quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Água morro abaixo | Celso Ming

- O Estado de S.Paulo

Outra vez, o rombo. Com a diferença de que está cada vez maior, sem perspectiva de encolher – apesar das promessas em contrário do governo.

O Banco Central divulgou nesta quarta-feira o resultado das contas públicas de julho, com o maior déficit mensal de todos os tempos: R$ 16,1 bilhões, que empurrou o buraco fiscal acumulado nos sete primeiros meses do ano para R$ 51,3 bilhões (1,38% do PIB) e o registrado em 12 meses, para R$ 170,5 bilhões (2,66% do PIB). Lembrem-se todos que o déficit programado para todo este ano é de R$ 159 bilhões (2,5% do PIB).

Esta é uma rosca sem fim. Não há o que consiga apontar para um relativo equilíbrio nas contas públicas. E agora o governo já não pode mais recorrer nem aos truques contábeis inventados pelo então secretário do Tesouro Arno Augustin nem às pedaladas, também por ele inventadas, das quais a presidente Dilma usou e abusou.

Para não ir mais longe, convém lembrar que, no final dos anos 70 e começo dos 80, o Fundo Monetário Internacional estava por aqui martelando quase diariamente nos ouvidos das autoridades e da opinião pública que todos os problemas da economia (estouro da dívida externa, corrida ao dólar, inflação galopante e tudo o mais) eram consequência do desequilíbrio das contas públicas. Simples assim.

Tancredo Neves não chegou a assumir em 1985, mas seu discurso foi lido pelo sucessor José Sarney. E lá o recado mais importante foi: “É proibido gastar”. Sarney se deslumbrou com o congelamento dos preços que tinha bancado no Plano Cruzado, achou que bastava mantê-los congelados, esqueceu-se da mãe de todos os males, e, sem a menor cerimônia, deixou que as contas públicas estourassem. 

Seguiram-se um plano econômico atrás do outro, com cortes recordes de zeros e novos nomes da moeda nacional. Depois, Fernando Henrique baixou o Plano Real, ainda no governo Itamar, e depois, no dele próprio, tentou segurar tudo com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Não conseguiu. 

Lula assumiu com o compromisso de garantir equilíbrio fiscal, mas no terceiro ano já se desfez do ministro Antonio Palocci e partiu para a gastança que chegou ao ápice no governo Dilma, a mesma que pedalou o quanto pôde para disfarçar tudo, mas depois foi atropelada pelo impeachment. 

Michel Temer arrancou do Congresso a PEC do Teto dos Gastos, mas também não aguentou o tranco, entre outras razões, porque vem dando prioridade à sua própria sobrevivência política. Agora procura esticar o cumprimento das traves do gol adversário para ver se algum dos seus chutes leva a bola às redes.

Desta vez, duas agravantes acentuam a falta de perspectiva. A primeira é a pálida recuperação da economia, que não ajuda o aumento da arrecadação. A segunda é a baixa probabilidade de aprovação da reforma da Previdência Social, que acene com contenção do déficit dentro de alguns anos. Apenas nos primeiros sete meses deste ano, o déficit acumulado da Previdência foi de R$ 96,38 bilhões, o equivalente a cerca de três vezes a arrecadação anual do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) em 2016.

A dívida bruta do governo geral (que leva em consideração as dívidas do governo federal, do INSS e dos governos estaduais e municipais) alcançou em julho os 73,8% do PIB. Estava a 69,9% do PIB em dezembro. Ou seja, cresceu 3,9 pontos porcentuais do PIB em apenas sete meses. Por enquanto, a aceleração do passivo brasileiro não produziu turbulências no mercado. 

Mas, se não houver redução dessa velocidade e alguma perspectiva de reversão a ser garantida por um ajuste radical e confiável, dia virá em que as agências de análise de risco voltarão a rebaixar a qualidade dos títulos do Tesouro, a credibilidade pode esfumar-se em dois tempos e o aplicador de recursos poderá voltar a cobrar mais juros para continuar rolando a dívida pública. E, como água morro abaixo, o controle ficará mais difícil.

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