empresa brasileira Odebrecht, porque nenhum governo, empresa ou partido político fez tanto quanto ela desvelando a corrupção que corrói os países da América Latina, nem trabalhou com tanto ânimo para fomentá-la.

A história possui todos os ingredientes de um grande thriller. O empresário brasileiro Marcelo Odebrecht, dirigente da companhia, condenado a 19 anos e 4 meses de prisão, com seus principais executivos, depois de passar algum tempo entre as grades manifestou, para ter sua pena rebaixada, sua disposição em relatar todas as safadezas que cometeu – no Brasil, chamam isso de delações premiadas.

'A utopia foi privatizada', afirmou Zygmunt Bauman em entrevista inédita

Filósofo polonês morto em 2017 falou sobre política, tecnologia e como enxergava o futuro

Daniel Augusto* | Colaboração para o Estado de S. Paulo

Vídeo da entrevista com Zygmunt Bauman, da série Incertezas Críticas, produzido pela Grifa Filmes.

Quando eu e o diretor de fotografia Jacob Solitrenick tocamos a campainha da casa de Zygmunt Bauman, já estávamos com todo o equipamento pronto para iniciar a entrevista. Ao entrarmos, porém, o sociólogo não deixou que começássemos a trabalhar: fez questão de nos servir um lanche com frutas, papear um pouco, como quem reduz a velocidade a que estamos acostumados no cotidiano, abre uma brecha de humanidade na produtividade. Não que ele estivesse sem o que fazer: precisava arrumar as malas para uma conferência fora do país, tinha que deixar uma lista de e-mails respondida, entre outros assuntos. Mas não pôde deixar de abrir uma pausa na urgência, um desses gestos pequenos e gigantes ao mesmo tempo, lição de adequação entre o pensamento e o cotidiano: não basta criticar o tempo que vivemos, é preciso vivê-lo de outra maneira.

Bauman nasceu na Polônia em 1925, mas residia na Inglaterra, onde foi professor titular da Universidade de Leeds. No decorrer da sua trajetória, publicou dezenas de livros, traduzidos para diversas línguas. Aliava uma vasta observação do mundo contemporâneo com uma escrita acessível ao leitor não-especializado: seu conceito de modernidade líquida, por exemplo, suscitou debates nas universidades, mas também na imprensa, nas artes, assim por diante.

Fui entrevistar o sociólogo em junho de 2012 por conta de uma série de televisão que escrevi e dirigi, Incertezas Críticas, produzida pela Grifa Filmes. Meu objetivo era inserir determinados aspectos do nosso presente num horizonte mais amplo: isto é, apresentar algumas possibilidades de análise e interpretação de temas como a crise econômica, a internet, a arte contemporânea, entre outros, de modo a sugerir quadros conceituais menos fixados na urgência das últimas notícias. Nesse sentido, a conversa com Bauman era promissora: ao longo da sua obra, existe uma variedade de assuntos notável, que caminha lado a lado com uma ambição interpretativa alargada.

Ao saber da morte de Bauman no último dia 9, decidi tornar público parte do material da entrevista, ainda inédita. Como se verá, muito do que foi dito naquela tarde ajuda a explicar o mundo que vivemos hoje.

Consolo na Praia - Carlos Drummond de Andrade

Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te – de vez – nas águas.
Estás nu na areia, no vento…
Dorme, meu filho.


Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis carro, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te – de vez – nas águas.
Estás nu na areia, no vento…
Dorme, meu filho.

Alceu Valença - Madeira do Rosarinho