segunda-feira, 10 de julho de 2017

O livro de Dallagnol | Fernando Limongi

- Valor Econômico

Livro do procurador não traz novidades sobre a operação

A política brasileira transformou-se em uma verdadeira guerra de todos contra todos. A classe política pode ser incluída entre as espécies ameaçadas de extinção. Na atual conjuntura, não há liderança que possa se declarar segura.

Quando recolhido a Curitiba, Eduardo Cunha afirmou que passaria à história como o responsável direto pela queda de dois presidentes. Pelo que a imprensa andou noticiando, o Chantageador-Geral da República, como o apelidou Clarice Garotinho, entrou em competição inusitada com Lúcio Funaro e voltou suas baterias para o sucessor presuntivo. Assim, se delatar, não poupará o presidenciável Rodrigo Maia.

O quadro político, portanto, é desolador. Neste cenário, com as lideranças políticas engajadas nesta luta de extermínio, a publicação do novo livro de Deltan Dallagnol veio a calhar. O título dá ideia de seus objetivos: "A luta contra a corrupção; a Lava-Jato e o futuro de um país marcado pela impunidade". Trata-se de uma obra de intervenção, um verdadeiro manifesto, com o qual seu autor visa ocupar o espaço político. As intenções são óbvias.

No que se refere à luta contra a corrupção, a reconstituição feita não traz novidades. Tudo que Dallagnol nos conta é de conhecimento público. A descrição carece de maior profundidade. Para usar a imagem a que recorre o próprio autor, a Lava-Jato é caracterizada como um longo combate entre Davi e Golias, entre um "franzino pastor de ovelhas" e um "guerreiro filisteu de 2,90 metros", ou melhor, entre, de um lado, "cidadãos e profissionais do combate ao crime" e, de outro, "a gigantesca corrupção fortalecida pelo cinismo, por um sistema de Justiça ineficaz e um sistema político que estimula o conchavo."

Nesta reconstituição, não faltam descrições do mal e de suas consequências nefastas. Não há, contudo, uma discussão aprofundada sobre as causas da corrupção. Esta, por assim dizer, é tratada como um dado, como uma degradação natural decorrente da falta de sanção ao comportamento desviante. O diagnóstico que orienta o programa de ação da força-tarefa é o de que a corrupção se alimenta da impunidade.

Por isso mesmo, a ênfase programática do livro, a parte que trata do "futuro de um país marcado pela impunidade", recai sobre o pacote de medidas elaborado pelo Ministério Público Federal para combater a corrupção. Escreve o autor: "No cenário brasileiro, quando analisamos as condições que favorecem a corrupção, as duas que mais se destacam são as falhas no sistema político e a impunidade."

A discussão das falhas do sistema político que nutririam a corrupção não passa de uma enumeração das suas conhecidas e sempre citadas mazelas. Nenhuma delas, no entanto, é relacionada de forma convincente à corrupção - como por exemplo, quando afirma que o número excessivo de partidos estimula o "toma lá, dá cá." Não há relação direta entre uma coisa e outra. Aliás, se houver, ela se daria na direção contrária, pois quanto mais partidos houver, necessariamente menor seu poder barganha e menores as exigências que podem fazer em troca de seu apoio.

Assim, entre as condições que favorecem a corrupção, a ênfase de Dallagnol recai, como seria de esperar, sobre a impunidade. O simplismo do diagnóstico merece ser enfatizado. Como argumenta o procurador da República, "a corrupção é um crime racional", uma ação determinada pela comparação entre os benefícios a serem obtidos com a ação ilícita e os custos de uma possível punição. No Brasil, como todos sabem, os múltiplos recursos e a morosidade da Justiça fazem com que a prescrição se torne a regra para os crimes de colarinho branco. Ou seja, como ninguém é punido, não há inibição à corrupção e, por isto, ela se tornou um mal sistêmico.

A Lava-Jato produziu resultados, mas Dallagnol os reputa como insuficientes, uma vez que a operação atacou apenas um tumor, "mas o problema é que o sistema é cancerígeno." No final, sem reformas, Golias prevalecerá sobre Davi. A reforma que Dallagnol tem a oferecer se resume ao pacote de dez medidas para combater a corrupção.

O livro, portanto, não traz novidades. O que temos é uma reconstituição de uma luta desigual, entre pastores franzinos e a gigantesca corrupção sistêmica. Como toda narrativa épica, o sucesso depende do protagonismo de heróis que desafiam o conformismo e o status quo. No caso, o herói que a narrativa visa constituir se encontra estampado na capa do livro, ilustrada com a foto do autor. Até o nome da editora revela o sentido da autopromoção: Primeira Pessoa. Em outras palavras, o livro traz uma reconstituição heroica e na primeira pessoa do singular da Operação Lava-Jato e do projeto de reforma advogada pelos integrantes da força-tarefa.

A leitura do livro de Deltan Dallagnol mostra que a Lava-Jato tem pouco de positivo a oferecer. O diagnóstico que a sustenta é demasiadamente simplista e o projeto político para o "futuro do país" que oferece se resume à luta contra a impunidade. Neste quadro, tudo que a força-tarefa tem a oferecer é lenha na fogueira, é o estímulo para que políticos delatem seus pares.

Neste enredo, a continuar nesta toada, o drama acabará por falta de personagens. Antonio Palocci e Guido Mantega já deram início ao capítulo que promete dizimar o que resta do PT.
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Fernando Limongi é professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap

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