quarta-feira, 17 de maio de 2017

'Esta política de negar a política é a pior política', diz Marina Silva

Anna Virginia Balloussier | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A onda antipolítica que deságua no mundo todo não é apenas um risco à democracia, mas uma falácia, diz Marina Silva. "Esta politica de negar a politica, para mim, é a pior política. E mesmo o que se diz apolítico faz a política de se dizer apolítico", afirma à Folha por telefone.

A ex-senadora por PT e PV, que em 2015 criou seu própria sigla, a Rede, diz ainda não saber se concorrerá à Presidência –quando o fez em 2010 e 2014, apresentando-se como a "sonhática" da terceira via, 20% do eleitorado a apoiou.

Em pesquisa Datafolha de abril, só ela e o juiz Sergio Moro (que nunca se colocou como candidato) venceriam Lula no segundo turno. No quadro geral, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) encostou em Marina no segundo lugar.

Folha - Michel Temer completou na sexta (12) um ano de governo. Em dezembro, a sra. evocou "Rei Lear" (Shakespeare) em artigo sobre alguém sem "grandeza para abrir mão de ser rei quando já perdeu a majestade". Deu a entender que queria a renúncia dele.

Marina Silva - Vamos do mundo das metáforas ao da realidade, e a que está colocada hoje é a do processo no Tribunal Superior Eleitoral [que pede a cassação da chapa Dilma-Temer]. O relatório do ministro Herman Benjamin está muito bem fundamentado sobre ter tido, sim, fraude eleitoral, caixa dois, propina. O melhor caminho é a Justiça Eleitoral fazer o mesmo que a Criminal [na Lava Jato], mostrando que o crime da corrupção não compensa.

A figura do antipolítico está na moda. A sra. já representou o "outsider" da política tradicional. Hoje se fala em neófitos eleitorais, de João Doria a Luciano Huck. A fadiga com todos os políticos é geral?

Nunca fiz nenhum discurso de negação da política. Se entrou com 17 anos [no meio], conheceu Chico Mendes, foi vereadora, deputada estadual, senadora, ministra do Meio Ambiente, é pessoa com ação política. Aliás, esta politica de negar a politica, para mim, é a pior política. Mesmo o que se diz apolítico faz a política de se dizer apolítico. Numa crise, a pergunta que se deve fazer é: qual a política que se faz para recuperar?

Nome da extrema-direita, Jair Bolsonaro (PSC-RJ) subiu na pesquisa Datafolha e disputa com a sra. o segundo lugar.

Acho que no Brasil, infelizmente, as pessoas não conseguiram criar um lugar de fala para quem não está no campo gravitacional da polarização. Isso acaba ajudando a fortalecer essas formas extremas de polarizar. PT e PSDB foram [os grandes polos].

Em pesquisa de 2016, a sra. chegou a desbancar Lula para a corrida presidencial. O ex-presidente recuperou a dianteira em meio a múltiplas acusações na Lava Jato. Ao que atribui sua resiliência?

Querer cristalizar alguma rigidez [nas pesquisas] pode ser prematuro. Nesse momento, o trabalho que vem sendo feito pela Lava Jato traz uma série de problemas ligados à jovem e reconquistada democracia. Outros querem, dentro da reforma política, dar aos grandes partidos possibilidade de serem únicos, impedindo um sopro de vida [na vida política]. Nem todos os partidos se constituem como sigla de aluguel. A tentativa de impor uma cláusula de barreira para impedir os pequenos partidos, como se apenas eles devessem ser punidos... Se existe o que foi alugado, alguém alugou. Há o corrupto e o corruptor. [O ideal é que] a sociedade possa fazer ela própria discernimento e dar o veredito final, que é a decisão soberana das urnas, mas de fato sem caixa dois, marketing selvagem, tendenciosidades.

O "Painel" publicou que a sra. conversou com Joaquim Barbosa e o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, sobre possível filiação deles à Rede.

Quem passou essa informação, que houve conversa com Dallagnol, mentiu. Com [Carlos] Ayres Britto e Joaquim [ex-ministros do Supremo Tribunal] teve conversa, mas não sobre filiação. Essas pessoas têm relevância e audiência própria para se manifestarem a partir delas mesmas. Não gosto de dar munição para que fiquem dizendo que o trabalho que fazem foi por interesse político. E me preocupo menos por eles do que pelos que estão na política e deveriam estar na barra da Justiça.

