quarta-feira, 7 de junho de 2017

A força da economia | Míriam Leitão

- O Globo

O país vive momento inimaginável, com o presidente Temer sendo julgado pelo TSE e interrogado pela Polícia Federal ao mesmo tempo. Mesmo assim, o quadro econômico tem pontos fortes para enfrentar a turbulência política. O Banco Central avisou, ontem, que continuará reduzindo a taxa de juros, apesar de fazê-lo com ritmo menor, num comunicado em que a palavra mais frequente foi “incerteza”.

O julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE é apenas um dado dessa incerteza. A divulgação da conversa entre o presidente Temer e o empresário Joesley Batista, há 20 dias, é outro. Mesmo assim, o comportamento de vários indicadores de mercado está bem melhor do que se poderia imaginar. O dólar parou de subir, a bolsa está acima dos 60 mil pontos, e entre empresários o discurso é de que a economia não pode parar. Os cenários podem ser revistos para pior, mas o fato é que hoje o país tem melhores fundamentos para lidar com as incertezas.

O ex-diretor do Banco Central e economista-chefe do UBS no Brasil, Tony Volpon, explica que a economia brasileira tem várias vantagens em relação ao pior momento de desconfiança com o país, em 2015, quando o dólar e o risco dispararam no primeiro ano do governo Dilma. Ele diz que a inflação está baixa, os juros e o déficit nominal estão em queda, o Banco Central reduziu seu estoque de swaps cambiais e pode dar liquidez ao mercado de câmbio, e o déficit em conta-corrente caiu de 4% para 1% do PIB. Além disso, o cenário externo é favorável, com recordes em várias bolsas no mundo, impulsionadas pelo crescimento econômico dos Estados Unidos, Europa e Japão. Ele disse que existe a “percepção” de que a equipe econômica permanece mesmo no cenário de troca de governo.

Na visão de Volpon, a melhora do quadro fiscal pela reforma da Previdência seria gradual. Por isso, se não for aprovada agora, não teria impacto tão grande a curto prazo.

— É preciso relativizar a importância da reforma da Previdência, porque o ajuste que ela propõe é muito gradual. Se for agora ou em 2019, não vai fazer tanta diferença assim sobre a dívida do governo — disse.

Ontem, o Banco Central divulgou a Ata do Copom de sua última reunião e confirmou o sinal de que vai reduzir o ritmo de cortes das taxas de juros, de 1 ponto para 0,75 ponto. Segundo o BC, há risco de atraso e até mesmo não aprovação das reformas, e isso significa que a economia terá menos capacidade de crescer sem gerar inflação. Ainda assim, os grandes bancos, como Bradesco e Itaú, mantiveram suas previsões de que a Selic chegará ao final do ano em 8%, abaixo dos atuais 10,25%. Mesmo nesse tumulto econômico, os juros continuarão caindo, porque o índice de inflação está abaixo do centro da meta, e há grande ociosidade na economia, permitindo o relaxamento da política monetária.

A Anfavea, entidade que representa as montadoras de veículos, divulgou ontem bons números de produção e exportações — que cresceram 23% e 61% de janeiro a maio, respectivamente. Os executivos da entidade têm grande receio da paralisia política, mas ponderam que os fundamentos da economia estão mais sólidos do que antes, e que isso pode ajudar nessa travessia.

— Vemos com preocupação o cenário, mas temos o entendimento de que a economia tem que rodar. Os indicadores em vários setores são positivos, estamos vendo o agronegócio com bom desempenho, as exportações indo bem, o PIB positivo, a nossa produção e a de a outros setores subindo. Há um esforço no sentido de avançar na economia apesar da insegurança política — disse o presidente da Anfavea, Antonio Megale.

Uma preocupação está justamente no crédito. Os juros aos consumidores continuam muito altos e inibindo os financiamentos de bens duráveis, como os veículos, segundo Megale. Por isso, a expectativa de continuidade de queda da Selic é um grande diferencial para se manter o otimismo entre os empresários.

— Os juros reais estão muito elevados, mas já começamos a ver os primeiros sinais de queda para o consumidor — afirmou.

O julgamento iniciado ontem pode levar à inelegibilidade da ex-presidente Dilma e à cassação do mandato de Temer. Os setores produtivo e financeiro esperam um desfecho rápido da crise política. Pode não ser rápida. Mas pelo menos no curto prazo a economia tem capacidade de enfrentar a turbulência.

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