quarta-feira, 10 de maio de 2017

Muito a investigar – Editorial | Folha de S. Paulo

Em que pese a expectativa geral de depuração dos quadros políticos do país, suscitada pelos feitos inauditos da Operação Lava Jato, não se pode perder de vista que, no plano judicial, a maior parte das investigações mais chamativas ainda ensaia seus primeiros passos.

Exemplos fartos a ilustrar essa constatação básica encontram-se em levantamento, publicado no domingo (7) por esta Folha, de informações contraditórias ou inconsistentes prestadas por delatores ligados à construtora Odebrecht.

Tais depoimentos embasam a vasta relação de inquéritos e petições que, desde o mês passado sob a guarda do Supremo Tribunal Federal (STF) e de cortes inferiores, cobriu de suspeitas as cúpulas do Executivo, do Legislativo e dos principais partidos nacionais.

Em comum, as dezenas de políticos mencionados receberam recursos da empreiteira, sócia confessa do esquema de corrupção revelado na Petrobras.

Daí a averiguar se sabiam da origem do dinheiro —e se proporcionaram vantagens à doadora, o que caracterizaria a corrupção—, há longo caminho a percorrer. Delações precisam ser corroboradas por evidências, mas a imprecisão dos testemunhos já mostra que nem todos serão comprováveis.

O governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), teria obtido por caixa dois R$ 200 mil, R$ 500 mil ou R$ 2 milhões em 2010, conforme três versões distintas?

Flavio Dino (PC do B), governador do Maranhão, teria recebido R$ 200 mil, como disse um delator, ou R$ 400 mil, como consta da peça elaborada pela Procuradoria-Geral da República? E por que a verba seria concedida em troca do avanço de um projeto de lei que acabou arquivado?

Todos os casos demandarão apuração adicional mais complexa, que nem sempre será conclusiva –ou que, muitas vezes, apontará a inocência de suspeitos.

Tais desdobramentos, corriqueiros em qualquer processo judicial, certamente vão frustrar expressivas camadas da opinião pública, que acompanha com compreensível desconfiança o jogo de pressões que se disputa em Brasília.

Entre seus protagonistas estão o ministro Gilmar Mendes, do STF, que emite sucessivas críticas públicas à condução da Lava Jato, e o procurador-geral, Rodrigo Janot, que pediu à corte o impedimento de Mendes no julgamento que encerrou a prisão preventiva do empresário Eike Batista.

Haverá arrazoados, decerto, para sustentar este ou aquele posicionamento. Quaisquer que sejam seus motivos, entretanto, autoridades que deveriam demonstrar discrição e equilíbrio erram ao tensionar ainda mais o ambiente.

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