Num momento de turbulência nacional, a sra. é cobrada por adotar postura mais discreta.

Tenho me pronunciado todos os dias nas redes sociais. Quando [a imprensa] pede para falar comigo, falo com vocês [a Folha esperou dois meses por esta entrevista]. Fui a única que dedicou o programa de TV do partido para defender a Lava Jato. Com a greve-geral, a mesma coisa: me manifestei sobre a legítima ação democrática.

A sra. diz que a reforma da Previdência é necessária, mas que ela está sendo implementada de forma arbitrária.

Nem Dilma nem Temer colocaram o debate sobre essas reformas no plano de governo. Aliás, o Brasil estava tão perfeito no marketing deles que não precisava fazer mais nada, era como se fosse o fim da história. Agora Temer, sem popularidade ou credibilidade, faz reformas delicadas sem diálogo. Em 2014, quando declarei ser preciso atualizar a legislação trabalhista, veio aquela frase [da Dilma]: as coisas não aconteceriam nem que a vaca tossisse.

A sra. se encontrou com Marcelo Odebrecht hotel perto do aeroporto de Guarulhos e, em seguida, a empreiteira doou à sua campanha R$ 1,25 milhões (sem contrapartida e caixa dois, segundo delator). É possível fazer política sem dialogar com essas forças empresariais onipresentes?

A minha campanha dialogou com todos os grandes empresários, trabalhadores, centrais sindicais... A diferença é que [a reunião com Marcelo], como relatado pelos próprios depoentes, foi republicana. Fui senadora por 16 anos, ministra por 5,5 anos. Por minha mão passaram vários projetos importantes, e graças a Deus ninguém apontou [ilicitudes]. O errado não é conversar, é usar conversas para fazer coisas espúrias.

Liderados pelo antropólogo Luiz Eduardo Soares, oito intelectuais debandaram da Rede em 2016, alegando "vazio de posicionamento político". A sigla teve desempenho tímido em 2016: elegeu seis prefeitos de 154 candidatos lançados. A Rede errou?

Foi o desempenho de um partido que tinha menos de um ano, em sua primeira eleição. Nossas escolhas foram coerentes com nosso programa –sem candidaturas artificiais, com pessoas muito jovens, participando de política pela primeira vez. Se comparar com o PSOL, que tem mais de dez anos, tivemos desempenho muito bom.

A sra., ministra de Lula e contemporânea de Dilma na Esplanada, ficou surpresa com o depoimento de João Santana e Monica Moura sobre eles?

As denúncias são muito graves. Além do dinheiro da corrupção, dizem que houve obstrução de justiça. Já tinha vindo com a nomeação de Lula para a Casa Civil [Dilma supostamente tentou torná-lo ministro em 2016 para lhe garantir foro privilegiado]. Antes a gente achava inclusive que a "Carta ao Povo Brasileiro" [documento de Lula para acalmar o mercado na eleição de 2002] tinha sido invenção dos economistas do PT. Agora Emílio Odebrecht diz que foi sugestão dele. Acredito no trabalho da Justiça. Ninguém a priori é condenado nem inocente.

Quando decidirá se sai ou não candidata em 2018?

Estamos em processo de discussão, de diálogo com outros partidos. Neste momento a questão é quais são as ideias, não quais são os nomes.

Em 2014, a sra. saiu como vice de Eduardo Campos. Cogita para 2018 uma nova aliança?

Diferentemente de 2014, em que foi negado nosso registro da Rede [no TSE], hoje temos um partido. Claro que temos, sim, mantido diálogo com outras lideranças.

Parte da esquerda a execrou pelo apoio dado ao tucano Aécio Neves no segundo turno de 2014. Ele agora está implicado na Lava Jato. Arrepende-se?

As acusações pairam sobre os grandes partidos da polarização, PT, PMDB e PSDB, com o mesmo nível de comprometimento. Na época, aquela realidade não estava posta. Naquelas circunstâncias, achei que era o melhor a fazer.

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