quarta-feira, 24 de maio de 2017

O fim do governo Temer | Cristiano Romero

- Valor Econômico

Mesmo sem Temer, Brasília deve seguir na rota das reformas

O governo do presidente Michel Temer acabou. Mesmo tendo sido vítima de um controverso processo de gravação, claramente idealizado para incriminá-lo, o presidente vive uma situação embaraçosa, como bem definiu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O diálogo com o empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, contém trechos impróprios para uma conversa de presidente da República.

O próprio Temer já sabe que, do ponto de vista político, é praticamente impossível superar esse escândalo. Se conseguisse, ainda assim teria um governo fraco, incapaz de aprovar as reformas institucionais de que o país tanto necessita neste momento. No fundo, Temer tenta ganhar uma sobrevida para deixar a Presidência de acordo com o rito constitucional e não por meio de renúncia ao mandato.

O presidente assumiu o comando do país há um ano, em meio a uma das mais graves crises políticas e econômicas da história do Brasil. No papel de vice-presidente, lançou sete meses antes de substituir Dilma Rousseff o documento "Ponte para o Futuro", um conjunto bem arrazoado de propostas para modernizar a economia brasileira. Rompido com Dilma, Temer se apresentou à nação, com sua versão da "Carta aos Brasileiros" - documento que Lula lançou na corrida presidencial de 2002 para tentar acalmar os mercados -, como uma alternativa à então presidente, cujo governo levou o país à ruína - três anos de recessão, encolhimento de quase 8% do Produto Interno Bruto e de 10% da renda per capita no biênio 2015-2016, inflação de dois dígitos, explosão da dívida pública, 14,2 milhões de desempregados etc.

Pouco depois de assumir a Presidência, Temer admitiu que não tinha legitimidade popular, mas gozava de legitimidade constitucional. Tendo tomado posse num momento tão conturbado da vida nacional, ele percebeu que, mesmo sem capital político, seu governo poderia avançar numa ousada e necessária agenda de reformas institucionais. Nomeou, então, uma equipe econômica respeitável, que, rapidamente, começou a elaborar três propostas cruciais para tirar o Brasil do atoleiro: a adoção de um teto para impedir o crescimento real (acima da inflação) dos gastos públicos durante 20 anos; a reforma da Previdência e a reforma trabalhista (esta foi substancialmente alterada, para pior, pela Câmara).

Temer sabia que seu maior desafio era adotar medidas não para acelerar o crescimento da economia no curto prazo, mas para criar as bases da expansão sustentada no médio e longo prazos. Dedicou-se, então, a formar maioria no Congresso para aprovar seus projetos. Antes, montou um ministério "congressual" - cada ministro foi escolhido com base no número de votos que seu partido garantia no parlamento.

Deu certo. Em pouco tempo, o Congresso aprovou a emenda constitucional que instituiu o teto de gastos e a Câmara, a reforma trabalhista. Além disso, outros projetos importantes, como mudanças no marco regulatório do setor de petróleo, foram aprovados. O trunfo de Temer era justamente este: fazer sua ampla base de apoio no Congresso aprovar medidas na área econômica. O governo sofreu pouquíssimas derrotas nesse período.

Paralelamente à iniciativa legislativa, o governo Temer conseguiu derrubar a inflação - medida pelo IPCA - de 10,6% em 2015 para 6,3% no ano passado. Para este ano, a mediana das expectativas do mercado - registrada pelo boletim Focus - prevê IPCA abaixo de 4%, o menor índice em 12 anos. O Banco Central voltou a controlar as expectativas de inflação, algo que não ocorria desde meados de 2010, e a reduzir a taxa básica de juros (Selic) - no Focus, a mediana das projeções aponta para uma Selic real em torno de 4,41% ao ano em dezembro.

A atividade econômica, depois de três anos de recessão, começou a esboçar sinais de recuperação no primeiro trimestre. A retomada tem sido bem mais lenta do que em outras recessões, mas, ainda assim, consistente. Ganharia um ritmo mais veloz se a reforma da Previdência fosse aprovada. Com a crise envolvendo Temer, muda tudo. Desde sexta-feira, o Brasil parou para ver a extensão do estrago provocado pela gravação da conversa de Temer com o empresário da JBS. Nada acontece antes de se resolver esse imbróglio.

Dilma Rousseff caiu em decorrência da combinação de dois fatores: crise econômica e perda de controle de sua base de apoio. Tecnicamente, ela sofreu impeachment por causa das pedaladas fiscais - o uso de bancos federais para pagar despesas da administração direta, prática vedada pela lei. As pedaladas foram feitas porque Dilma arruinou as finanças públicas - de 2008 a 2015, o gasto corrente cresceu 50% acima da variação da inflação do período, enquanto as receitas avançaram apenas 17%.

Já há em Brasília uma articulação nos bastidores para definir quem será o candidato da base aliada que apoia hoje o governo a disputar a eleição indireta no Congresso contra o candidato da oposição. Do cenário que se mostrava caótico no fim da semana passada começa a emergir um pouco de racionalidade: há uma percepção na classe política de que a agenda de reformas adotada por Temer precisa ser mantida, do contrário, a economia voltará ao caos em que se encontrava há pouco mais de um ano e tudo o que foi feito terá sido em vão.

Algumas lideranças acham que, dada a gravidade do momento político, o novo governo, que terá um mandato tampão (até 31 de dezembro de 2018), deve conduzir as reformas com menos ambição do que fez Temer. O atual presidente aprovou o teto, uma medida radical de controle dos gastos públicos, e propôs uma reforma da Previdência que, se aprovada, representará um salto em relação às regras de aposentadoria anacrônicas e insustentáveis vigentes hoje.

"Neste momento, é preciso ficar no meio-termo entre as demandas do mercado e a disposição política dos congressistas em passar medidas impopulares", disse um político experiente. "O mercado não conhece Brasília e Brasília não conhece o mercado".

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