segunda-feira, 29 de maio de 2017

Investigado, Temer troca ministro da Justiça e nomeia crítico da Lava-Jato

Pressionado por aliados e alvo de investigação, o presidente Michel Temer trocou o ministro da Justiça, substituindo Osmar Serraglio por Torquato Jardim, que ocupava a pasta da Transparência. A mudança, criticada por uma associação de delegados, foi vista como uma tentativa de controlar a PF e de influenciar no julgamento no TSE da chapa que integrou com a ex-presidente Dilma. Ex-ministro do tribunal, Torquato tem bom trânsito no Judiciário e já criticou a Lava-Jato. Questionado sobre possível troca na PF, Jardim disse que tudo será estudado.

Mudança estratégica

Temer põe Torquato Jardim no Ministério da Justiça, em busca de influência na PF e no TSE

Cristiane Jungblut, Eduardo Bresciani e Geralda Doca | O Globo

-BRASÍLIA- A pouco dias do julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) do caso envolvendo o seu mandato, o presidente Michel Temer nomeou ontem o jurista Torquato Jardim, ex-ministro do TSE, como novo titular do Ministério da Justiça. Torquato, que deixará o Ministério da Transparência, substituirá Osmar Serraglio que, por sua vez, assumirá a pasta da Transparência. Nos bastidores, Temer teve dois objetivos: reconquistar o comando sobre a Polícia Federal (PF), subordinada ao Ministério da Justiça, e aumentar a influência do governo sobre o TSE . O presidente responde a inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), com base na delação premiada do dono da JBS, Joesley Batista, e é investigado pela PF na Operação Lava-Jato.

No próximo dia 6 de junho, o TSE começa a julgar a cassação da chapa Dilma-Temer. O governo tem interesse em retardar o julgamento para evitar o afastamento do presidente. A decisão de mudar o ministro da Justiça e a escolha de Torquato foi vista com reservas até dentro da base aliada. O líder do DEM na Câmara, deputado Efraim Filho (PB), disse que espera que essa decisão não seja para interferir no julgamento do TSE.

— O governo tem a legitimidade para fazer mudanças. Mas que isso não seja nenhuma medida que possa a vir postergar decisão. O país está num momento de decisões rápidas e transparentes — disse Efraim.

Em entrevista ao “Correio Braziliense”, publicada ontem, Torquato disse que deverá ser apresentado pedido de vista no julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE. Ele afirmou, no entanto, que o resultado final sairá ainda em junho.

Em nota, Temer confirmou a mudança no Ministério da Justiça e agradeceu “o empenho e o trabalho realizado” por Osmar Serraglio, que é deputado do PMDB pelo Paraná, à frente da pasta. O Palácio do Planalto não mencionou na nota a ida de Serraglio para a Transparência, mas outros dois ministros confirmaram.

RESSALVAS À GRAVAÇÃO DE JOESLEY 
Amigo pessoal de Temer, Torquato é considerado um dos maiores especialistas em direito eleitoral do país. A escolha foi comemorada entre outros ministros de Temer e por juristas. Ele tem bom trânsito com ministros do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF). Nos bastidores, ministros do Supremo elogiaram a escolha.

Torquato Jardim se reuniu às 12h30 de ontem com Temer, no Palácio do Jaburu. O convite feito pelo presidente foi imediatamente aceito. Agora, Torquato terá poder para fazer mudanças no próprio comando da Polícia Federal. Nos bastidores, já se falava na possível saída de Leandro Daiello da diretoria-geral da PF. Daiello assumiu como diretor-geral da PF em 2011.

O novo ministro foi perguntado pelo blog de Andréia Sadi, no G1, se iria trocar o comando da PF, e deixou em aberto a possibilidade.

— Tudo vai ser estudado e refletido. Vou ouvir o presidente Temer, o secretário-executivo, e fazer a minha própria avaliação antes de tomar qualquer decisão — disse Torquato.

Ao “Correio Braziliense”, Torquato afirmou que a conversa entre Temer e Joesley foi informal:

— O presidente é um parlamentar há 24 anos e tem uma conduta de informalidade que é própria de quem é do Congresso. Ele tem uma descontração ao encontrar pessoas, doadores de campanha, empresários.

Na entrevista, o ministro critica a qualidade da gravação feita pelo empresário, durante o encontro com Temer.

— O que precisa ficar claro nessa gravação é a validade técnico-processual da prova. Não há como saber isso agora. Vamos aguardar o Instituto de Criminalística — afirmou.

