quarta-feira, 5 de julho de 2017

O que é ser de esquerda? | Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

Os conceitos políticos de esquerda e direita ainda fazem sentido? Cada vez menos, acredito. O problema é que suas definições são fluidas, não mostram muita coerência interna e ainda têm sido castigadas pela história.

Uma defesa intransigente do princípio da sacralidade da vida, por exemplo, exigiria que os direitistas que o professam fossem contra o aborto e a eutanásia (ok, isso eles são), mas também contra a pena de morte e o direito mais ou menos irrestrito de carregar armas (aí já fica mais difícil).

Já a esquerda, que, até um passado recente, defendia com unhas e dentes a liberdade de expressão, hoje não hesita muito em sacrificá-la para proteger as tais das identidades minoritárias. E nem falo da propriedade dos meios de produção, que já foi o principal teste a diferenciar esquerdistas de direitistas, mas deixou de fazer sentido. Só a ala mais extrema da esquerda ainda pretende acabar com a propriedade privada.

É interessante notar que já existem bons candidatos a substituir a velha classificação. Gosto particularmente da proposta do psicólogo Jonathan Haidt de decompor a ideologia em seis dimensões, às quais corresponderiam seis sentimentos morais básicos: proteção, justiça, liberdade, lealdade, autoridade e santidade (pureza). O mapa ético de cada indivíduo seria uma combinação de diferentes proporções desses "ingredientes". O que normalmente chamamos de esquerda enfatiza os dois primeiros. A direita faria uma mistura mais homogênea de todos os seis.

Vai ser difícil, porém, abandonar o venerando par. As pessoas, a começar de jornalistas e dos próprios militantes, parecem ter uma atração irresistível pela divisão binária, que, apesar de precária, facilita a identificação de aliados e inimigos e ainda dá a impressão de carregar um conteúdo profundo. Ela até diz alguma coisa, mas cada vez menos, eu receio.

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