domingo, 31 de dezembro de 2017

Miriam Leitão: Os brasileiros que vi

- O Globo

Os brasileiros que têm projetos e sonham. Verônica, 17 anos, é aluna de escola técnica pública em Franca. “Você vai entrevistar só homens, ou vai falar também com mulheres na sua série?", perguntou em tom de desafio. E avisou: “sou feminista". O barco deslizava no Rio Negro e eu quis saber de Roberto, o barqueiro, o que ele fazia antes da atual ocupação. “Era madeireiro, meu pai e meu avô também foram. Hoje trabalho pela sustentabilidade."

O ano de 2017 foi todo cheio de conversas marcantes. Passei o ano viajando pelo Brasil para gravar uma série para a GloboNews. Os encontros me protegeram contra o pessimismo natural derivado da crise política e econômica. Hoje é o último dia do ano e eu deveria publicar aqui uma coluna sobre o balanço do que houve na economia em 2017. Escrevi o balanço. O leitor poderá encontrá-lo no meu blog. Mas preferi dedicar o espaço para falar de alguns brasileiros que conheci no ano.

O país visto de perto arrebata e emociona. Marivaldo, jovem, negro, violinista, sentado debaixo de uma árvore, falava com entusiasmo e visível sinceridade. Ele perdeu o irmão em um acidente de moto. O pai morreu logo depois. Está no projeto Neojibá desde o início, há dez anos. O projeto protege jovens e crianças na Bahia através da música clássica. Hoje Marivaldo é um multiplicador, porque além de tocar na orquestra, ele ensina nos núcleos de estudantes mais jovens. Perguntei sobre o futuro.

— Só vejo música, multiplicação. Todo mundo tocando junto. Porque na música não tem diferença, todo mundo é igual. A gente pensa num Brasil em que todo mundo é igual, todo mundo buscando o mesmo objetivo que é um país sem diferença.

Foi assim o meu ano. Uma parte de mim acompanhava a conjuntura, outra se deixava levar pelas conversas sempre surpreendentes com brasileiros de todas as regiões, das mais variadas atividades. Conheci muita gente. Walter, trabalhador de Santa Catarina, que aos 95 anos vai entrar agora em janeiro no livro “Guinness” como a pessoa há mais tempo numa mesma empresa. Sua carteira de trabalho mostra a devastação monetária que o Brasil viveu no século XX: há registros em nove moedas.

No Rio Grande do Norte, conheci um produtor rural que gosta de ser chamado de Zé Peneira. Sua renda aumentou desde que as torres de energia eólica começaram a ser instaladas na região. Ele primeiro forneceu matéria-prima, depois arrendou parte da terra para a empresa de energia. O dinheiro foi investido na propriedade e nos estudos dos netos.

— Tinha uma neta minha estudando pra ser médica. Eu já estava para cansar. Com o dinheiro eu ajudei e ela, daqui a dois meses, já está cortando gente.

A neta cirurgiã, e o avô inventando tecnologias para aumentar a produtividade da sua lavoura. Costuma apontar para a cabeça e dizer “tudo saiu daqui" quando vai contar alguma solução engenhosa. Saía da sua fazenda em Parazinho, já com os equipamentos na van para retomar a estrada, quando José Peneira me convidou:

— Se a “incelência” me der o prazer de voltar, vai encontrar tudo “meorado".

No Acre, a jovem Sarah Evellyn criou uma organização social, o Impacta Jovem, para divulgar informações sobre oportunidades de intercâmbio. Em Belo Horizonte, Laura Leal fez parte do Impacta Jovem e depois criou seu próprio movimento, que quer ampliar as chances das meninas nas ciências exatas. Em Roraima, a jovem estudante Ariene Wapixama quer que seu povo e outros indígenas elejam um representante do estado para o Congresso.

O país mergulhado no pessimismo com que atravessou o ano, e seu Zé Peneira tem certeza de que tudo estará melhor no futuro, Marivaldo sonha com um país sem diferença, Roberto, o barqueiro, ensina a importância de manter em pé as árvores que no passado derrubaria, Verônica quer ser advogada e defender a causa feminista.

Entrevistei tanta gente interessante que não cabe neste espaço. Foi o trabalho de transformar o meu livro “História do Futuro” em uma série de dez episódios para a GloboNews. As reportagens foram sobre as possibilidades e tendências do Brasil, mas fiquei marcada pelas conversas com esses e outros brasileiros. Por isso, neste último dia do ano quis trazê-los a este espaço para falar de esperança. Feliz 2018.

Nenhum comentário: