quinta-feira, 27 de julho de 2017

Um cobertor curto para Jucá e Meirelles | Maria Cristina Fernandes

- Valor Econômico

Fim do recesso pressiona por mais gastos e outra meta

Em dezembro de 2002 havia 2.627 fiscais federais agropecuários no país. Em junho deste ano, os escaninhos eletrônicos do Ministério do Planejamento registravam 445 servidores na ativa. Ao longo dos 15 anos em que a carreira perdeu 83% do seu efetivo, a JBS se tornou a maior processadora de carnes do mundo. Contribuiu para isso a mesada distribuída pela empresa para fiscais de todo o país, como mostraram Luiz Henrique Mendes, Cristiano Zaia e Murillo Camarotto (Valor, 13 de julho).

Na esteira de uma fiscalização reduzida, se deu a Operação "Carne Fraca", que afetou um dos principais produtos da balança comercial brasileira. A redução no quadro de fiscais barateou a propina da JBS mas saiu caro para o país. Lançado sem um diagnóstico do quadro de funcionários da União, o programa de demissão voluntária lançado esta semana pelo governo federal pode inflacionar este preço. Só vai sair uma pechincha para quem quiser contratar crianças, derrubar florestas ou mentir, para efeito de tributação, sobre a área de sua gleba rural.

Na ausência de um diagnóstico oficial, que se tome de empréstimo o dos colonizadores. O último deles foi produzido em 2010 pela OCDE. Suas 338 páginas permitem três principais conclusões. A primeira é de que a máquina federal não é inchada. Representa 15% do total do emprego público do país. O conjunto dos barnabés municipais, estaduais e federais não ultrapassa 12% do total de trabalhadores, quase metade da média dos países que compõem o bloco mais rico do mundo. A segunda é que a recomposição dos quadros de servidores da era petista destinou-se, prioritariamente, à expansão de políticas sociais e à segurança. E, finalmente, a terceira é que o salário médio é mais alto do que aquele vigente nos países da OCDE e as carreiras, muito engessadas, resistem a se adequar a mudanças impostas por flutuações econômicas.

À luz dessas conclusões, o PDV soa como manobra diversionista. Introduz uma bem-vinda flexibilidade de jornada com redução proporcional de salário, mas ataca o conjunto de rendimentos quando o problema é seu valor. Carreiras com poder de barganha se descolam do conjunto do funcionalismo e arrancam aumentos incompatíveis não apenas com o padrão de países mais ricos mas, principalmente, com o buraco fiscal brasileiro.

Não é para esses funcionários que o PDV é vantajoso, uma vez que a adesão levará à perda da aposentadoria integral. O programa só se mostra atraente para funcionários que ganham até R$ 5.531,31. Como este é o teto do Regime Geral da Previdência, o servidor que se desligar e for nele enquadrado, nada perderia e ainda embolsaria o bônus por ano trabalhado oferecido pelo PDV. O verbo está no condicional porque no último programa de demissões voluntárias, no governo Fernando Henrique Cardoso, foi prometida, mas nunca entregue, uma linha de crédito do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para que os funcionários pudessem recomeçar sua vida. O risco agora é ainda maior porque, na vigência da Emenda Constitucional 95, imposta pela PEC dos Gastos, é cristalina a vedação de novas despesas. Não está claro de onde viriam os recursos para bancar os gastos iniciais que o programa teria antes de começar a gerar economia.

A saída, como o governo anterior ensinou, pode ser uma pedalada, ou várias, visto que a blindagem, desta vez, é mais segura. Mas o custo desse PDV só virá a ser uma fonte de preocupação se o programa, de fato, vingar. E não parece ter sido esta sua motivação, a começar da Pasta de onde se origina. Nasceu no Ministério do Planejamento, que nunca, de fato, foi desocupado por seu primeiro titular no governo Michel Temer, o senador Romero Jucá (PMDB-RO).

O apego do senador aos princípios de uma máquina pública eficiente e enxuta são conhecidos desde que, no governo Fernando Henrique Cardoso, manobrou para agregar às carreiras de Estado os sertanistas da Funai que havia presidido, e incorporar os funcionários os ex-territórios, um dos quais havia governado, na folha da União. Falhou no primeiro intento e foi bem sucedido no segundo.

Não parece ter sido coincidência que o PDV tenha surgido no momento em que a revisão da meta fiscal volta ao noticiário. Na queda de braço com a Fazenda para abrigar as demandas infinitas da base de apoio do governo, entre as quais o Refis-elefante e o novo fundo eleitoral, o Planejamento oferece em troca um PDV de mentirinha. A Fiesp, em sua cruzada contra a mudança no juro subsidiado do BNDES, encorpa o bombardeio contra o ajuste. Deixou isso claro no anúncio de página inteira nos jornais contra o aumento de impostos sobre os combustíveis em que o alvo foi não foi o presidente da República mas o ministro Henrique Meirelles.

O maior temor da aliança Jucá-Skaf está na nota técnica preparada pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda. A pretexto de defender a nova taxa de juro do BNDES, a nota expôs, em planilha, todos os subsídios embutidos na economia brasileira. Estão ali os candidatos à tesoura se o lobby da revisão da meta perder a parada.

Uma fatia de 10% dos R$ 114,8 bilhões em subsídios concedidos no ano passado são relacionados à agricultura e estão, portanto, blindados pela bancada ruralista. Dos programas sociais, a execução orçamentária já mostra este ano uma redução drástica em rubricas como o Minha Casa Minha Vida, que investiu, até maio, um terço daquilo que foi registrado no mesmo período do ano passado.

Sobram os subsídios à indústria, que comprometem mais da metade do total. Lá se congregam desde os R$ 29 bi emprestados pela União ao BNDES, até os R$ 15 bi destinados aos fundos de desenvolvimento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Está ali o cimento da aliança entre a Fiesp e os congressistas comandados por Jucá. É sobre este tablado que se dá o duelo pela revisão da meta fiscal que hoje alveja Meirelles. De um lado está um ministro da Fazenda que ainda tem o apoio do mercado e, do outro, Congresso e indústria que, juntos, depuseram uma presidente. Na arbitragem desta disputa, está um sucessor à espera da segunda denúncia da corporação que acaba de pedir um aumento de salário.

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