quinta-feira, 15 de junho de 2017

A falta que nos faz um Macron | Carlos Alberto Sardenberg

- O Globo

Não tem Lava-Jato na França, mas há uma clara rejeição à roubalheira, aos privilégios e ao modo de ser dos políticos

Em abril de 2016, Emmanuel Macron, então ministro da Economia da França, fundou um novo partido, o Em Marcha. Apenas 13 meses depois, elegeuse presidente do país. E no próximo domingo, no segundo turno das eleições legislativas, seu partido deve conseguir mais de 400 cadeiras, uma maioria inédita na Assembleia Nacional, que tem 577 deputados.

E tudo isso sem um pingo de populismo. Ao contrário, marcou claras posições nos temas considerados mais delicados. No último debate da campanha presidencial, o moderador perguntou aos candidatos: qual sua posição em relação à Previdência?

Respondeu primeiro Marine Le Pen, da extrema-direita: “Vou reduzir a idade mínima de aposentadoria de 63 para 60 anos”.

Macron não se assustou. Não apenas disse que manteria os 63 anos, como afirmou que essa idade seria progressivamente elevada, conforme as taxas de envelhecimento da população. Ganhou com 66% dos votos. No discurso de posse, confirmou sua agenda definida como “radical de centro”: reformas da Previdência e da legislação trabalhista, maior rigor e restrição na concessão de seguro-desemprego, tornar o ambiente de negócios mais amigável para os empreendedores e privatizações.

Começou, aliás, por preparar a privatização dos aeroportos, da Infraero lá deles. Por aqui, o leitor e a leitora já percebem por que estamos falando disso. Há muitas lições para o Brasil vindas da França de hoje.

Antes de fundar seu partido, Macron cabia bem na definição de capitalista, humanista e tecnocrata. Tinha sido banqueiro (sócio no Rotschild), com formação de filósofo, administrador e economista. Chegou ao Ministério da Economia (do governo de François Hollande) sem nunca ter disputado uma eleição.

Deixou o governo quando confirmou que a velha política era velha mesmo, incapaz da mudança de rumos de que a França precisava.

Desde o início dos anos 2000, as lideranças políticas e sociais debatem sobre como tirar a França da armadilha do baixo crescimento, desemprego alto e perda de investimentos. Perda para a Alemanha, por exemplo, que fez as reformas em 2002 — essas agora encaminhadas por Macron.

Por aí se vê que, embora tenha estado na velha política, Macron representou o novo na economia e na política.

Sabem como o Em Marcha escolheu candidatos para as eleições legislativas? Abriu inscrições pelo site. Mais de 19 mil franceses se inscreveram, em igualdade de condições. Quer dizer, o fato de ser deputado ou vereador não fazia diferença.

Feita a seleção interna, o partido apresentou 525 candidatos, dos quais 251 nunca haviam disputado uma eleição. O primeiro turno foi domingo passado. O Em Marcha venceu de lavada, e as projeções indicam que pode levar mais de 400 cadeiras no segundo turno, domingo que vem.

Os dois partidos tradicionais, que vinham se alternando no governo, o Socialista e o Republicano, estão sendo arrasados. Idem para os partidos extremistas à esquerda e à direita.

Aqui, a velha política é arrasada pela corrupção. Não tem Lava-Jato na França, mas há uma clara rejeição à roubalheira, aos privilégios e ao modo de ser dos políticos. Por exemplo, o candidato favorito pelas pesquisas era o conservador François Fillon, considerado um quadro sério. Despencou quando se revelou que ele empregava mulher e filho em seu gabinete de deputado, sendo que uma e outro nunca eram encontrados no local de trabalho.

Fillon ainda tentou explicar. Disse que sua mulher corrigia seus discursos. Não colou, claro.

Temos muitos Fillons por aqui. E gente pior. Onde estará nosso Macron? Aos pretendentes, a agenda apresentada pelo francês é muito clara. Trata-se de uma verdadeira revolução democrática. O candidato deve ser conservador em matéria de economia — equilíbrio das contas públicas, redução do tamanho do Estado, simplificação e redução da carga tributária, além das reformas. Em resumo, livre mercado e globalização — um sistema no qual a competição e a eficiência valham mais que as relações de bastidores com os governantes e seus partidos.

No social, a agenda é progressista: pelo amplo direito de aborto; casamento é união entre duas pessoas, sejam de sexos diferentes ou do mesmo; pelos direitos LGBT; as famílias mudam ao longo da vida; os imigrantes são bem-vindos.

Em resumo, nosso Macron não pode ser uma pessoa alheia à política atual, mas precisa ser capaz de separar-se dela e ser franco em relação à sua agenda. E, claro, fora da Lava-Jato.

Conhecem alguém?

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