terça-feira, 19 de setembro de 2017

Lições de 1989 para a eleição de 2018 | Raymundo Costa

- Valor Econômico

Decrepitude moral ameaça toda a classe política

Uma tese recorrente nos laboratórios da sucessão é que a eleição de 2018 será pulverizada como foi a de 1989, o que serviria de estímulo para todos os partidos do centro para a direita lançarem candidatos próprios, para depois se juntar no segundo turno contra Lula, se ele for candidato. Na primeira eleição direta para presidente, após o regime militar, Fernando Collor passou para o segundo turno com 30,47% dos votos válidos, Lula teve 17,18%, Leonel Brizola bateu na trave com 16,51% e Mário Covas, do recém-criado PSDB, com 11,51%, ficou logo atrás. Visto de hoje, o cenário pós eleitoral de 1989 indicaria que todos os partidos governistas teriam a chance de colocar um candidato no segundo turno da eleição. O quadro muda quando se olha para o período anterior à eleição.

Há dois problemas neste raciocínio. A eleição de 1989 foi solteira e a distribuição do tempo de televisão ajudava outsiders como Fernando Collor. A disputa de 2018 é casada, com eleições também para os governos estaduais, senador, deputado federal e deputado estadual. Em tese, o caráter de eleição geral ajudaria os grandes partidos. Mas este talvez não seja o melhor viés para se observar a eleição de quase 30 anos atrás. O foco deve ser outro: 1989 foi a eleição que liquidou com todas as lideranças pré-estabelecidas de grandes partidos.

O PMDB concorreu com o dr. Ulysses Guimarães, presidente do partido, da Câmara dos deputados e da Assembleia Nacional Constituinte, e ficou em sétimo lugar, com 4,73% dos votos. O PFL, o outro partido que integrava a Aliança Democrática, a coligação que assumiu no lugar dos militares, lançou Aureliano Chaves, que acabou a eleição com menos de um por cento (0,88%). O novo, o partido da social-democracia, era o PSDB de Mario Covas. Pelo velho trabalhismo getulista tinha Leonel Brizola, no PDT. Havia Paulo Maluf (8,85%) pela direita mais conservadora, e Lula como a grande liderança sindical que surgia. Todos, literalmente todos, foram tragados pela correnteza.

E tinha Fernando Collor de Mello como o grande aventureiro. Levava debaixo do braço uma proposta que qualquer um com um mínimo de racionalidade diria ser a proposta do nada sobre o nada - caçar marajás. Collor era governador de um Estado paupérrimo, de eleitorado minúsculo e tinha no currículo uma péssima administração. Mas chegou à Presidência como caçador de marajá.

O senador Jader Barbalho (PMDB-PA) foi personagem daquela eleição, cujos principais lances guarda para um livro de memórias. Tendo visto e acompanhado muita coisa de perto, Jader não tem dúvida de que a eleição de 1989 é uma referência para 2018 e pode ter o mesmo fim. A exemplo do que ocorre hoje com o governo Temer, sustentando por oito partidos grandes e médios, a Aliança Democrática, assentada no PMDB e no PFL, dispunha de ampla maioria no Congresso e em 1986 elegeu todos os governadores de Estado, à exceção de Sergipe. Fez também maioria na Câmara e no Senado e o "dr. Ulysses era o presidente da Câmara, do PMDB e da Assembleia Constituinte", diz Jader. "Tudo isso, essa demonstração de força e a estrutura partidária foi tragada pelo desgaste que foram as contradições da convivência da Aliança Democrática".

Era uma convivência difícil, sobretudo quando se colocou na mesa o mandato de José Sarney. Pela Constituição anterior, Sarney tinha direito a seis anos, mas o PSDB só admitia dar quatro anos. A certa altura, Sarney admitiu uma proposta, cuja iniciativa fora dos tucanos, de cinco anos de mandato, sendo que ele governaria quatro anos exercendo plenamente a Presidência e no quinto implantaria o parlamentarismo - sistema de governo sempre defendido pelo PSDB (que agora, aliás, volta ao assunto). Sarney chegou a escrever ao respeitado jurista Afonso Arinos, que era constituinte, dando seu aval à proposta.

Já aquela altura a ideia era esvaziar a eleição presidencial. O governo estava com sérias dificuldades e chegara a pensar na candidatura do apresentador de TV Silvio Santos, num gesto de desespero. Sarney, depois, incumbiu Jader de ir a São Paulo tentar convencer o então governador Orestes Quércia a renunciar para ser o candidato. O presidente admitia até que Quércia se apresentasse como um candidato independente e até mesmo de oposição ao governo federal, para evitar que desse Collor ou Lula. Quércia atravessava um bom momento no governo e tinha obras e mais obras para inaugurar e não aceitou porque não queria passar o governo para Almino Affonso, seu vice (foi candidato em 1994 e teve um desempenho tão medíocre quanto o de Ulysses Guimarães).

Político da velha guarda, Jader hoje acha que os partidos não valem nada, transformaram-se numa sopa de letrinhas e o Congresso não tem nenhuma liderança expressiva, tanto que nem sequer consegue votar a reforma eleitoral. "Ao destruírem o Temer, estão destruindo os partidos, as lideranças do Congresso e construindo um imenso vazio pior do que o de 1989", diz Jader, ele mesmo na alça de mira do Ministério Público Federal. "Em 1989 a opinião pública achava que aqueles que tinham derrubado a ditadura tinham fracassado, mas não se havia chegado a um atestado de decrepitude moral pela qual passa a toda a classe política no Brasil". Ou seja, naquela hora era só incompetência e frustração. Hoje é incompetência, frustração e indignação do cidadão comum.

Silêncio gritante
Não passou despercebido no Congresso e nos chamados meios jurídicos de Brasília que a força-tarefa da Lava-Jato não disse uma palavra de solidariedade nem defendeu o procurador Rodrigo Janot e seu colega Marcelo Miller, quando ambos foram acusados de meter os pés pelas mãos no caso da delação da JBS. A prática em geral é outra. Basta lembrar da reação dos procuradores de Curitiba às insinuações de que o juiz Sérgio Moro fazia "negociações paralelas" na Lava-Jato feitas pelo advogado da Odebrecht Roberto Tacla Duran.

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