sexta-feira, 5 de maio de 2017

Pressões e chantagens para mudar a reforma da previdência – Editorial | Valor Econômico

A reforma da previdência passou bem pela comissão especial na Câmara, mas ela corre o risco de extrapolar todas as concessões já feitas pelo governo e ser piorada com mudanças que favoreçam interesses corporativos. O pacto com as lideranças políticas precisa ser cumprido à risca - as modificações acordadas, que já significaram uma redução do impacto esperado nas contas da Previdência de 25% em relação à proposta original, seriam as últimas. O próprio presidente Michel Temer optou por esse caminho, de ceder tudo o que julgasse conveniente no início do processo, para evitar ter de se empenhar em uma batalha gradual e ceder a conta-gotas.

Além disso, o governo precisa arregimentar logo os 308 votos que diz ter para a aprovação e votar o projeto. Ciente de que obter dois terços em duas votações é difícil, a base aliada passou a vender bastante caro seu apoio, como demonstraram nesta semana a desvirtuação completa do novo Refis e tentativas de ruralistas de obter perdão para dívidas com o Funrural.

Com as concessões feitas, as contas da previdência voltarão a pressionar o teto das despesas dentro de cinco anos, se nada mais for mexido. A viga mestra da reforma foi praticamente mantida, com o estabelecimento de idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Mas abriram-se brechas, com redução dessa idade mínima, para professores, policiais e agora uma série de categorias tenta obter a mesma coisa, com preocupante vacilação do relator Arthur Maia.

Houve concessão inicial, depois rejeitada pela comissão, para reduzir a idade de aposentadoria dos policiais do Legislativo, que ganham salário inicial de até 17 mil por um trabalho que está muito longe de colocar em risco sua vida. Agentes penitenciários e socioeducativos iam ganhando no grito também sua exceção e invadiram a sessão da comissão ontem à noite. A votação dos destaques foi suspensa.

A maior ameaça, porém, vem das pressões dos funcionários que ingressaram no serviço público antes de 2003. Eles têm regalias que ninguém na iniciativa privada possui: aposentam-se pelo salário integral, na média muito acima daquele pago pelas empresas, e ainda mantêm seus vencimentos em paridade com os dos servidores da ativa. O projeto de reforma não acabou com esses benefícios, apenas exigiu que, para usufruí-los integralmente, seria necessário aposentar-se com 65 anos (homens) e 62 anos (mulheres). Os representantes dos servidores querem amortecer essa regra mais que razoável e que já veio tarde.

Quanto mais demorar a votação da reforma da previdência, mais pagará o governo pelo apoio dos parlamentares. Na mesma noite em que a comissão aprovou o projeto da previdência, a comissão mista do Congresso aprovou parecer do deputado Newton Cardoso (PMDB-MG) que transformou em verdadeira farra mais uma versão de um programa que se perenizou no país, o Refis. Batizado de Programa de Regularização Tributária (MP 766), as mudanças dobraram para 20 anos o prazo de parcelamento de dívidas, eliminaram restrições ao uso de crédito fiscal.

Criou-se abatimento de multas e juros de 90% para os casos de pagamento à vista. Melhor ainda será quitar débitos com 85% de desconto nas penalidades, pagando 5% parcelado em cinco vezes e o restante em 150 prestações. Também poderão ser parceladas dívidas com autarquias, como a CVM, e fundações. A desistência das ações judiciais nas quais estejam em jogo os débitos renegociados fica dispensada do pagamento de honorários, ou seja, eventuais chicanas de devedores sairão de graça.

A poderosa bancada ruralista insinuou que condiciona o apoio à reforma da Previdência a um Refis particular. Uma MP em estudo pelo governo pode eliminar juros e multas de débitos de R$ 10 bilhões com o Funrural, e estender o prazo de pagamento a 15 anos. Os ruralistas queriam o perdão dessa dívida.

Enquanto o governo se engaja em reformas que modificam condições de trabalho e previdência para a maioria dos brasileiros, é contraditório fazer vistas grossas a propostas que beneficiam uma minoria e ceder à chantagem de parlamentares. É desmoralizador para as reformas que se aceite como moeda de troca "jabutis" tão vergonhosos em MPs ou pedidos de vantagens indevidas e incompatíveis com a péssima situação das finanças públicas.

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