terça-feira, 1 de agosto de 2017

Ditadura consolidada – Editorial | O Estado de S. Paulo

A Venezuela é uma ditadura há bastante tempo, desde que o caudilho Hugo Chávez e seu sucessor, Nicolás Maduro, colocaram a “revolução bolivariana” acima de qualquer outra consideração. Uma a uma, as instituições que se prestavam a dar um verniz democrático a esse regime autoritário foram sendo incorporadas à máquina chavista. A imprensa livre foi sufocada e o Judiciário se viu transformado em serviçal do governo, enquanto a população passou a ser aterrorizada pelos “coletivos” paramilitares chavistas. Restava a Assembleia Nacional, dominada pela oposição, mas anteontem esse último bastião caiu. Foi substituído por uma “assembleia constituinte” totalmente chavista, cujo objetivo é reescrever a Constituição para nela fazer constar a perpetuidade do regime – e quem se opuser a isso terá de enfrentar a furiosa repressão do governo, conforme mostram os cerca de 120 mortos nos últimos quatro meses, 10 somente no dia da eleição da tal “assembleia”.

Para que não restem dúvidas sobre o caráter dessa “assembleia”, o presidente Maduro, já no dia seguinte à farsa que a elegeu, começou a dar ordens aos deputados “constituintes”. Disse que “acabou a sabotagem da Assembleia Nacional” e que “é preciso pôr ordem” e que “é preciso acabar com a imunidade parlamentar” dos deputados da oposição. Além disso, disse que a nova “assembleia constituinte” precisa “reestruturar de imediato” a Procuradoria-Geral da República, “tomando seu comando para que haja justiça”. Nos últimos tempos, um dos principais focos de dissidência tem sido a procuradora-geral Luisa Ortega Díaz, uma chavista que não se cansa de denunciar os desmandos de Maduro.

O comparecimento às urnas para escolher os “constituintes”, entre candidatos que eram todos governistas, foi escasso. O governo garante que participaram cerca de 8 milhões de eleitores, ou 41% do total, mas, como todos os números oficiais, este também é no mínimo duvidoso. A oposição fala em menos de 3 milhões de votos, e os relatos da imprensa dão conta da altíssima abstenção – pesquisas recentes indicavam que 70% dos venezuelanos eram contra a convocação da “constituinte”.

Essa evidente falta de legitimidade da “assembleia” certamente não impedirá que os chavistas a usem para revestir de legalidade as decisões ditatoriais de Maduro. O número dois do regime, Diosdado Cabello, eleito “constituinte”, informou que a “assembleia” tem “poderes plenipotenciários, isto é, pode substituir a Assembleia Nacional e pode assumir suas funções”.

Assim, acredita na “democracia” venezuelana quem quer, ou quem deseja ardentemente reproduzir o modelo chavista, como a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que, em nome do partido, manifestou solidariedade incondicional a Nicolás Maduro e apoio à farsa da “constituinte”. Em artigo publicado na Folha de S.Paulo, Gleisi escreve que a Venezuela é um exemplo para o Brasil. Enquanto Maduro “convoca o povo para decidir sobre seu próprio futuro”, o Brasil assiste “a democracia ruir após golpes parlamentares ou judiciais patrocinados pela união entre as elites econômicas e os partidos conservadores”. Não é o que pensam os milhares de venezuelanos que fugiram da miséria, da violência e do autoritarismo em seu país e procuraram refúgio no Brasil.

Também não é o que pensa a maioria absoluta dos venezuelanos que manifestaram repúdio às manobras chavistas para consolidar sua ditadura. Em nota, o Itamaraty “insta as autoridades venezuelanas a suspenderem a instalação da assembleia constituinte”. Para o governo brasileiro, a iniciativa de Maduro “confirma a ruptura da ordem constitucional na Venezuela”.

Depois de destruírem a economia da Venezuela com o aprofundamento do “socialismo do século 21”, que trouxe a fome a um dos principais produtores de petróleo do mundo, os chavistas sabem que sua permanência no poder só é possível na ausência total de democracia. Urge que a comunidade internacional, especialmente na América Latina, deixe claro que isso é intolerável.

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