quinta-feira, 20 de julho de 2017

Uma porta fechada | Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

Na bolsa do Congresso, cada novo deputado valerá R$ 2,4 milhões na campanha eleitoral de 2018, um senador, R$ 6,7 milhões. Tudo isso com recursos públicos

O esgotamento do modelo nacional desenvolvimentista baseado no capitalismo de laços, que entrou em colapso com as revelações sobre seus mecanismos mais perversos e corruptos pela Operação Lava-Jato, e o fracasso da política de adensamento da cadeia produtiva nacional têm outra face: a implosão do modelo de financiamento dos partidos, a partir do uso e abuso do caixa dois eleitoral por meio do desvio sistemático de recursos públicos pelos chamados “campeões nacionais”, como os grupos Odebrecht e JBS e outros financiadores de campanha. Isso provocou a atual crise ética.

Esse duplo colapso agravou a crise econômica, que se somou à crise política e nos levou ao impeachment de Dilma Rousseff. O presidente Michel Temer, que a sucedeu, deu uma resposta relativamente bem-sucedida à crise econômica, mas não se pode dizer o mesmo em relação às crises política e ética. Mesmo fragilizado pelas denúncias de corrupção e pela impopularidade, manteve a rota das reformas propostas por seu governo como um ciclista que não pode parar de pedalar para não se estatelar no asfalto.

Esse ímpeto reformador, que conta com a adesão das forças que apoiaram o impeachment em relação à economia, porém, esbarra na lógica conservadora da reforma política que está sendo alinhavada no Congresso. Talvez seja esse o nó górdio da crise política e ética, porque as mudanças que estão sendo discutidas no sistema eleitoral têm o objetivo de salvar os políticos enrolados na Lava-Jato de uma debacle eleitoral e nada mais. Em consequência, já surgem no Congresso os sintomas mórbidos e patológicos de uma situação na qual a velha política está morrendo e a nova ainda não emergiu.

Os mecanismos de financiamento eleitoral criados a partir da Constituição de 1988 se degeneraram e foram desarticulados pela Operação Lava-Jato. Agora, precisam ser substituídos. Os caciques das legendas preparam uma reforma cujo objetivo é mantê-los no poder. Para isso, querem determinar — a priori e pela força da grana — quem tem chances de se eleger e quem não tem. Até o sistema eleitoral será modificado com esse objetivo, de maneira a que os grandes partidos possam canibalizar os menores antes mesmo da eleição, e neutralizar os danos eleitorais decorrentes da Lava-Jato.

Uma reforma política de verdade, a essa altura do campeonato, debateria uma alternativa ao presidencialismo de coalizão. Um sistema híbrido, por exemplo, com características parlamentaristas, na qual a Presidência da República cuidaria das questões de Estado — Relações Exteriores, Defesa, Interior — e um governo de maioria parlamentar, da Fazenda, da Justiça, da Agricultura, da Saúde e da Educação… É como acontece na França e em Portugal.

Não é o que ocorre. O que está sendo tramado é a criação de um bilionário fundo de financiamento eleitoral e a concentração desses recursos e a distribuição do tempo de televisão nas mãos das cúpulas partidárias, bem como a adoção do chamado “distritão”, no qual são eleitos os mais votados por estado. O conjunto da obra seria liquidação da possibilidade de renovação dos partidos, que passariam a ser monopólios dos atuais deputados federais e senadores.

Na distribuição de recursos do fundo e do tempo de televisão, não é considerado o desempenho eleitoral para os demais cargos eletivos do país, ou seja, dos candidatos a presidente da República, a governador, a deputado estadual, a prefeito e a vereador, nas diversas esferas de governo. O mais justo seria a distribuição entre os partidos de acordo com a votação em cada eleição. Mas o relator da reforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido (PT-SP), propõe a distribuição de 49% dos recursos divididos pelos votos na eleição de 2014 para deputado federal; 15% pela atual bancada de senadores; 34% pelo atual número de deputados titulares; e 2% para todos os partidos.

Troca-troca
Antes mesmo de ser aprovada, a reforma abala as relações políticas no Congresso, ao provocar intenso troca-troca entre partidos que já estão a funcionar como balcões de negócios. A decisão do Supremo Tribunal Federal que estabelece punição drástica para os parlamentares que mudarem de partido sem justificativa desde 2008 virou letra morta: ninguém perderá o mandato por trocar de legenda. Para tangenciar essa jurisprudência, o Congresso já havia aprovado uma emenda à Constituição (PEC) que abriu duas “janelas” para mudança de partido, a primeira em 2016, para as eleições municipais, e a segunda entre março e abril de 2018. Uma nova janela de 30 dias será aberta em agosto.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é um dos artífices da reforma. Transformado em alternativa de poder em razão das denúncias contra o presidente Michel Temer, Maia articula fortemente para que dissidentes governistas do PSB, partido que resolveu passar à oposição, engrossem as fileiras de sua legenda. A movimentação gerou tensão no Palácio do Planalto e provocou reações do presidente Temer, que também resolveu participar do leilão com os meios de que dispõe: verbas e cargos governamentais. Na bolsa do Congresso, cada novo deputado valerá R$ 2,4 milhões na campanha eleitoral de 2018, um senador, R$ 6,7 milhões. Tudo isso com recursos públicos, para barrar a possibilidade de renovação da política e perpetuar o controle dos partidos pelos enrolados na Lava-Jato. A porta de saída da crise ética está sendo trancada.

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