sábado, 24 de junho de 2017

A crise em curso | Merval Pereira

- O Globo

Sem possibilidades de prospectar o futuro com alguma margem de segurança, por absoluta falta de parâmetros, é possível, no entanto, cruzar informações para se tentar formar um quadro de probabilidades do desenrolar de fatos em curso. De uma palestra de Fernando Henrique Cardoso ontem, em São Paulo, pode-se aprofundar dois ou três fatos fundamentais para o encaminhamento de nossa crise.

O ex-presidente classificou de “momento gravíssimo” e “inédito” este com a possibilidade de ser o presidente da República denunciado por corrupção: “O procurador-geral da República, baseado em uma investigação da Polícia Federal, que é submetida à Presidência, se dispõe a mover uma ação contra o próprio presidente. E por corrupção. Isso nunca houve,” afirmou.

O líder tucano comparou a crise do governo Michel Temer com a que resultou no suicídio de Getulio Vargas, devido às investigações da Aeronáutica na chamada República do Galeão, sobre o atentado contra Carlos Lacerda que matou o major Rubens Vaz, que fazia a segurança do líder da oposição a Getulio. O desfecho trágico, ressaltou Fernando Henrique, no caso de Getulio, poderia ser substituído, no caso de Temer, por um gesto de grandeza do presidente convocando eleições diretas “para daqui a oito ou nove meses”. Pois bem. A Polícia Federal vai encaminhar ao Supremo Tribunal Federal (STF) na segunda-feira o relatório final do inquérito que investiga o presidente Michel Temer, com o laudo da perícia da gravação que ficou pronto ontem à tarde.

Tudo indica que cairá por terra a defesa inicial do presidente Temer de que o áudio fora adulterado através de uma edição. Como disse o próprio advogado do presidente, Cláudio Mariz, “aí a coisa fica difícil”. Já não basta saber se o presidente continua tendo força na Câmara para barrar um provável pedido de investigação, mas se seu esforço cada vez maior para se manter no governo não prejudicará ainda mais o país, inviabilizando as reformas que são a única razão de ser de seu governo.

Um governo impopular, como é o de Temer e era o de Dilma, não perde a legitimidade. Mas um governo corrupto, como o de Temer, que está sendo acusado de ser com áudios, vídeos e delações, fica impossibilitado de continuar, assim como o de Dilma que encontrou um fim após desvios de conduta administrativa comprovados em um processo no Congresso, além das diversas acusações de corrupção que foram se acumulando nos últimos tempos.

Falando em eleição direta antecipada, Fernando Henrique foi muito claro ao se referir à possibilidade de Lula vir a se candidatar: disse aos participantes do encontro, membros do empresariado, do mundo financeiro e altos executivos, que eles devem estar preparados para enfrentar Lula nas urnas e vencê-lo. Ao dizer isso, vangloriou-se: “Eu já o venci duas vezes, e no primeiro turno”, arrancando aplausos.

“Lula está por conta da Justiça, não sei o que a Justiça vai fazer. Mas suponhamos que a Justiça diga que o Lula não fez nada: ele é candidato, é o único candidato possível do PT. Só resta vencer na urna. Ou então dar golpe, mas como eu sou contra golpe, só resta é vencer na urna” afirmou.

Na sua análise, a situação eleitoral de Lula se deteriorou após a Operação Lava-Jato, e ele não teria mais condições de vencer uma eleição. “Quando venceu, o Lula penetrou na classe média e no dinheiro. O dinheiro volta para quem estiver na frente, a classe média não. Acho difícil que o Lula consiga recuperar o que perdeu na classe média. Eu não acho que o Lula seja não-derrotável. Perdeu em São Paulo agora, perdeu extensamente,” disse.

Com relação à possibilidade de Lula vir a ser impedido de se candidatar por se tornar um “ficha-suja”, com uma condenação em segunda instância, houve um fato interessante na posse de Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz na presidência do TRF da 4ª Região, destinado a julgar em segunda instância os processos da Lava Jato oriundos do juiz Sergio Moro.

Durante a solenidade de posse, ele disse: “Em relação aos processos da Lava-Jato, o nosso tribunal tem tido celeridade razoável, sem atropelos da lei e sem delongas excessivas. Eu acredito que as apelações dos personagens mais conhecidos, entre agosto deste ano e agosto do ano que vem, já estariam sendo julgadas e pautadas.”

Lula é o principal desses “personagens mais conhecidos” que estão em julgamento. A primeira sentença de Moro, sobre o processo do tríplex do Guarujá, deve sair até o fim deste mês, ou no mais tardar na primeira semana de julho. Caso seja condenatória, quer dizer que o recurso de segunda instância estará julgado, pela avaliação do novo presidente do TRF da 4ª Região, por volta da primeira semana de julho de 2018.

A partir do dia 20 de julho, e até 5 de agosto, os partidos podem fazer suas convenções para escolher os candidatos às eleições. Será uma corrida contra o tempo: condenado em segunda instância, Lula pode até não ir para a cadeia, pois não é automática a prisão, depende do entendimento de cada juiz. Mas estará inelegível.

Se a impugnação na segunda instância acontecer depois que sua candidatura à Presidência da República estiver homologada pela convenção do PT, teremos uma crise institucional instalada no país.

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