quarta-feira, 7 de junho de 2017

Que reformas? | Monica De Bolle

- O Estado de S.Paulo

Não sobra tempo para pensar em nada mais que não seja a crise política

Por volta de 1670, a Prússia inventou a Berlinda. A carruagem virou sensação pelo seu elegante e inovador desenho. Estar na Berlinda era ser alvo direto das atenções, tamanha a fascinação pelo veículo e/ou por seu ocupante. Berlindas, hoje, são objetos de museu. Mas, ficou conosco a expressão – aquele ou aquilo que está na berlinda, sofre intenso escrutínio. É o caso da pinguela brasileira.

No último domingo, escreveu o presidente Fernando Henrique Cardoso para este jornal: “Apoiei a travessia e espero que a pinguela tenha conserto. E se não?”. Há algum tempo, os mercados e alguns analistas brasileiros têm ignorado o “e se não?”. Não dá mais para ignorar essa pergunta. É preciso que todos nós reflitamos sobre o “e se não?” nesse momento em que muitos defendem as reformas, custe o que custar. Mas, que reformas?

Fernando Henrique Cardoso cunhou a pinguela para referir-se ao conjunto de reformas propostas pelo PMDB no documento conhecido como “A Ponte para o Futuro”, publicado no final de 2015, quando o governo de Dilma Rousseff estrebuchava. Tais reformas – à época – contemplavam profundas transformações para garantir a sustentabilidade fiscal de médio prazo do País, além de mudanças estruturais que promovessem o investimento na decrépita infraestrutura brasileira, a modernização das leis trabalhistas para elevar a combalida produtividade, a abertura comercial postergada há pelo menos três décadas. O plano era ambicioso, sobretudo em momento político extremamente conturbado pelas revelações de então – estamos ainda no ano de 2015 – provenientes da Operação Lava-Jato. Reconhecendo as dificuldades de pôr em marcha reformas tão profundas e contenciosas, FHC denominou, sabiamente, a ponte de pinguela.

O que sobrou, hoje, da pinguela? As reformas para garantir a sustentabilidade fiscal de médio prazo – o teto dos gastos e a reforma da Previdência – nada garantiram até hoje. Os déficits primários continuarão a nos assombrar até pelo menos 2020, de acordo com cálculos próprios, a dívida pública bruta deve saltar dos atuais 78% do PIB – usando a metodologia do Fundo Monetário Internacional – para mais de 87% nos próximos três a cinco anos. E isso supondo que o teto dos gastos permaneça intacto a partir de 2019 – hipótese heroica dada a voracidade dos grupos de interesse no Congresso – e que a reforma da Previdência seja aprovada sem diluições adicionais.

Na área de infraestrutura, a demissão da presidente do BNDES que começava a dar rumo à instituição acabando com os empréstimos motivados por interesses específicos e critérios escusos, reformulando o papel da instituição, e criando novos mecanismos de financiamento de longo prazo é um baque para a estratégia de trazer o investidor externo para parcerias com apoio do banco de fomento. Sem falar que, com uma crise política que não tem data para terminar e um governo ainda repleto de ministros citados e investigados, não há investidor que queira meter-se em tamanha lamaceira. A modernização das leis trabalhistas choca-se com os mais diversos e esperados obstáculos, forçando o débil governo de Michel Temer a fazer concessões que transformarão tal reforma em quase nada, esgarçando mais cordas fundamentais da pinguela.

Por fim, o comércio internacional. O governo de Michel Temer parecia ter trazido uma extraordinária mudança na postura atrasada do País em relação às questões de abertura externa. Entretanto, como imaginar que a agenda de abertura e inserção no mundo possa ser levada a cabo por esse governo moribundo? De um lado, não sobra tempo para pensar em nada mais que não seja a crise política – e aberturas comerciais exigem muito tempo e empenho. De outro, o Brasil não é exatamente País de reputação ilibada no momento haja vista as repercussões de operações internacionais de seus “campeões nacionais”, hoje sob intensa investigação em vários países, inclusive nos Estados Unidos.

Concluo que da pinguela, nada sobrou. Concluo que, com ou sem TSE, a pinguela de Temer não tem conserto. Portanto, com ou sem Temer, quem está na berlinda não é mais a pinguela. Quem está na berlinda é a ilusão de que a pinguela ainda existe.
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*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

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