Após a escolha de Torquato para a Justiça, o Planalto se dividiu sobre o destino de Serraglio. Inicialmente, a decisão era que ele voltaria à Câmara. Tanto que a nota de Temer apenas anunciou o novo ministro da Justiça e nada falou sobre a ida de Serraglio para a Transparência. Mas, depois, os ministros confirmaram a ida de Serraglio para a Transparência.

A Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) divulgou uma nota em que demonstrou preocupação com a notícia da substituição. De acordo com a entidade, a categoria foi surpreendida, até porque desconhece qualquer proposta de Torquato para a pasta.

“É natural que qualquer mudança no comando do Ministério da Justiça gere preocupação e incerteza sobre a possibilidade de interferências no trabalho realizado pela Polícia Federal”, diz um trecho do comunicado.

Na nota assinada pelo presidente da ADPF, Carlos Eduardo Sobral, a entidade defende a rápida aprovação, no Congresso, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 412/2009, que garante a autonomia funcional, administrativa e orçamentária à Polícia Federal. É mencionada, ainda, na carta, preocupação com “interferências políticas, cortes de recursos e de investimentos que prejudiquem as ações da Polícia Federal”.

Em entrevista ao GLOBO no início deste mês, o novo ministro afirmou que as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre tempo excessivo de prisões provisórias, como a de José Dirceu, abririam brecha para que fosse questionada a validade das delações premiadas.

— Não sei, do ponto de vista legal, como ficam essas provas e recalls de delações que ocorreram em razão do que agora o Supremo Tribunal Federal define como excesso de tempo de prisão provisória. O passo seguinte é ver se essas provas são válidas. No momento em que você teve a corte constitucional dizendo que os prazos são excessivos, você, como advogado, imediatamente faz o argumento seguinte para voltar à corte constitucional: então foi coação e, sob coação, a prova é nula. Essa é uma outra questão que terá de ser discutida — afirmou Torquato, na ocasião.

Torquato ocupava o Ministério da Transparência já devido ao seu perfil de jurista, conciliador e ao bom trânsito no Judiciário. Ele é o terceiro ministro da Justiça do governo Temer — depois de Alexandre Moraes e Serraglio.

Já a atuação de Serraglio à frente da Justiça vinha sendo atacada por auxiliares do Palácio do Planalto. O agora ex-ministro, afirmavam interlocutores de Temer, não tinha controle sobre a PF, conflitos indígenas ou manifestações violentas.

Para piorar, em março último, Serraglio foi citado em um grampo utilizado nas investigações que originaram a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal. Foi interceptado um diálogo entre ele, quando era deputado federal, e o ex-superintendente federal de Agricultura do Paraná, Daniel Gonçalves Filho, descrito pela PF como “líder da organização criminosa” e a quem o hoje ministro chamava de “grande chefe”.

O PSDB reclamava que Serraglio tinha atuação “fraca”. O senador afastado Aécio Neves (PSDBMG), em conversas gravadas por Joesley Batista, defendeu a troca de Serraglio por considerar que ele não tinha pulso para interferir nos trabalhos da PF e direcionar delegados que irão investigar determinados políticos. Aécio foi explícito: “é um bosta de um caralho, que não dá um alô, peba (...) Porque aí mexia na PF. O que que vai acontecer agora? Vai vim um inquérito de uma porrada de gente, caralho, eles são tão bunda mole que eles não (têm) o cara que vai distribuir os inquéritos para o delegado. Você tem lá cem, sei lá, 2.000 delegados da Polícia Federal. Você tem que escolher dez caras, né?, do Moreira, que interessa a ele vai pro João”. Depois da divulgação dos diálogos, Aécio foi afastado de suas funções por determinação do ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato.

SERRAGLIO NO MINISTÉRIO GARANTE FORO DE LOURES
A decisão de manter Serraglio no ministério minimiza o problema do deputado Rocha Loures (PMDB-RR), seu suplente na Câmara. Com Serraglio permanecendo na Esplanada, Rocha Loures seguirá com foro no STF. Em delação, o dono da JBS, Joesley Batista, afirmou que Rocha Loures foi indicado por Temer para tratar de assuntos de interesse da empresa. O deputado foi filmado recebendo uma mala com R$ 500 mil do grupo.

Apesar das negativas de Temer, o presidente e Rocha Loures — que foi seu assessor — eram muito amigos. O Planalto teme uma delação do parlamentar, mas peemedebistas acreditam que ele não vá prejudicar o presidente. Rocha Loures está sendo investigado no mesmo inquérito de Temer.

O presidente cancelou a agenda de ontem, incluindo uma reunião com integrantes da equipe econômica, para viajar a Alagoas e Pernambuco, que estão em estado de calamidade por conta das chuvas.

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