sexta-feira, 12 de maio de 2017

Um marco esquecido da busca pela democracia

Biblioteca Nacional lembra os 200 anos da Revolução Pernambucana, um levante de resistência ao Império

Renato Grandelle | O Globo

Dois séculos atrás, um levante reivindicou a Proclamação da República, a liberdade de imprensa e a separação entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A Revolução Pernambucana, em 1817, é considerada o berço da democracia brasileira, mas foi sufocada em apenas 75 dias pelo Império e praticamente apagada da memória popular. Para apresentá-la ao público, a Biblioteca Nacional inaugurou esta semana uma exposição em que resgata livros, mapas e manuscritos ligados ao movimento nordestino.

O controle dos portugueses sobre a administração pública, a criação de novos impostos por dom João VI e uma grande seca, que diminuiu a produção de açúcar e algodão em Pernambuco estão entre as principais causas da revolução, também inspirada nos movimentos liberais europeus.

A população pernambucana, região mais rica da Colônia, manifestava crescente indignação por ser obrigada a enviar uma grande quantidade de recursos para sustentar a Família Real no Rio de Janeiro.

— Intelectuais, comerciantes, maçons, padres carmelitas e parte da elite agrícola já pensavam na república desde o século XVIII, e agora estavam insatisfeitos com os impostos que deveriam pagar para a Corte. Além disso, como o Império se instalou no Rio, o Nordeste foi excluído das decisões políticas — lembra Maria Eduarda Marques, historiadora e curadora da exposição. — Os revoltosos chegaram a discutir a libertação de escravos, mas esta proposta provocou divisões internas, já que o campo precisava daquela mão de obra.

REPÚBLICA NORDESTINA 
Os comandantes da revolução buscaram a adesão de outras províncias nordestinas. Contaram com o apoio da Paraíba e do Rio Grande do Norte, que passaram a ser representados como estrelas na bandeira de Pernambuco, criada durante o movimento. A Bahia, no entanto, resistiu ao chamado. Seu governador, o Conde dos Arcos, era aliado de dom João VI.

Entre março e maio, tempo que os manifestantes ocuparam o poder, os revolucionários impuseram medidas como a reforma do sistema tributário, a criação da primeira polícia brasileira e a alforria de escravos alistados no Exército.

O Império português, porém, reagiu rapidamente. Oito mil soldados foram divididos em duas frentes principais — um contingente, enviado para o território baiano, avançou rumo ao sertão de Pernambuco, enquanto uma força naval bloqueou o porto do Recife, por onde escoavam produtos fundamentais para o desenvolvimento econômico regional.

— Houve uma repressão fortíssima, liderada pelo general Luís do Rego, responsável pelo cerco ao Recife — conta Maria Eduarda. — Pelo menos seis líderes foram enforcados e depois esquartejados. Seus corpos foram presos nos lombos de cavalos que circulavam pelas cidades, mostrando como os opositores do Império eram punidos.

A derrota no front custou caro a Pernambuco: parte de seu território deu origem a Alagoas, enquanto outra porção passou para Bahia. O poderio econômico foi assumido pela elite fluminense. O germe da revolta, no entanto, sobreviveu. Outra revolução republicana, igualmente derrubada, ocorreu apenas sete anos depois.

— A Revolução Pernambucana foi demonizada durante a construção da historiografia brasileira no século XIX. Na hora de citar o principal levante contra a monarquia, os livros deram mais importância à Inconfidência Mineira, embora seus líderes nunca tenham chegado ao poder — destaca Maria Eduarda.

Presidente da Biblioteca Nacional, Helena Severo revela que os jovens são o principal público-alvo da exposição.

— Este é um projeto criativo, em que os estudantes serão recebidos por monitores preparados para fazer visitas guiadas. Trata-se de um período importante da História que, no entanto, permanece pouco estudado — explica Helena. — Entre as atrações, mostramos um bilhete escrito pela imperatriz Leopoldina, que vinha para o Brasil para casar com dom Pedro I. No texto original, entre anotações sobre assuntos triviais, como a morte de seu cachorro, há observações sobre assuntos políticos, como sua felicidade ao saber que a Revolução Pernambucana havia sido sufocada.

A exposição “Pernambucano 1817, a revolução” tem entrada gratuita e estará aberta até o dia 15 de agosto. Durante a semana, o horário de visitação é das 10h às 17h; aos sábados, de 10h30m às 15h. A Fundação Biblioteca Nacional fica na Avenida Rio Branco 297, Centro.

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