domingo, 4 de junho de 2017

A afirmação dos gêneros | Cacá Diegues

- O Globo

Tamanho não é documento. O Grão-Ducado de Luxemburgo, pequeno país europeu situado entre Alemanha, Bélgica e França, onde ocupa um espaço inferior ao da cidade de Brasília, com uma população que é quase a metade da de Nova Iguaçu, dá um exemplo de modernidade cultural e política ao resto do mundo. Luxemburgo (o país, e não o velho treinador, claro) sempre teve uma certa importância estratégica no continente, devida, nos tempos atuais, à solidez de sua economia e à habilidade com que ela é conduzida. Mas, agora, sua importância vai mais longe.

Sendo parte da União Europeia, Luxemburgo é uma monarquia constitucional encabeçada pelo grão-duque, em que o povo elege, regular e democraticamente, Parlamento e primeiro-ministro. Atualmente, quem ocupa o posto de primeiro-ministro é Xavier Bettel, um político de 44 anos, homossexual fora do armário há muitos anos, que, em 2015, oficializou seu casamento com o jovem arquiteto Gauthier Destenay. Desde então, o casal se apresenta sempre junto, em fotos funcionais ou românticas, com o primeiro-ministro levando seu cônjuge a todas as viagens oficiais. Como, por exemplo, em recente visita formal ao Vaticano.

Bettel e Destenay estiveram, essa semana, na reunião dos líderes da Otan, em Bruxelas, e causou furor em todo o mundo a foto oficial das primeirasdamas, em que o marido do primeiro ministro luxemburguês se encontra presente e à vontade. Em seu informe sobre o evento, a Casa Branca omitiu o nome de Destenay na legenda da fotografia, como se ele não estivesse ali, com um discreto sorriso feliz, por trás de Melania Trump.

Nessa reunião da Otan, parece que as melhores amigas de Destanay, as primeiras-damas que melhor se entenderam com ele, foram Brigitte Macron, a simpática mulher sexagenária do recém-eleito presidente francês, e Emine Erdogan, mulher do presidente quase ditador da Turquia, com seu permanente véu na cabeça. Gostaria muito de saber o que conversaram, mas isso a imprensa não informou.

Bettel não é o primeiro dirigente mundial que se declara gay. A pioneira no assunto foi a primeiraministra da Islândia, Johanna Siguroardóttir, que, em 2010, se casou publicamente com a dramaturga Jónina Leósdóttir. No cargo desde 2014, Bettel afirmou em Bruxelas que “as pessoas não votaram em mim por eu ser gay ou heterossexual. Isso não é assunto para eleição, para quem vai cuidar do país”. Ele está certo. Porém, o assunto pode não servir para eleição, mas faz muito bem ao país, ajuda a libertá-lo de velhos conceitos e preconceitos.

Enquanto se dava esse encontro da Otan, em Taormina, na Sicília, rolava a reunião dos líderes do G7, o grupo de países mais ricos do mundo. Os líderes dos sete mais ricos passeavam pelo litoral ensolarado do sul da Itália, que ninguém é de ferro, pensando provavelmente em como controlar a ansiedade dos 70 mais pobres.

Numa foto oficial do evento, cercada por seis machos poderosos, entre os quais Donald Trump, com sua cara de mafioso escandinavo e aquela marquise loura em cima da testa, estava lá a solitária Angela Merkel, que, na ausência de Theresa May, representava um outro novo poder no planeta, o poder do gênero feminino. Até que, com o tempo, o mundo pode ficar bem mais divertido.
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Os homens públicos brasileiros bem que podiam ouvir as palavras do Papa Francisco, ditas em 5 de novembro de 2016, encontradas em um vídeo viral que circula pela internet. Aliás, não só os brasileiros, mas os homens públicos do mundo inteiro:

“A qualquer pessoa que tenha apego demais às coisas materiais, aos que gostam de dinheiro, de banquetes exuberantes, de mansões suntuosas, de trajes refinados, de automóveis de luxo, eu aconselharia que examinem o que está se passando em seu coração e que rezem para que Deus os livre dessas ataduras. Quem tem afeição por todas essas coisas, por favor, não se meta em política”.

Diga-se de passagem, esse foi também o conselho que Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, mito e líder popular no país, deu numa entrevista: você tem todo o direito de querer ganhar dinheiro na vida, mas então não se meta em política. Fazer política e ganhar dinheiro são ações humanas incompatíveis.

Naquela mesma fala de novembro passado, Francisco ainda diz que “frente à tentação da corrupção, não há melhor antídoto do que a austeridade moral. Praticar a austeridade é, antes de tudo, pregar com o próprio exemplo. Peço que não subestimem o valor do exemplo, porque ele tem mais força que mil palavras, que mil volantes, que mil likes, que mil retweets, que mil vídeos do YouTube. O exemplo de uma vida austera a serviço do próximo é a melhor forma de promover o bem comum”.

Esse cara ainda vai salvar o mundo em que vivemos.

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Cacá Diegues é cineasta 

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