sexta-feira, 19 de maio de 2017

O dia do fico | Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

Os áudios revelam que Eduardo Cunha era o assunto que mais interessava a Temer, mas deixam evidente que a conversa foi conduzida para incriminar o presidente da República

O presidente Michel Temer, em pronunciamento oficial, disse ontem que não vai renunciar e negou qualquer envolvimento nos fatos criminosos narrados nas delações premiadas dos empresários Joesley e Wesley Batista, que foram homologadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato. Os áudios foram liberados pelo ministro e são comprometedores. Não foi uma conversa republicana. Seria motivo para o presidente da República dar voz de prisão ao empresário; no mínimo, expulsá-lo do Palácio do Jaburu com um eloquente passa-fora, logo que o caso Eduardo Cunha fora abordado. Os áudios revelam que era esse o assunto que mais interessava a Temer, mas deixam evidente que a conversa foi conduzida para incriminar o presidente da República e conseguir a delação premiada.

Pressionado pela cozinha do Palácio do Planalto, Temer resolveu resistir, apesar dos apelos de aliados que consideram a situação do presidente da República insustentável. A narrativa do pronunciamento segue o manual dos políticos que tentam sobreviver nos cargos quando são pegos com a boca na botija, no caso, apenas no gravador. É um roteiro conhecido, no qual o isolamento acústico da “jaula de cristal” parece proteger o mandatário da voz rouca das ruas. Acontece que, do outro lado da Praça dos Três Poderes, essas vozes ressoam em alto e bom som, principalmente no Congresso.

O “Dia do Fico” de Temer pode ser um tiro no pé, muito diferente do gesto de dom Pedro I de 9 de janeiro de 1822, quando desobedeceu à decisão das Cortes Portuguesas de que deveria voltar a Lisboa e decidiu permanecer no Brasil. “Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto! Digam ao povo que fico”, disse o príncipe regente. O episódio culminou com a Independência, em 7 de setembro daquele ano.

Temer governa de costas para a opinião pública, legitimado pelo mandato de vice-presidente eleito e sucessor legal da ex-presidente Dilma Rousseff, por causa do impeachment. A mesma Constituição que lhe pôs na Presidência autoriza que seja investigado por tentativa de obstrução da Justiça pela Operação Lava-Jato e que seu impeachment seja aceito por crime de responsabilidade, sem falar na cassação da chapa que o elegeu, por abuso de poder econômico e político. São três situações traumáticas que poderiam ser evitadas com a renúncia ao cargo. Nessas circunstâncias, as chances de Temer ter o mandato cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral, no julgamento da chapa Dilma-Temer, o que parecia impossível, agora são muito grandes. Seria uma maneira de evitar a sangria desatada provocada por outro processo de impeachment.

Temer resolveu desafiar as ruas, numa aposta audaciosa de que a opção do partido da ordem é mantê-lo no cargo para evitar “o quanto pior, melhor”. Aposta errada, pois o que está desestabilizando o seu governo é a repercussão das gravações nos dois grandes pilares de sustentação de que dispõe: o mercado financeiro e o Congresso. Ontem, a bolsa despencou e o dólar disparou, o boato de que renunciaria acalmou o mercado, que voltou a se agitar depois de seu discurso. Mais claro impossível. No Congresso, a base do governo virou um mingau, até o relator da Previdência, deputado Arthur Maia (PPS-BA), admitiu, em nota, que a reforma subiu no telhado.

“De ontem para cá, a partir das denúncias que surgiram contra o presidente da República, passamos a viver um cenário crítico, de incertezas e forte ameaça da perda das conquistas alcançadas com tanto esforço. Certamente, não há espaço para avançarmos com a reforma da Previdência no Congresso Nacional nessas circunstâncias. É hora de arrumar a casa, esclarecer fatos obscuros, responder com verdade a todas as dúvidas do povo brasileiro, punindo quem quer que seja, mostrando que vivemos em um país em que a lei vale para todos”, disse Maia. A reforma trabalhista no Senado também foi para o espaço.

Sem blindagem
A base de Temer no Congresso já discute o dia seguinte à renúncia, pedida pelos líderes do PPS na Câmara, deputado Arnaldo Jordy (PA), e no Senado, senador Cristovam Buarque (DF). O ministro da Cultura, Roberto Freire, também pediu demissão do cargo. O ministro da Defesa, Raul Jungmann, permaneceu a pedido de Temer e apoio da legenda. O PSDB será o próximo a desembarcar; entretanto, está no maior constrangimento por causa do senador Aécio Neves (MG), que deixou o comando do partido depois de gravações inimagináveis, nas quais pediu R$ 2 milhões a Joesley Batista para pagar advogados. Foi impedido de exercer o mandato pelo ministro Fachin, que rejeitou, porém, o pedido de prisão feito pelo Ministério Público. O senador Tasso Jereissati (CE) assumiu o comando da legenda interinamente.

A condição de investigado pela Operação Lava-Jato é fatal para Temer. Rompe a blindagem também em relação a outras suspeitas surgidas no decorrer das apurações da Lava-Jato, que não poderiam ser investigadas porque são fatos anteriores ao mandato. Como governar um país sem apoio da opinião pública, sem uma ampla base no Congresso, sem credibilidade no mercado e investigado pela Lava-Jato? A resposta certa não existe.

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