segunda-feira, 3 de julho de 2017

Hora de mudar | Gustavo Loyola

- Valor Econômico

Falta de avaliação dos resultados fez programa de "campeões nacionais" colecionar fracassos retumbantes

A delação premiada dos acionistas e executivos do grupo JBS desvendou de forma clara e inquestionável os males do capitalismo de laços prestigiado e ampliado durante os governos petistas por meio da desastrosa política dos "campeões nacionais" executada pelo BNDES. Cabe indagar se teria sido possível atingir o grau de corrupção desvendado pela "Lava-Jato" caso o Estado não interviesse exageradamente no funcionamento da economia, como tem sido a regra no Brasil desde o tempo das caravelas.

O argumento que justifica a intervenção estatal na economia tem como alicerce básico a necessidade de corrigir as chamadas "falhas de mercado", em suas várias formas. Porém, o resultado da atuação do Estado é frequentemente o oposto. Distorções se acumulam e a economia acaba tendo seu crescimento prejudicado no longo prazo. O pior ocorre quando as políticas públicas refletem as ideias do "nacional-desenvolvimentismo", nas quais o crédito subsidiado e a proteção tarifária são ingredientes fundamentais, como tem sido comum em vários momentos da vida econômica brasileira desde os anos 1950.

Em sua fase mais recente, durante a era petista, a estratégia nacional desenvolvimentista ganhou contornos novos, se comparada com as políticas praticadas durante o período Geisel, logo após a crise do petróleo. Enquanto que, naquele momento, o foco esteve sobre a substituição das importações e a criação e fortalecimento das empresas estatais, na fase mais recente a estratégia focou sobre a formação de grandes grupos empresariais com capital nacional privado que supostamente conquistariam os mercados internacionais.

Outra diferença relevante entre os dois momentos, com consequências macroeconômicas distintas, foi que, no governo Geisel, em meio à crise do petróleo, praticou-se uma política de caráter anticíclico após um severo choque de oferta de origem externa, enquanto que, na fase petista, a ressurgência acelerada do nacional-desenvolvimentismo liderado pelo BNDES coincidiu com o "boom" das commodities favorável ao Brasil, o que caracterizou uma política de viés pró-cíclico.

A estratégia nacional-desenvolvimentista, notadamente em seus contornos mais recentes, toma como modelo a Coreia do Sul, um dos poucos países que foram bem sucedidos em escapar da chamada "armadilha da renda média", transitando do subdesenvolvimento do pós-guerra para o estágio de país desenvolvido no final do século XX.

Mas o translado do modelo coreano para terras brasileiras ignorou algumas de suas características mais importantes, como investimento massivo em educação, principalmente no nível básico, mas abrangendo também os demais níveis, inclusive a formação tecnológica. Vale mencionar, por exemplo, que a universalização do ensino primário ocorreu menos de quinze anos após o fim da devastadora guerra da Coreia. Igualmente distingue o modelo coreano da sua cópia brasileira a importância continuada que o país asiático atribuiu aos investimentos em infraestrutura a partir do final do conflito coreano.

Mais além desses aspectos "macro", a operacionalização do modelo de incentivos creditícios e de outros subsídios governamentais no Brasil apresentou falhas primárias que anularam quaisquer perspectivas de sucesso da política, no que tange ao aumento da produtividade, do investimento e do crescimento da economia. Ao contrário, o que se viu foi, na melhor das hipóteses, a estagnação da produtividade e da taxa de investimento nos últimos anos. Além disso, a concessão de subsídios no Brasil se fez desconsiderando a capacidade fiscal do Estado brasileiro de arcar com os ônus das renúncias fiscais e do subsídio ao crédito via bancos públicos, o que contribui para a atual situação de penúria do Erário.

Contudo, a falha maior a destacar - e que está intimamente ligada à estrutura de incentivos que favorece a corrupção - diz respeito à falta de mecanismos objetivos e transparentes de avaliação dos custos e benefícios sociais envolvidos em cada proposta de incentivo, assim como a ausência da fixação de metas de desempenho para as empresas e grupos beneficiados, com avaliação periódica dos resultados. É por isso que o programa de "campeões nacionais" coleciona precocemente fracassos retumbantes, como é o caso da operadora OI, resultado do delírio de se formar um gigante no setor de telecomunicações com DNA genuinamente brasileiro.

Por tudo isso, é imprescindível transformar o papel que o Estado desempenha na economia brasileira, reduzindo ao mínimo os incentivos concedidos discricionariamente a grupos e setores da economia, ao mesmo tempo em que deve estar cada vez mais presente a necessidade de melhorar o campo de jogo econômico para todos, por meio de reformas, segurança jurídica e regulação adequada.

Lastimavelmente, iniciativas nessa direção parecem não encontrar eco. Prova cabal disso é que as mudanças relevantes no BNDES que ocorriam na gestão de Maria Silvia Bastos sofreram incessantes ataques de grupos empresariais e de políticos acostumados à relação incestuosa entre o público e o privado, até que sua permanência no cargo se tornou insustentável. O velho, no Brasil, parece sempre triunfar sobre o novo.
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Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, é ex-presidente do BC do Brasil

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