domingo, 9 de julho de 2017

Procuradoria deixa de lado superfaturamentos na Lava Jato

Flávio Ferreira, Mario Cesar Carvalho, Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Apesar da existência de laudos da Polícia Federal e do TCU (Tribunal de Contas da União) mostrando superfaturamento em obras de empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato, o Ministério Público Federal optou por não tratar do assunto ao propor ações para cobrar indenizações das construtoras.

No acordo da delação assinada pela Procuradoria com a Odebrecht, em dezembro, o tema de sobrepreços também não aparece.

O principal motivo alegado pela força-tarefa para não usar as auditorias foi a necessidade de evitar atrasos nas causas cíveis de improbidade.

Porém, caso o superfaturamento tivesse sido levado em conta, as indenizações cobradas das empresas poderiam ter sido maiores.

Sobre a ausência do tema na colaboração premiada da Odebrecht, a Procuradoria diz que a empreiteira reconheceu "implicitamente" ter inflado preços quando admitiu ter participado de um cartel para fraudar as licitações.

A posição da Odebrecht é a de que as propinas delatadas às autoridades do Brasil, EUA e Suíça não foram pagas para superfaturar valores de projetos, mas apenas para garantir as vitórias nas licitações e o cumprimento regular dos contratos.

A Procuradoria diz que o não uso das auditorias da PF e do TCU nos processos de indenização é uma estratégia para permitir o desfecho rápido das causas judiciais.

"Caso o superfaturamento fosse incluído nas mesmas ações, isso poderia levar a uma discussão sobre a necessidade de perícia dentro do processo, o que poderia atrasar em muitos anos a conclusão dessas ações", segundo a força-tarefa.

O Ministério Público Federal também levanta dúvidas sobre a precisão dos laudos da PF e do TCU.

Os preços reais de produtos e serviços de obras "são fatores de difícil, se não impossível, reconstituição. Por isso é que o TCU e a PF fizeram cálculos do tipo econométrico ou estimado sobre os potenciais prejuízos", de acordo com a Procuradoria.

Mas o Ministério Público não descarta a possibilidade de usar as apurações a respeito de sobrepreços em processos futuros. "Estrategicamente, optou-se por aguardar o amadurecimento dos cálculos e discussões sobre o superfaturamento no âmbito do próprio TCU. Após uma melhor definição desses valores, poderão ser propostas novas ações", diz a força-tarefa.

Nos processos de improbidade administrativa contra empreiteiras já apresentados à Justiça Federal no Paraná, os pedidos de indenização foram feitos com base no percentual de propinas delatado em colaborações premiadas, como a do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa.

Segundo os delatores, o suborno correspondia a 3% do valor das contratações, e tal critério foi usado pela Procuradoria para pedir as indenizações às empresas.

Porém, em muitos dos casos analisados pelos peritos da PF e do TCU, os percentuais de superfaturamento são muito mais elevados que os das propinas.

Um dos levantamentos do TCU, por exemplo, indica que no projeto do Comperj (Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro), o prédio construído para abrigar os fiscais da obra, no valor de R$ 70 milhões, teve sobrepreço de R$ 17 milhões, ou seja, 24,2% do total do contrato.

Indagada também sobre sobre o fato de a Odebrecht não ter reconhecido superfaturamentos nos depoimentos dos acordo de delação premiada, a Procuradoria respondeu que "o reconhecimento da prática do cartel é, implicitamente, um reconhecimento da fixação artificial e inflada de preços fora de um ambiente competitivo".

MUDANÇA DE VERSÃO
Em relação ao tema dos superfaturamentos, Costa mudou de versões na Lava Jato.

Em depoimento no dia 2 de setembro de 2014, ele disse que "empresas fixavam em suas propostas uma margem de sobrepreço de cerca de 3% em média, a fim de gerarem um excedente de recursos a serem repassados aos políticos".

Porém, em 9 de abril de 2015, a defesa do delator apresentou à Justiça uma petição na qual negou a ocorrência de superfaturamentos, posição alinhada à da Odebrecht e de outras empresas.

Ao apresentar sua nova posição, a alegação do ex-diretor da Petrobras foi a de que os subornos "eram retirados da margem [de lucro] das empresas" e que "não se pode dizer que houve sobrepreço".

OUTRO LADO
O Ministério Público afirma que adota a estratégia de não incluir laudos da PF e do TCU nas ações de indenização para agilizar os processos e que essa conduta tem se mostrado eficaz na Lava Jato.

A Odebrecht diz que colabora com as apurações.

A Procuradoria relata que ao iniciar os processos "já havia elementos de prova muito consistentes" sobre propinas e fraudes, que já eram suficientes para pedir condenações.

Segundo o Ministério Público, órgãos como a Advocacia-Geral da União ou a própria Petrobras também podem propor ações relacionadas ao superfaturamento, com base em levantamentos próprios.

A instituição diz que sua conduta não traz prejuízo aos cofres públicos, pois as ações de ressarcimento ao erário não prescrevem.

De acordo com a força-tarefa, o valor das propinas "é líquido e certo", e os subornos "fazem parte do superfaturamento, embora não o esgotem".

"Mesmo nos casos em que o TCU já terminou seu julgamento, a cobrança desse valor por via judicial é demorada, pois os réus terão o direito de questionar os cálculos", afirma.

A Odebrecht diz que está ajudando a Justiça do Brasil e dos países em que atua e assinou acordos de leniência para elucidar os fatos sob investigação.

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