quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Diante de incertezas, aposta de políticos trará caos ao País | José Augusto Guilhon Albuquerque*

- O Estado de S.Paulo

Tudo o que se pode dizer sobre o distritão com base em fatos, é que nada se pode dizer: um tal regime nunca existiu. O sistema sempre citado vigorou na dinastia Meiji no Japão até 1912. Ah, também se cita o Afeganistão, que nem sequer é um Estado, que dirá um exemplo.

Se vai eleger detentores de mandato, beneficiar caciques, famosos, religiosos, endinheirados, extremistas, representantes do crime organizado, não se sabe: apenas que trará o caos para o País e graves consequências sobre as expectativas dos investidores.

Enquanto estiver em pauta, provocará um arrefecimento das boas expectativas com que o investidor estrangeiro vem mirando nos negócios no País. Adotado, abre-se a possibilidade de estancamento e reversão da atual política econômica. Pior, a probabilidade da Câmara ser composta por inexperientes, sem compromissos claros com os eleitores, sem vínculo mínimo com ideias ou interesses, nem com o presidente eleito, é assustadora.

Conceitualmente, o distritão não é majoritário, que elege apenas o mais votado e exclui todos os demais. Tampouco é distrital, porque o mandatário não responde diretamente a nenhum local, nem representa algum interesse. Com isso, a falta de fidelidade do eleito ao eleitor será exponencialmente maior do que hoje.

Outra hipótese baseada em fatos é de que a maioria dos deputados diminuirá sua probabilidade de reeleição. Em São Paulo, por exemplo, a tendência desde 1982 foi de cerca de 25% eleitos com sua própria votação. Em 2014, provavelmente devido à proliferação de coligações, apenas seis dos 70 deputados federais se elegeram com o próprio voto (0,8%), enquanto 82% dependeram das sobras. Apenas 36 deputados federais de todo o País (7%) se elegeram com seus próprios votos.

A classe política brasileira, aceitando essa aposta para contornar as incertezas das próximas eleições, qual um Sócrates coletivo, não apenas bebe a cicuta, mas a prepara voluntariamente. Isto em benefício de uma nova classe “impolítica” de cujo perfil moral, social ou político nada se pode prever.

Caso se enterre o distritão, sem nada em seu lugar, fecha-se a brecha aberta pela crise geral e pela grave insatisfação difusa, pronta para explodir em indignação contra tudo e contra todos, sem que se tenham introduzido reformas produtivas.

Talvez fosse o caso de manter a discussão do distritão, e alguns de seus argumentos – como o suposto barateamento das eleições, e uma certa valorização dos que são mais votados – mantendo referências partidárias e minorias relevantes: trata-se de adotar distritos com até cinco assentos – isto é, um distrito com face humana, com forte enraizamento local – mantendo integralmente o voto proporcional, a que eleitores e candidatos já estão familiarizados, apesar de todas as insuficiências da proporcionalidade aberta. Se for discutido seriamente e eventualmente aprovado, a futura adoção de distritos uninominais combinada com voto proporcional de lista, tão elogiados e tão temidos, estará ao alcance da maioria dos 594 congressistas mediante lei ordinária.
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* Professor titular de ciência política da FEA-USP

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