segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Sarney or not Sarney: Fernando Limongi

- Valor Econômico

Temer não se salvou apenas com sua tropa de choque

Temer obteve 251 Votos e evitou ser processado pelo STF. Como Sarney na Constituinte, ganhou mais um ano de governo. Seu predecessor lutou para estender sua estadia no Planalto, mas pouco fez do período conquistado.

Dado o número de votos com que contou (menos da metade mais um), não faltaram análises comparando Temer a Sarney. O apoio ao governo teria sido suficiente para escapar do processo, mas não para aprovar reformas, como a da previdência.

Rodrigo Maia, tão logo deixou a presidência da sessão, chamou para si os louros da vitória e indicou que Temer não está fadado a repetir Sarney. Tudo depende da estratégia que o governo vier a adotar.

Contudo, há que se considerar que Temer não foi salvo apenas por 251 parlamentares. A primeira e decisiva batalha travada na quarta-feira foi a que deu quórum para abrir a sessão. Aí o presidente mostrou que conta com mais do que isso, conta com 342 votos. O que Temer fará com o ano que lhe resta de mandato depende da forma esta quase centena de parlamentares (342-251) for tratada pelo Planalto.

Os partidos da oposição sempre souberam que não teriam votos para derrotar o relatório de Bonifácio Andrada. Por isso se pode desconfiar da sinceridade com que se empenharam para impedir a realização da votação. Para o PT, em razão de suas pretensões eleitorais, o melhor é tratar Temer como Aloysio Nunes queria tratar Dilma: deixar sangrar.

O embate teve muito de jogo de cena, de sinalização e defesa da imagem pública dos protagonistas. Para as esquerdas, interessava recuperar a imagem de oposição aguerrida e intransigente. Para o governo, além de resistir, interessava obter votação expressiva para chancelar a tese da defesa, a de que Temer seria vítima das invenções da mente criativa de Janot.

O governo pediu demais à sua base. Negar fatos evidentes, desconhecer, por exemplo, as malas recheadas com dinheiro de Geddel e de seu sucessor, Rocha Loures, pede doses cavalares de cinismo. Não por acaso, Temer se viu forçado a recorrer aos préstimos do Deputado Carlos Marun, conhecido por sua fidelidade a Eduardo Cunha.

O cargo de Temer, contudo, não foi preservado com os votos dos ruralistas e/ou do famigerado Centrão. A 'tropa de choque' deu a cara a tapa, mas a denúncia só foi engavetada porque uma parte considerável do centro e da direita contribuiu com sua presença para garantir o quórum. Obviamente, estes parlamentares sabiam que com seu voto garantiam a sobrevivência do governo. Não passaram o atestado de inocência solicitado, mas votaram contra o relatório, sabendo que a 'tropa de choque' reunida por Padilha e comandada por Marun, se encarregaria da parte mais desagradável e impopular da tarefa.

As rusgas entre o Planalto e o Presidente da Câmara dizem respeito não apenas a quem comanda esta centena de parlamentares, mas também ao tratamento que o governo lhes dispensará de agora em diante.

Quando a primeira sessão caiu, por falta de quórum, o destino de Temer ainda não estava seguro. As planilhas de Padilha emitiram os sinais de sua fragilidade. Foi neste momento que Rodrigo Maia, sugeriu o próprio, teria entrado em ação para obter o quórum. Pode ter sido jogo de cena, mas é inegável que sem a mão amiga de Maia, o caldo poderia ter entornado.

Não se sabe se Maia tem ou não o controle deste grupo, o fato é que a comparação entre a lista de presença e a de votação indica que um bom número de parlamentares não assinou o atestado de inocência exigido pela equipe de Temer. Indica, sim, que optou por dar sobrevida a seu governo. As razões para tanto podem variar do ódio ao PT à resignação, passando pela revisão do velho lema atribuído a Adhemar de Barros: "O Presidente rouba, mas faz reformas...".

Assim, não importam quais razões justificam o comportamento destes parlamentares, importa ter claro que o grupo existe e que dele dependeu --e pode voltar a depender caso novas denúncias e revelações venham a público-- a sobrevivência do governo Temer.

Rodrigo Maia, nas declarações que deu à imprensa tão logo a sessão foi encerrada, valorizou seu papel e fez questão de apontar que o governo não pode se restringir à luta pela própria sobrevivência e que, para que a economia retome fôlego, é preciso recuperar uma agenda positiva.

Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, endossou a agenda proposta por Rodrigo Maia, com quem se reuniu no dia seguinte à votação. Na saída do encontro, suas declarações foram significativas: "Conversamos sobre os próximos passos da agenda econômica. A ideia é prosseguir normalmente. Esta é a decisão do presidente da Câmara, com a qual concordamos integralmente. A reforma da Previdência em primeiro lugar." Meirelles não se referiu ao governo e parece ter se posto sob a batuta do estadista Rodrigo Maia.

O Planalto não se pronunciou sobre a pauta proposta pela dupla Maia-Meirelles. Pelo que se depreende da leitura do Diário Oficial, Padilha e Moreira Franco estão ocupados checando suas planilhas de fidelidade, para recompensar ou punir parlamentares, conforme seu comportamento na votação. Se for esta a estratégia prioritária do governo, Temer conseguirá dupla proeza: repetir um último ano de mandato tão melancólico quanto o quinto ano do governo Sarney e dar foros de estadista a Rodrigo Maia.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap.

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