quarta-feira, 23 de agosto de 2017

O velho e bom Lula de sempre | Rosângela Bittar

- Valor Econômico

Boulos lidera movimento de esquerda sem Lula

Inquietante pesquisa tem circulado de boca em boca, entre lideranças políticas, revelando que o eleitor brasileiro não quer um presidente da República com cara, história, ação ou registro político em São Paulo. Os candidatos à Presidência da República em 2018 que já se lançaram, e não são poucos e não são paulistas, estão, porém, tentando instalar-se no Estado, para criar comitês e até uma residência alternativa. Sabem que sem o eleitorado do maior colégio, nada feito. E assim tentam montar base em São Paulo, principalmente no interior, mas não são paulistas.

Michel Temer é o primeiro paulista que assume a Presidência em quase cem anos, dizem os alarmistas preocupados com os sinais do destino traçado. Geraldo Alckmin, é o exemplo citado de revés nessas conversas, não conseguiu, quando foi candidato, e não consegue ainda hoje, ser um nome nacional, ter um discurso nacional. Como teria, por exemplo, um candidato de Minas Gerais, Estado que tem, ou teria, ponte com o Brasil.

Jair Bolsonaro (PSC, agora, ou PEN, no futuro), faz de São Paulo seu hub para rodar o país. Ciro Gomes (PDT), que inclusive nasceu em Pindamonhangaba e já transferiu seu título para São Paulo, uma vez, agora pode dizer que voltou a ser político cearense mas não sai do Estado.

Essas considerações vêm à roda das conversas quando se analisa a atitude de Lula. Enquanto manda o paulista Fernando Haddad (PT) rodar o país para tentar se viabilizar como candidato presidencial, menciona a possibilidade de a candidatura do PT ser defendida pelo baiano Jaques Wagner ou pelo mineiro Fernando Pimentel. Quanto a ele próprio, presidente de honra do partido e ex-presidente da República, que é o candidato real, não pode ser desafiado. Não é paulista nem nordestino, é uma entidade carismática e popular, acima de qualquer origem.

Estaria fazendo de suas caravanas uma forma de resgatar o prestígio, a popularidade, a adesão perdida com as denúncias da Operação Lava-Jato. Para ser ele o candidato.

Essa história de que o eleitor não quer candidato de São Paulo já surgiu outras vezes, porém mais perto do pleito e fez parte da campanha nos palanques.

Foi a iniciativa de Lula, ao voltar-se para políticos de outros Estados, que acendeu o sinal de alerta para paulistas e não paulistas da disputa do ano que vem e teria impulsionado a antecipação dos movimentos do prefeito João Doria e do governador Geraldo Alckmin, ambos do PSDB, para fora do Estado.

No caso de Bolsonaro e Ciro até pode ser, precisam de referência para dentro do Estado, mas no PT os sinais de Lula estão sendo mal interpretados.

O ex-presidente estimularia dois, três petistas a se lançarem país afora não porque esteja preocupado com a suposta rejeição à candidatura de paulistas mas porque é seu estilo, quase uma senha de segurança. Quando alguém lamenta que ele talvez não possa ser o candidato, diz ao interlocutor que o importante é o projeto do PT, candidato qualquer um pode ser, inclusive "você". Se o interlocutor é um profundo conhecedor da psiquê lulista, como Wagner ou Pimentel, a resposta é uma aquiescência desconfiada e de boca fechada: "hum, hum". Se é Fernando Haddad, estimulado por um grupo que teme realmente não ver Lula candidato, o ex-prefeito sai pelo país em conferências, viagens, reuniões, contatos e desanda a pedir ideias para um programa. Até a Brasília, de eleitorado petista rarefeito, o ex-prefeito já visitou. Para irritação transparente de Lula.

Outra manobra diversionista que se alimenta é que Lula está em caravana pelo Nordeste, agora, Centro-Oeste e Sul a seguir, para resgatar a condição de maior cabo eleitoral do país. José Sarney, Renan Calheiros, Eduardo Braga, os caciques do PMDB, para dar o exemplo mais eloquente, nunca viram Lula como candidato, nem quando o foi. Tratam-no como cabo eleitoral, sempre, uma varinha de condão para ajudá-los a vencer.

O fato é que Lula, para ser cabo eleitoral, bastava ficar parado e apontar seu dedo para um poste. Lula é candidato e isso, agora, virou cláusula pétrea no PT. É, até não ser.

Acredita o partido que a campanha eleitoral de outros petistas conduz Lula mais rapidamente ao cadafalso. Dá sinais ao Ministério Público e ao eleitorado de que ele já desistiu. Precipita definições. Apressa o pós-Lula.

Pela mesma razão está caindo em desgraça com o ex-presidente, também, Guilherme Boulos, líder do movimento dos sem-teto. Boulos destacou-se nesse grupo na resistência ao impeachment de Dilma Rousseff. Embora seja líder do MTST, não é um sem-teto. Tem onde morar, curso superior, e seus pais são professores na USP. Nas análises do PT aparece como classe média bem situada.

Agora, está em ascensão como lider da esquerda. Marcou uma reunião no Rio, com diversos setores políticos, a partir da base do Psol, na qual o PT foi representado pela corrente DS, com a presença de Tarso Genro, para fazer um debate sobre as teses unificadoras da esquerda brasileira.

Mesmo para os grupos que não têm apreço pela liderança de Boulos e que o consideram apenas provocador, essa reunião foi considerada importante, embora mal vista. Dentro do PT foi recebida como um ataque à candidatura Lula. Tarso Genro saiu chamuscado pela tentativa de começar a discutir com Boulos e Psol a esquerda sem o Lula.

Uma iniciativa que dá como fato consumado o impedimento de Lula. Ele está em campanha para ser o candidato, resgatar seu prestígio e popularidade. Segundo registros do PT, na primeira caravana foi recebido como Padre Cícero. Ao contrário da impressão que ficou pela violência dos ataques à imprensa desferidos do palanque e da plateia, seu público não foi apenas de militantes. A maioria teria sido de eleitores cativos, adoradores. Um sucesso pessoal, pois o PT, preso em seu labirinto, não teria condições de organizar tal espetáculo.

É óbvio que existe uma hipótese de Lula ser impedido de ser o candidato, e nesse caso ele próprio apontará uma saída para o partido. Porém, se outros levam a sério a ideia de que podem ser eles os candidatos, considera-se haver prejuízo irreparável ao ex-presidente, um movimento que aumenta o risco de proibição de sua candidatura.

É proibido, no PT, pensar e tratar do pós-Lula, sob pena de ser acusado de contribuir para a Justiça apressar sua condenação.

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