segunda-feira, 24 de abril de 2017

Reformas, contas e vida real – Editorial | O Estado de S. Paulo

Campeão do endividamento público entre os emergentes, o Brasil deverá manter essa posição nos próximos cinco anos, segundo as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI). A dívida bruta do governo geral deve chegar neste ano a 81,2% do Produto Interno Bruto (PIB) e atingir 87,8% em 2022, mesmo com o teto real para o gasto público e a reforma da Previdência. No mesmo período, a dívida média dos países emergentes e de renda média deverá aumentar de 47,4% para 52,4%. Os autores dos cálculos admitiram como hipótese o sucesso nas duas iniciativas – a limitação das despesas da administração pública e a revisão das normas previdenciárias. Se houve alguma estimativa sem esse pressuposto benigno, foi abandonada na publicação do Monitor Fiscal, um exame semestral das finanças públicas da maior parte do mundo.

O cenário menos benigno seria catastrófico. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tem procurado transmitir essa ideia aos parlamentares, especialmente aos aliados. Não se trata apenas das condições de acesso à aposentadoria, como idade mínima, tempo de contribuição e intervalo de transição para os trabalhadores já há muito tempo em atividade. É preciso responder, preliminarmente, a algumas questões prosaicas e fundamentais.

Primeira: quais serão os meios disponíveis para financiar a Previdência, considerando-se, entre outros pontos, a longevidade crescente e a mudança de proporção entre contribuintes e beneficiários? Segunda: como serão cumpridas as funções de governo, se as aposentadorias e pensões consumirem uma fatia crescente da receita fiscal?

O Tesouro já tem sido forçado, há anos, a completar a cobertura dos gastos previdenciários. Nos piores momentos da recessão nem isso foi possível, porque a arrecadação dos impostos e contribuições federais foi severamente afetada. Com a recuperação dos negócios e, mais tarde, do emprego, a receita voltará a crescer, mas a parcela consumida pela Previdência também continuará aumentando, se nenhuma reforma for implantada.

Partidários do pensamento mágico poderão propor soluções tributárias maravilhosas e tentadoras por sua aparente justiça. Soluções mágicas, no entanto, têm dois defeitos fundamentais: 1) são ineficazes, na prática; 2) produzem efeitos indesejados, porque resultam em perda de tempo e, com frequência, geram distorções desastrosas. Nenhum arranjo tributário para financiar a Previdência ou para atender a qualquer fim socialmente desejável dará certo, se prejudicar o funcionamento da economia e comprometer o crescimento e a criação de empregos.

Tendo experimentado o populismo em vários momentos e em mais de uma formulação, os brasileiros deveriam ter aprendido o essencial sobre as soluções maravilhosas e sobre as políticas distributivas sem base material. Mas a memória nem sempre funciona, a informação histórica nem sempre é acessível e o populismo pode ser muito sedutor, como se tem visto até em países avançados, como Estados Unidos, França e Holanda.

Base material é uma das chaves para a discussão e para o entendimento do problema. O desafio da Previdência e, de modo geral, das finanças públicas é muito mais que um problema de formalidade contábil. Não se trata apenas de fechar as contas aritmeticamente, como se isso fosse uma exigência abstrata. Trata-se, em termos concretos, de criar condições para a execução das funções de governo e para permitir crescimento econômico suficiente para multiplicar empregos e criar oportunidades para todos.

A reforma da Previdência é apenas um dos passos iniciais, assim como o reparo das contas públicas, com a necessária contenção do endividamento. A trajetória até o reequilíbrio das contas e o controle da dívida ainda levará alguns anos e o esforço necessário será considerável. Mas a agenda efetiva deverá ser muito mais ampla e incluir, entre outros pontos, a modernização das normas trabalhistas, a adoção de um sistema tributário funcional para a atividade econômica, a flexibilização do Orçamento, hoje muito engessado, e, é claro, uma revisão ambiciosa e realista dos padrões educacionais, para distribuir, muito mais que diplomas, competências essenciais, cultura e capacidade de julgamento independente.

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