sexta-feira, 28 de abril de 2017

Verdade dos números | Míriam Leitão

- O Globo

O relator da CPI do déficit da Previdência que acabou de ser criada, senador Hélio José (PMDB-DF), nem começou os trabalhos mas já sabe o que estará em seu relatório. Disse que vai demonstrar que o servidor público não é responsável por déficit algum. Explicou que garantia isso como “servidor público concursado”. Fala, portanto, em causa própria, mas os números falam por si.

Os dados mostram que o déficit coberto pelo Tesouro é de R$ 41,3 bilhões e que isso representa 57,3% do gasto com aposentadorias e pensões dos servidores civis da União. E isso não é a contribuição do governo como empregador, porque a esses bilhões somam-se outros R$ 18,3 bilhões, mais 25% do total. Os funcionários alegam que são os que contribuem com valor maior para a Previdência, e é verdade. Mesmo assim, o que eles pagam, R$ 12,4 bilhões, representa apenas 17% do custo das suas aposentadorias e pensões.

— Esse gráfico está mostrando o quanto é pago em cada sistema pela sociedade (veja abaixo). É déficit pago com tributos. É dinheiro que deixa de ir para educação, segurança, investimentos e vai quitar o déficit da Previdência pública — explica Leonardo Rolim, consultor de Previdência da Câmara.

Nesse momento estão sendo discutidos na Câmara a integralidade e a paridade, ou seja, em que condições servidores podem se aposentar com o último salário da carreira e podem ter seus benefícios equiparados aos da ativa. Isso veio sendo restringido, mas o projeto aumenta a dificuldade para se atingir esse benefício. As carreiras mais bem remuneradas querem alterar o relatório do deputado Arthur Maia.

— Eu, como servidor público, tenho vergonha de ter um regime desses, em que as pessoas deixam de ter direito a um benefício básico para pagar a minha aposentadoria. Se o nosso sistema fosse equilibrado, nenhum problema em ter paridade e integralidade. As pessoas que não têm esse direito é que pagam a maior parte da conta — disse Rolim.

Houve melhoras com as mudanças da reforma da Previdência, na opinião dele. Uma delas foi o incentivo a permanecer mais tempo trabalhando. O ganho a cada ano a mais trabalhado é maior. Mesmo assim, na opinião do economista Paulo Tafner, da Fipe-Usp, a perda foi de 24% de redução do gasto em 10 anos e de 34,5% em 20 anos.

— Isso quer dizer que dos R$ 800 bilhões de economia que se teria ficarão um pouco mais de R$ 600 bi. Claro que é não é a despesa que vai diminuir, é que ela vai crescer num ritmo menor. Vai continuar crescendo porque estamos envelhecendo muito rápido e muito mais gente vai passar a receber o benefício — disse.

O pior, na opinião de Tafner, foi o enfraquecimento da ideia de redução das desigualdades que estava dentro do projeto original. As exceções para alguns grupos de profissionais diminuíram as vantagens da reforma.

— Não há nada que justifique o tratamento diferenciado para mulher, nem para alguns profissionais. Uma qualidade do relatório é que ele faz um ataque importante aos valores das aposentadorias de servidores, que são pessoas que pertencem aos 5% mais bem remunerados do país — explicou Tafner.

A CPI do déficit da Previdência vai ser presidida pelo Senador Paulo Paim, que não tem qualquer apego ao equilíbrio fiscal. E o relator já disse que quer provar que não há déficit da Previdência do setor público. Ele terá que rejeitar todos os números do Tesouro, todas as estatísticas do governo, toda a realidade para provar o que diz. Mas para que serve mesmo a verdade dos números se estamos em plena temporada de negação?

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