terça-feira, 23 de maio de 2017

Bois voadores e a renúncia de Temer | Raymundo Costa

- Valor Econômico

Paralisia do governo é a maior ameaça ao mandato de Temer

Há mais ou menos um ano, quando os partidos costuravam o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, avaliava-se que de todos os cenários possíveis e imagináveis o pior era a paralisia do governo. Não deu outra. E não é por outro motivo que o governo corre atrás de parlamentares para tentar votar uma ou outra medida. O verdadeiro teste será a reforma da Previdência.

Uma boa síntese da situação é feita pela LCA: "A delação da Odebrecht não foi capaz de paralisar o governo e o Congresso, mas a da JBS será", analisa a empresa de consultoria. "A paralisia perdurará enquanto Temer permanecer na Presidência". A empresa considera que a renúncia do presidente pode restaurar a governabilidade, mas o fato é que as alternativas à vista cada vez mais apontam para um governo imobilizado até as eleições de 2018.

Temer vai sangrar até o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir se o áudio gravado por Joesley Batista é válido e não contém edições. O Congresso e os partidos esperavam uma decisão para amanhã, quarta-feira, mas a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, jogou um balde de água fria nas expectativas: decisão só quando a perícia dos áudios ficar pronta.

Se Temer não renunciar, como sugere um gabinete em que todos estão pintados para a guerra, não existe saída rápida à vista. Mesmo que o STF decidisse amanhã que a prova (áudio) é boa, o presidente não teria de deixar o cargo. Apenas aumentaria o poder de pressão dos partidos para que ele renuncie no contexto de um acordo envolvendo PMDB, PSDB, DEM, PSD que preserve as reformas econômicas. Se já é difícil com Temer, ficará pior com um presidente eleito indiretamente.

Temer fez a costura para a votação e aprovação da reforma da Previdência. Ele é o fiador dos compromissos. O Congresso, por seu turno, é antirreformista, sobretudo agora às vésperas das eleições de 2018.

Também nada garante um julgamento rápido da ação do Ministério Público Federal contra o presidente. Se Temer virar réu, será afastado por 180 dias e assume o cargo o presidente da Câmara. Ao fim desse prazo, se o STF não tiver julgado o mérito da ação, o que parece improvável, o presidente volta ao cargo. Sangrando.

O julgamento da ação que pede a impugnação da chapa Temer, cujo início está marcado para 6 de junho no Tribunal Superior Eleitoral, também não será rápido. Até o fim da semana passada havia a expectativa de vitória do presidente, em nome da normalidade institucional. Mas se antes era solução, Temer hoje parece o risco. Se perder o presidente ainda pode recorrer ao próprio TSE e, mais tarde, ao Supremo, o que pode levar o caso para 2018. Uma sangria.

Temer não vê nenhuma vantagem na renúncia. Acha que tem mais possibilidades avançar nas votações e comprovar que a governabilidade tem um nome - Michel Temer.

O Congresso também precisará estabelecer as regras para a eleição indireta. Alguém sem filiação partidária, por exemplo, pode ser candidato? E onde há dúvida e conflito tudo acaba no tapetão, ou seja, no Supremo Tribunal Federal. O Congresso levaria praticamente todos os 30 dias só na discussão da eleição. Paralisia.

O impeachment é a alternativa seguramente mais demorada. O Congresso levou cerca de nove meses para tirar a ex-presidente Dilma do cargo. Ainda assim, num cenário altamente favorável, pois Dilma não conseguia reunir 171 deputados para barrar o projeto. Temer, ao contrário, tem demonstrado força no Congresso. Até agora as defecções na base aliada foram pífias, mas o estouro da boiada às vezes não precisa de um estampido.

A renúncia de Temer é uma solução precária porque o novo presidente será alguém eleito indiretamente por um colégio eleitoral cuja legitimidade foi posta em dúvida pela Lava-Jato, sem plataforma ou um programa de governo. É um tipo de eleição que não dá força ao vencedor. A opção seria a eleição direta, que não pode ser descartada mas é muito difícil de ser aprovada num Congresso dividido.

Resta a saída de um entendimento, uma espécie de coalizão de partidos de várias matizes do espectro político para garantir a governança até as eleições de 2018. Há sinais de iniciativas nesse sentido, mas os ânimos estão exaltados. No grupo de auxiliares mais próximos de Temer a saída é vista como um gesto de "pusilanimidade" e afirma-se que é mais fácil boi voar do que isto acontecer.

Há ministros de Temer que acham chegada a hora "dos mais experientes" conversarem para tentar encontrar uma saída - Fernando Henrique Cardoso, José Sarney, Luiz Inácio Lula da Silva, Nelson Jobim, para citar apenas alguns. Na realidade, todos já conversam com todos, incluindo Temer e ministros próximos, mas a verdade é que os contatos ainda não deram liga. Sarney e Lula estão até o pescoço na Lava-Jato, e parece não haver conversa que ande entre os partidos sem tratar da anistia ao caixa 2.

Seja como for, até ontem apenas Psol e Rede Sustentabilidade apareciam na linha de frente dos pedidos de impeachment de Michel Temer. O presidente do PT, Rui Falcão, estará hoje em Brasília para uma conversa com as bancadas no Congresso. O PSDB, a seu tempo, espera o pronunciamento do STF para se posicionar. E não haverá entendimento sem que PSDB e PT estejam sentados em torno da mesma mesa. Ou que não passe pela garantia de que Lula não será impedido de se candidatar em 2018.

Há um fosso separando os dois partidos. Muito ressentimento e raiva. Ontem, por exemplo, os tucanos espumavam com uma declaração de Dilma Rousseff - "olha o que eles fizeram com o Brasil" -, a ex-presidente a quem atribuem a crise política e econômica pela qual passa o país. No PT há quem se disponha a dialogar, inclusive Lula e - no limite - o Rui Falcão. Mas a oposição é forte principalmente vinda daqueles que o partido considera "vitimados" e "execrados" pela opinião pública. Além disso, a saída para o PT tem eleições diretas e constituinte, o que não está na agenda dos demais.

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