terça-feira, 1 de agosto de 2017

Disputa perigosa | Merval Pereira

- O Globo

A disputa entre a Polícia Federal e o Ministério Público é o que de pior poderia acontecer na perspectiva de quem espera que as investigações sobre corrupção no Brasil levem a uma mudança no cenário político nacional. Mas é tudo o que esperam os que desejam “estancar a sangria”, um desentendimento sobre procedimentos e interpretações que permita desacreditar as delações premiadas e, em decorrência, impossibilite utilizá-las como base para investigações mais aprofundadas.

Há alguns erros primários que indicam desleixo surpreendente, como o Ministério Público dizer, no pedido de prisão preventiva do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, que Gilberto Carvalho era chefe do Gabinete Civil da Presidência, e não chefe da secretaria-geral da Presidência.Ou a afirmação de que Lula recebe pensão como ex-presidente, quando as autoridades deveriam saber que os ex-presidentes não recebem remuneração.

E outros erros de avaliação, como no caso das 77 delações de executivos da empreiteira Odebrecht colocadas em xeque pela Polícia Federal, que vê inconsistências nos relatos, e não consegue meios de obter provas devido a dificuldades burocráticas para acessar, por exemplo, os computadores que teriam registrado o desembolso de propinas.

Parece ter sido um erro aceitar tantas delações, em vez de meia dúzia delas, pois muitas se repetem e se contradizem às vezes, o que dificulta as investigações. Também os documentos que a JBS pretende apresentar para comprovar suas denúncias não parecem ser conclusivos.

Isso sem falar na recomendação da Polícia Federal de não levar em consideração as gravações feitas pelo ex-senador Sérgio Machado, em que políticos como o ex-presidente José Sarney e o senador Romero Jucá surgem especulando sobre a necessidade de aprovação de medidas legislativas para “estancar a sangria”.

Acusados de obstrução da Justiça, os políticos são liberados pelo relatório da Polícia Federal, que viu nas conversas apenas desejos e intenções de políticos dentro de suas atividades parlamentares e similares, nada havendo de criminoso nas conversas.

Assim como a gravação de uma conversa do senador Aécio Neves dizendo para Joesley Batista o que ele considera que deveria ser feito para neutralizar as investigações, revelam o clima reinante no Congresso, onde a maioria quer encontrar saídas para se livrar das acusações da Operação Lava-Jato, mas que, além de deploráveis do ponto de vista moral e ético, inclusive pela linguagem de delinquentes, nada têm de criminosas.

Chegamos a um ponto em que as provas indiciárias e testemunhais levam a um quadro evidente de atividade criminosa que, no entanto, podem ser questionadas pelas defesas dos acusados, sobretudo quando uma das partes envolvidas nas investigações, no caso a Polícia Federal, sugere que não é possível fazer as investigações necessárias por insuficiência de dados.

Como os casos de que tratam as investigações da Lava-Jato são complexos e de difícil elucidação, é necessário que os órgãos investigadores trabalhem em conjunto de maneira harmônica, e acreditando que os indícios levarão às provas. Se houver uma disputa como a que está acontecendo entre a Polícia Federal e o Ministério Público, e, sobretudo, se o Ministério da Justiça, ao qual a Polícia Federal é subordinada, não der os meios necessários para um trabalho de fôlego, as brigas por espaço aumentarão, cada instituição querendo reduzir a importância da outra, e os beneficiados serão os denunciados.

Sempre houve, por parte do Ministério da Justiça, a tentativa de controlar as investigações, e no governo Temer, na nova gestão de Torquato Jardim, parece que a eficácia de uma ação de contenção de verbas e acirramento da disputa com o Ministério Público está atingindo os objetivos de neutralizar as investigações.

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