quinta-feira, 20 de abril de 2017

Sentido inverso | Míriam Leitão

- O Globo

O deputado Arthur Maia e o secretário da Previdência, Marcelo Caetano, estavam reunidos com o diretor da Polícia Federal, Leandro Daiello, e com a bancada da bala quando os policiais invadiram o Congresso em um quebra-quebra que ninguém tem o direito de fazer, principalmente funcionário público. Logo depois foram anunciadas as concessões aos policiais. O deputado diz que foi coincidência.

‘Eu nem vi o que estava acontecendo. Só na saída da reunião é que senti cheiro de gás de pimenta nos corredores do Congresso,’ explicou. No mesmo Congresso, outro fato abusivo acontece, a tentativa clara e indisfarçável de intimidar a Justiça e os investigadores. O senador Roberto Requião foi apanhado numa mentira de pernas curtíssimas quando disse em seu parecer que havia consultado o juiz Sérgio Moro e ele havia concordado com um dos artigos da lei que supostamente é de combate ao abuso de autoridade. O juiz soltou nota desmentindo enfaticamente, e o senador teve que retirar o que havia escrito no relatório.

Quem já ouviu Moro falar sobre o assunto sabe muito bem que ele está querendo resguardar o respeito ao direito de divergência de interpretação da lei. O oposto do que essa lei pretende fazer. É da natureza da Justiça ter instâncias recursais para que as sentenças e decisões possam ser reformadas ou confirmadas. Por isso Moro sugeriu, em ida ao Congresso, que se incluísse uma salvaguarda na proposta, dizendo que “não constitui, por si só, crime de autoridade a divergência na interpretação da lei ou na avaliação de fatos e provas”. Não foi aceita a sugestão de Moro. Persiste, portanto, o risco sobre os magistrados.

Parece surreal que em momento como esse — em que se ouve diariamente os relatos de delatores sobre abusos de políticos no trato das questões públicas — os políticos queiram intimidar os investigadores e julgadores. O Congresso precisa ficar atento à opinião pública. Estão todos vendo essa completa inversão da ordem.

Na discussão da reforma da Previdência, os deputados pensam que ficarão com melhor imagem junto à opinião pública se votarem contra medidas impopulares. Se o fizerem, estarão mostrando mais um defeito. É normal que político ouça seus eleitores, mas não é natural que pessoas com a responsabilidade de fazer as leis, diante de um quadro tão grave quanto o da Previdência, prefiram atender aos grupos de interesse.

Os policiais que estavam conversando com o deputado e o secretário explicaram que hoje não têm idade mínima, mas aceitariam ter desde que seja a mesma dos militares, que ainda não foi definida. Depois, disseram que após a aprovação da reforma da Previdência proposta pelo ex-presidente Lula, e que mudou a regra dos funcionários públicos, eles brigaram na Justiça e têm ganhado recorrentemente o direito à integralidade do salário na aposentadoria. Receberam o direito de que só quem entrou na polícia em 2013 em diante é que perderá a integralidade. E também ouviram a promessa de uma idade menor, que pode ser de 55 anos ou o que for decidido para as Forças Armadas.

O que piorou ainda mais o resultado da reunião foi que policiais invadiram o Congresso de forma belicosa enquanto se negociava. Ainda que o deputado relator garanta que não cedeu por causa do movimento, ocorreu no mesmo momento.

A reforma da Previdência passará por várias alterações até ser votada em plenário. Algumas podem corrigir excessos ou distorções, que é uma função importante do parlamento, outras vão atender a alguns grupos de pressão, e isso fará a reforma ser cada vez menos efetiva. Um integrante da equipe econômica lamentou a baixa qualidade do debate. Mesmo diante de números eloquentes, mantinha-se a ficção de que o déficit não existe. Mesmo diante da preocupação de buscar um sistema mais igualitário, o lobby é para que se criem privilégios e exceções.

Diante desse quadro, há um conformismo na equipe econômica com as mudanças feitas na proposta de reforma. Há dois problemas: um é que o rombo em relação à proposta original pode ser maior; o outro é que depois de uma concessão venham outras, e foi assim que reformas anteriores perderam sua força. Esse é o momento de o Congresso ter responsabilidade. Ameaçar juízes e procuradores e tomar decisões demagógicas são atos que vão piorar a rejeição aos políticos.

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