sexta-feira, 12 de maio de 2017

Juro real deve cair abaixo de 4% até o fim do ano

Por Lucinda Pinto e Sergio Lamucci | Valor Econômico

SÃO PAULO - O Brasil está próximo de ter uma das menores taxas de juros reais desde o lançamento do Plano Real, em 1994. A taxa básica de juros (Selic), que hoje está em 11,25% ao ano, vem sendo reduzida pelo Banco Central (BC), que deve intensificar o ritmo de corte no próximo dia 31. Mesmo economistas de perfil mais ortodoxo, como o ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore, preveem que a Selic fechará 2017 perto de 8% ao ano.

Neste mês, a Selic real, que em agosto do ano passado estava em 7,45% ao ano, recuou para 4,3%. Como a inflação em 12 meses caiu para 4%, é possível que em dezembro o juro real fique abaixo desse nível. A novidade é que, pela primeira vez, a queda pode ser estrutural e deve beneficiar a economia com um juro real jamais visto. De 2004 a 2010, a economia brasileira acelerou o crescimento com um juro real bem superior ao atual.

Entre 2011 e 2012, na gestão Dilma Rousseff, o juro real foi reduzido para cerca de 2% ao ano, mas o corte não se sustentou porque o governo adotou medidas artificiais para controlar, por exemplo, os preços dos combustíveis e da energia e expandiu de forma acelerada o gasto público, minando a credibilidade da política econômica. O processo de desinflação é, na opinião de Pastore, muito forte e não tem nada de artificial.

"É uma desinflação genuína e, portanto, não há voluntarismo em baixar mais os juros", diz o economista, que acha que o BC deveria acelerar a queda dos juros, levando a Selic abaixo da taxa real neutra, aquela que permite que a economia cresça sem gerar pressões inflacionárias. Especialistas advertem, porém, que o alívio monetário só será sustentável se a reforma da Previdência, condição para o reequilíbrio das contas públicas no médio e longo prazos, for aprovada.

A dificuldade que o Brasil vem exibindo para sair da recessão, a mais longa e profunda da história do país, decorre do ainda elevado nível de endividamento das empresas e dos consumidores. A delicada situação fiscal, por sua vez, impede que o governo use o gasto público para estimular a atividade. Por isso, o estímulo só pode vir da queda do juro.

Juro real em nível histórico pode pôr PIB em nova rota
O Brasil está a poucos passos de ter uma das menores taxas de juro real desde o Plano Real e romper a linha dos 4% ao ano. Ainda que a taxa esteja acima do que foi testado entre 2012 e 2013, período em que o Banco Central levou o juro básico à mínima histórica de 7,25%, esta pode ser uma situação inédita, capaz de abrir caminho para retomada do crescimento consistente, mesmo que gradual.

Inflação sob controle, mudança na dinâmica dos gastos públicos, aumento da produtividade, o que inclui a reforma trabalhista, e ajustes na orientação do financiamento público estão entre os elementos que apontam para uma mudança estrutural no nível de juro e condições de crescimento. O cenário, no entanto, segue condicionado à aprovação da reforma da Previdência e, sobretudo, à confirmação de que o próximo governo também terá compromisso com a agenda reformista.

Para Fernando Honorato Barbosa, economista-chefe do Bradesco, o Brasil tem dificuldade de se recuperar da forte recessão devido ao elevado nível de alavancagem da economia e do quadro fiscal, que não pode ser expansionista. O único instrumento disponível é estímulo monetário.

O teto de gastos, a contração fiscal neste e no próximo ano e a reforma da Previdência - que ele prevê ser aprovada com uma "desidratação" de 30% em relação ao projeto original - devem garantir a sustentabilidade dos juros em níveis baixos por um período prolongado. Em seu cenário, a Selic chegará a 8% ainda este ano e permanecerá nesse patamar até o fim de 2018. Isso levará o juro real, hoje um pouco maior que 6%, para perto de 4% - sua projeção de inflação é de 3,7% em 2017 e de 4,1% no ano que vem. O efeito dos juros sobre a atividade ainda é dúvida, diz Honorato. O mais provável é que a resposta seja lenta - o Bradesco trabalha com 2,5% de crescimento do PIB em 2018 -, o que aumenta a chance de corte de juros tão intenso.

