quinta-feira, 15 de junho de 2017

O TSE e a jabuticaba | Roberto Freire

- Diário do Poder

A controversa decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de absolver a chapa vitoriosa nas eleições presidenciais de 2014, formada por Dilma Rousseff e Michel Temer, levantou um debate que há muito vinha sendo relegado ao segundo plano, mas que, diante desse rumoroso julgamento, pode voltar ao centro da discussão nacional: a real necessidade da existência de uma Justiça Eleitoral no Brasil.

Pessoalmente, sempre fui contrário ao funcionamento de uma corte específica para analisar casos no âmbito eleitoral – e essa posição nada tem a ver com a polêmica decisão do TSE em relação à chapa Dilma-Temer. O episódio recente, que mobilizou o país, apenas serviu para levantar uma discussão relevante e que deve ser enfrentada com seriedade por todos aqueles que prezam a democracia e o bom funcionamento das instituições.

O Brasil é um dos raros países em que a organização das eleições está a cargo da Justiça Eleitoral. No caso brasileiro, cabe a ela não apenas organizar as eleições, mas definir as normas, fiscalizar o processo e julgar. Aqui é possível relembrar o velho ditado popular: “certas coisas são como a jabuticaba, só existem no Brasil”. Há muita controvérsia a respeito da veracidade dessa bem humorada teoria envolvendo uma fruta tipicamente brasileira, mas não há dúvidas de que um tribunal eleitoral com tantas atribuições só existe mesmo em nosso arcabouço jurídico.

Para que se tenha uma ideia do que acontece em outras nações, nos Estados Unidos as eleições são responsabilidade dos estados. Diante do caráter eminentemente federativo do país, cada estado possui seus respectivos órgãos administradores do pleito, e o contencioso eleitoral fica a cargo dos tribunais ordinários federais – não há nenhuma corte que trate especificamente das questões eleitorais.

Na Alemanha, o processo eleitoral é administrado por um Diretor Eleitoral Federal – nomeado pelo ministro do Interior – e por uma Comissão Eleitoral Federal. Esse sistema é replicado também nos estados e distritos, só que com diretores e comissões estaduais e distritais, respectivamente. As questões judiciais no âmbito eleitoral são resolvidas pela Corte Constitucional Federal.

Na Itália, também não existe Justiça Eleitoral, e todo o contencioso é decidido pelas Cortes de Apelação, em primeira instância, e pelo Tribunal de Cassação. Nas eleições legislativas, é o Parlamento que atua como juiz da qualificação dos eleitos. Na França, há um juiz eleitoral encarregado da análise dos processos em primeira instância e, na segunda, uma Corte de Cassação. A qualificação dos eleitos, na última instância, é julgada pelo Conselho Constitucional, composto por membros designados pelos presidentes da República, da Assembleia Nacional e do Senado.

Embora poucos países tenham um tribunal eleitoral de tamanha magnitude e com tantas responsabilidades como o Brasil, as semelhanças com o modelo que aqui vigora são maiores na América do Sul. O Uruguai, por exemplo, tem uma corte eleitoral, embora ela não integre o Poder Judiciário – é um órgão autônomo formado por representantes escolhidos pelo Congresso e pelos partidos políticos. A Argentina possui a Câmara Nacional Eleitoral, composta por juízes nomeados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado. No Chile, há o Tribunal Qualificador das Eleições e também existem Tribunais Regionais Eleitorais em cada região do país. Mas em nenhuma dessas estruturas encontramos algo remotamente semelhante com o que se vê no TSE brasileiro.

Segundo dados da ONG Contas Abertas, o orçamento da corte eleitoral do Brasil alcançou quase R$ 2 bilhões autorizados para 2017, o que significa um custo diário de nada menos que R$ 5,4 milhões. O TSE é composto por 14 ministros, sete dos quais titulares e outros sete substitutos. Ao todo, são quase 800 servidores e mais de 1,3 mil trabalhadores auxiliares.

Algumas das democracias mais avançadas do mundo não têm Justiça Eleitoral e funcionam de forma plenamente satisfatória. No Brasil, as questões eleitorais poderiam ser resolvidas a partir do ordenamento da Justiça Comum, sem a necessidade de um tribunal específico. Poderia haver, inclusive, a designação de juízes para que se concentrassem exclusivamente em processos eleitorais durante o período das eleições.

O argumento de que a existência do TSE desafoga os tribunais da Justiça Comum e dá maior celeridade aos processos eleitorais não se sustenta na realidade. Afinal, o Brasil acabou de acompanhar o desfecho de um julgamento que só foi concluído após três anos, já quase ao final do mandato que era investigado. Diante de tamanha morosidade, não se faz justiça de forma efetiva.

A perplexidade com que os brasileiros receberam o resultado do julgamento da chapa Dilma-Temer deve servir como um impulso para enfrentarmos um debate que não pode mais ser adiado. O Brasil não precisa de uma Justiça Eleitoral processualmente lenta, operacionalmente custosa e estruturalmente excessiva. É a hora de seguirmos o exemplo bem sucedido de outras democracias e acabarmos com mais uma jabuticaba.

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Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

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