sábado, 5 de agosto de 2017

Com que roupa? | Merval Pereira

- O Globo

A recente vitória do presidente Michel Temer no Congresso, barrando a denúncia da Procuradoria-Geral da República, explicitou mais uma vez um dos nossos graves problemas institucionais: não temos um sistema de governo, temos um simulacro de presidencialismo, que o próprio presidente chama de “governo semiparlamentar”. Quer dizer, não temos nem presidencialismo nem parlamentarismo.

Agora mesmo a ideia do parlamentarismo como solução de nossos problemas institucionais volta a ser discutida, mais uma vez, com incentivo do próprio Temer, depois de longa conversa com o senador tucano José Serra. Enquanto não conseguimos sair do lugar na reforma político-eleitoral que tem que ser aprovada até o próximo mês para poder vigorar na eleição de 2018, vamos vivendo de acordo com as circunstâncias.

Por exemplo, para reforçar a base parlamentar do presidente, nada menos que dez ministros foram exonerados num dia, votaram e voltaram a seus lugares no ministério. No presidencialismo, se um parlamentar abre mão de seu cargo no Legislativo, para o qual foi eleito, para ocupar um ministério ou uma secretaria no Executivo, tem que renunciar ao mandato.

Foi assim com a senadora Hillary Clinton, por exemplo, que abriu mão de seu mandato para assumir como secretária de Estado do governo de Barack Obama. O cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas do Rio, especialista em sistemas de governo, já havia analisado recentemente, em artigo do boletim do Ibre registrado aqui, as ameaças ao nosso presidencialismo.

Voltando ao tema a meu pedido, ele ressalta que “não poder ocupar simultaneamente um posto ministerial e um assento legislativo decorre da rígida separação de poderes característica do sistema de governo presidencial, ao contrário do que ocorre sob o parlamentarismo, o qual se distingue pela fusão de poderes”.

Uma das principais implicações dessa fusão é justamente a possibilidade de exercício simultâneo de cargo ministerial e mandato parlamentar. No Brasil, por conta das dificuldades que os governos têm tido em algumas votações decisivas, a classe política tem se valido, desde a década de 1990, de uma brecha legal que permite que um parlamentar licenciado para chefiar um ministério deixe o cargo no Executivo por apenas um dia para poder votar no Congresso. Após a votação, o ex-ministro por apenas um dia volta a ser ministro.

“É, de fato, uma manobra que causa pasmo, mas o que aconteceu no dia 2 de agosto não é novidade. Trata-se de um expediente que confere uma natureza híbrida ao nosso sistema de governo, pois, é uma prática de natureza parlamentarista”.

O referido expediente é problemático não por dar uma feição híbrida ao nosso presidencialismo, considera Octavio Amorim Neto, mas “por mudar a composição do Congresso na calada da noite e sem a intervenção do eleitorado”.

Outra prática perniciosa, destaca o cientista político da FGV-Rio, é “a altamente frequente troca de partidos por parlamentares, que tem sido o principal meio pelo qual nossa classe política logra alterar consideravelmente a configuração partidária do Poder Legislativo sem consultar os eleitores e, várias vezes, ao arrepio destes”.

O deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) é a favor do parlamentarismo, mas, não vendo condições de uma adoção imediata, defende o “distritão” como primeiro passo. Ele escreveu recentemente um artigo na revista Interesse Nacional em que lembra que Collor, Lula e Dilma, não saindo da eleição presidencial com maioria no Congresso, “sofreram impeachment — Collor e Dilma —, e Lula foi parar na barra dos tribunais”.

Para o deputado, nosso presidencialismo é “vistoso, imperial e fraco, incapaz de organizar maioria parlamentar em harmonia com a opinião pública e o interesse nacional”. E prossegue: “Já que fraco, coopta a tal maioria parlamentar e dela se torna refém, com acordos partidários irrevelados”.

Esse é o retrato da farsa democrática na composição de maiorias parlamentares, comenta o deputado da Rede: “Caro demais para ficar restrito ao anedotário político”. Mudar as atuais regras eleitorais “é menos ambicioso do que uma profunda reforma política, esta sim capaz de atualizar o aparelho de Estado e reduzir a mediocridade temática da organização de maiorias para transformar a organização pátria”.

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