O economista Felipe Salles, do Itaú Unibanco, acredita que a resposta da economia será melhor ao ambiente de juros mais baixos. Na visão do banco, o PIB vai avançar 1% neste ano e 4% no ano que vem. Com o passar do tempo, os juros menores devem produzir impacto maior sobre a atividade, puxando o consumo das famílias e o investimento, que passam também a se retroalimentar. Salles avalia que o crescimento potencial é de 2% ou pouco mais, projetando uma Selic em 8,25% no fim deste ano e também no fim de 2018.

O Brasil experimentou recentemente juro real muito menor que o vislumbrado pelos economistas agora e, nem por isso, assistiu a um ciclo consistente de crescimento. Em 2012, no mais profundo ciclo de alívio monetário do país, o juro real ficou perto de 2%. No ano seguinte, o PIB cresceu 3%. Mas esse movimento não se sustentou: em 2014, a economia avançou apenas 0,40%, com juro real perto de 4%, e mostrou contração de 3,77% em 2015.

Esse episódio confirma que juros baixos não contratam, necessariamente, crescimento. A combinação de inflação sem controle e baixa confiança na política monetária e, principalmente, na fiscal explica a incapacidade da atividade de responder ao estímulo monetário. Hoje, parte desses elementos foi retirada do cenário, o que torna o ambiente propício à retomada. "Vivemos situação sem paralelo em que se tem um quadro econômico muito ruim, mas uma equipe muito boa, capaz de explicitar o caminho a seguir. E isso justifica a queda do juro neutro", diz o economista José Julio Senna, responsável pelo Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV.

Senna explica que o juro que permite crescimento econômico sem gerar pressão inflacionária, depende do comportamento dessa taxa nos mercados internacionais - que tornou-se mais baixa nos últimos anos - e também da percepção de risco Brasil, variável que resulta da qualidade do ajuste fiscal, da política monetária e do ambiente de negócios. O nível de endividamento e o estoque de crédito subsidiado ainda servem de trava. Senna diz que, mesmo tendo caído recentemente, o crédito subsidiado (como o do BNDES) corresponde a cerca da metade do estoque, e isso leva tempo para mudar. "Não dá para contar que acontecerá nos próximos dois anos", diz.

Embora o corte de juros tenha efeito patrimonial imediato para empresas e famílias endividadas, que ganham melhores condições de cobrir despesas financeiras, há um intervalo para a retomada do consumo. "As pessoas voltam a fazer gastos quando estão mais confortáveis. Nos Estados Unidos e Inglaterra, houve demora nesse movimento, o que deve ocorrer também aqui", diz Senna.

Para o ex-secretário do Tesouro Nacional e economista-chefe do Banco Safra, Carlos Kawall, o quadro fiscal e a incerteza política explicam a intensidade e também a extensão da crise. Ele compara a recessão brasileira à americana e pondera que, enquanto os EUA tiveram problema de sobreendividamento das famílias, que se arrastou para o sistema bancário, o problema brasileiro ficou concentrado no balanço fiscal e nas empresas. Mas ele observa que o PIB americano teve retração de 4,6% e, após 15 trimestres do início da recessão, retomou o pico que antecedeu a crise, do quarto trimestre de 2007. Já o PIB brasileiro encolheu 7,3%, e só deve voltar ao patamar pré-crise, marcado no quarto trimestre de 2014, pelo menos após 20 trimestres, em 2019 ou em 2020.

Essa dificuldade da retomada, diz tem a ver com o contexto fiscal. "O legado de descontrole fiscal é duro e difícil de carregar", afirma. "Ainda é cedo para acreditar que foi possível fazer uma quebra estrutural, ou seja, que o futuro deixou de conversar com o passado. Isso dependerá do compromisso com as políticas."

Diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV, Yoshiaki Nakano também destaca a perspectiva para as contas públicas como importante para garantir a queda estrutural do juro. "Vai depender muito do que ocorrer com a política fiscal", afirma. Para ele, é fundamental aprovar a reforma da Previdência e cumprir o teto de gastos, além de fazer com que a receita corrente do governo supere as despesas correntes, a fim de garantir o financiamento do investimento público com recursos não inflacionários.

Nakano considera fundamental uma reforma monetária, que exigiria desindexação do sistema financeiro, por ser atrelado à Selic. Ele critica há anos o fato de o BC usar nas operações de curto prazo a Selic, a mesma taxa dos títulos públicos. Esse conjunto daria grande espaço para a queda sustentada dos juros.

Uma boa notícia é que há uma chance razoável de que a política fiscal deixe de ser estruturalmente expansionista em breve. Com uma reforma da Previdência que torne viável o cumprimento do teto de gastos, isso pode ocorrer, abrindo espaço para a Selic ficar estruturalmente mais baixa, diz Salles. Nesse cenário, a taxa neutra deve cair, permitindo que o juro básico siga em níveis menores, não havendo necessidade de a Selic voltar à casa de dois dígitos.

Professor da PUC-Rio, Marcio Garcia também vê boa chance de o país enfim ter uma política fiscal contracionista, tornando possível que a política monetária seja expansionista. Com isso, haveria o mix ideal de política econômica. "É o que nós deveríamos ter feito pelo menos desde o começo do Plano Real", diz Garcia. "Os macroeconomistas repetem isso sem cessar há mais de 20 anos."

Garcia lembra ainda que os spreads bancários continuam elevados, o que tende a dificultar a recuperação da atividade. "O canal de crédito está bastante entupido", diz.

Se as incertezas limitam a velocidade da resposta da economia, há avanços que parecem consistentes com um cenário de crescimento mais sustentável. E a inflação é um deles, na visão de Honorato, do Bradesco. "É baixo o risco de haver descontrole nos próximos dois anos", diz. "Estamos ganhando a convicção de que a inflação baixa pode ser um fenômeno estrutural." O déficit em conta corrente, perto de 1% do PIB, diminui riscos de pressão do câmbio sobre os preços. E, internamente, o desemprego alto e a ociosidade da indústria demorarão a ser revertidos. "O ganho de renda real vem da inflação baixa, e não pela melhora no mercado de trabalho."

Analistas também citam como elementos que contribuirão para a retomada da confiança, do investimento e da atividade a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), atrelada às NTN-Bs, em substituição à Taxa de Juros de Longo prazo (TJLP) e a mudança nas regras de conteúdo local do petróleo. Para José Julio Senna, a fixação do teto de gastos é um avanço "inédito". "Não estou dizendo que isso vai funcionar para sempre, mas trouxe esperança de que será possível mudar a dinâmica", afirma.

Estrategista da Fator Administração de Recursos (FAR), Paulo Gala vê uma mudança na economia brasileira recente que terá como uma consequência juros reais bem mais baixos. Para ele, o excesso de oferta e o elevado nível de endividamento permitem uma redução mais agressiva da Selic, que pode atingir 8,25% no fim deste ano, e eventualmente continuar a cair em 2018. A perspectiva de uma situação fiscal melhor também contribui para juros menores.

Ele chama a atenção para a enorme ociosidade na economia. No primeiro trimestre, a taxa de desemprego beirou os 14%, ao passo que, na indústria, indicadores de capacidade instalada estão na mínima histórica e há grande vacância de imóveis comerciais e residenciais. "Sendo otimista, essa ociosidade vai ser preenchida em três ou quatro anos." Assim, Gala vê uma recuperação lenta da economia, estimando um avanço de 0,5% neste ano e algo próximo a 2% no ano que vem, mesmo com juros reais mais baixos.

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