quarta-feira, 19 de abril de 2017

Reforma da reforma | Míriam Leitão

- O Globo

Reforma já corre o risco de não resolver o problema. Os recuos na Previdência podem dar à reforma do governo Temer o mesmo destino das outras que não resolveram o problema. Mesmo assim, a equipe econômica garante que perdeu apenas 22% do que economizaria. Analistas de fora do governo acham que a perda pode ser maior. A nova proposta endureceu as regras para o funcionário público e, portanto, haverá agora uma nova onda de pressão.

Em 10 anos, a nova reforma conseguirá poupar R$ 615,5 bilhões, em vez dos R$ 793 bilhões que se esperava, afirma-se no governo. Na equipe econômica, o que se diz é que, apesar das concessões, se a aprovação da reforma ocorrer neste contexto de crise política será um grande ganho. Outros analistas concordam, mas acham que não há clareza nos números e nem certeza de que as concessões acabaram.

— Acho que foi a reforma possível. Não foi ruim. Não temos os dados, o governo não disponibilizou, para calcular os impactos. Se isso for suficiente para garantir a aprovação, foi uma boa negociação. Havia coisas que desde o início todos sabiam que seriam difíceis. Nesse conjunto, colocaria o aumento da idade para o Benefício de Prestação Continuada e a aposentadoria rural — diz Ana Carla Abrão, presidente do Conselho de Gestão Fiscal do município de São Paulo.

Hoje, a idade média com que as pessoas se aposentam por tempo de serviço está em torno de 55 anos. Pois as mulheres poderão se aposentar com 53 anos e os homens com 55, e só se chegará na idade mínima de 62 e 65 anos daqui a 20 anos. Em 1997, a proposta do governo Fernando Henrique era de idade mínima de 55 anos para mulheres e 60 para homens. Perde-se, assim, 40 anos no esforço para equilibrar a Previdência.

O governo diz que o prejuízo não foi grande porque antes havia regras de transição que levavam a idade mínima a 65 anos apenas daqui a 15 anos. Agora, a idade mínima tem diferença de gênero e vai ser aplicada daqui a 20 anos.

Na prática, é assim, segundo cálculos feitos por um especialista. Uma mulher com 44 anos de idade e 26 anos de contribuição teria que contribuir até os 65 anos para se aposentar, porque estava fora das regras de transição. Pela nova regra, ela terá que trabalhar os quatro anos que faltam e adicionar mais 30% desse tempo restante, o tal pedágio. Isso daria no total 5,2 anos. Essa mulher estaria então com 49 anos. Só que em 2022 a idade mínima será de 54 anos e 10 meses, que é a idade que ela poderá se aposentar. Enfim, que chance tem um sistema de previdência que permitirá daqui a cinco anos que uma mulher se aposente antes dos 55 anos?

Por outro lado, todos os servidores que entraram no setor público antes de 2003 passam a ter novas regras para obter as duas vantagens que os funcionários têm: se aposentar com o salário integral e a paridade com o pessoal da ativa. Agora, para manter as duas coisas, só se atingirem a idade mínima que será de 62 anos para mulher e 65 para homens. Antes disso, mesmo se atingirem o tempo de contribuição para se aposentar, eles perderão a paridade e a integralidade:

— Vamos supor que estamos falando de uma mulher com 46 anos que falta um ano para se aposentar, uma funcionária pública. Ela poderá pagar o pedágio de 30% do tempo restante, trabalhar um pouco mais e se aposentar, mas se fizer isso antes dos 62 anos ela perderá a paridade e a integralidade.

Outra mudança foi no acúmulo de pensão e aposentadoria. Atualmente, pode haver acúmulo, sem restrições. A proposta original do governo proibia esse acúmulo. A nova vai permitir, desde que não se ultrapasse dois salários mínimos. A perda não será grande nesse ponto porque a soma dos dois benefícios em geral acontece no grupo dos 30% mais ricos. Em relação aos parlamentares, hoje eles podem contar o tempo que contribuíram pelo INSS com o período dos mandatos levando a aposentaria para um valor muito acima do teto. Perderão essa chance, mas só os novos parlamentares.


Em alguns casos, as concessões não são tão pesadas, em outras se perdeu o princípio, como o da igualdade de gênero. As parlamentares dizem que defendem as mulheres, quando na verdade querem que elas sejam compensadas pelas desigualdades. O certo é lutar contra as desigualdades. Para a bancada feminina, falou mais alto a demagogia do que a luta verdadeiramente feminista.

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