domingo, 2 de abril de 2017

O remédio errado | Miriam Leitão

- O Globo

Os políticos tentam uma manobra radical e perigosa. Querem tirar do eleitor a visibilidade do voto e ameaçam procuradores e juízes no momento do maior estranhamento do cidadão com os seus representantes. Esse divórcio entre o eleitor e o eleito tem raízes sérias, profundas, que não serão superadas nem com a intimidação da Lava-Jato nem com uma reforma apressada.

Os cientistas políticos Jairo Nicolau, da UFRJ, e André Borges, da UNB, alertam que não há sequer tempo hábil para uma reforma política que mereça este nome, já que até outubro as regras para as próximas eleições terão que estar aprovadas. Além disso, ambos são contra a lista fechada.

— Há uma coisa que não é dita de forma clara: quem vai formar as listas? Quem tem o poder de determinar a lista é quem tem o comando das estruturas do partido. Na Argentina, quem faz as listas são os governadores, os que têm o poder provincial. É o caso de se perguntar: é isso que a gente quer? Serão feitas convenções estaduais que decidirão a ordem na lista — afirma André Borges.

— Esse Congresso votou em 2007 contra a lista fechada. Em 2015, também. Foram 402 votos contra e 21 a favor. Os deputados são os mesmos e vão ter que mudar muito a visão que tinham há dois anos. Dado o pouco tempo que há para preparar as regras da próxima eleição, a prioridade deveria ser as regras de financiamento, porque as empresas passaram a ser proibidas de doar, e o Congresso não regulou ainda esse novo ambiente. Outra urgência seria combater a fragmentação partidária — diz Jairo.

O Brasil tem vários problemas na sua política. É o país do mundo com mais partidos, a ponto de o sistema ter deixado de ser operacional. A corrupção na qual os políticos mergulharam chegou a uma dimensão tal que ameaça a própria democracia. Diante de um momento tão extremo, é um espanto que a solução que se discuta seja a de tirar do eleitor o direito de saber para quem vai o seu voto, através da lista fechada, e um projeto de abuso de autoridade que tem o objetivo explícito de intimidar os juízes e os procuradores que estão no combate à corrupção. Há inclusive um item bizarro, que pune o juiz que tiver sua sentença reformada.

É da natureza do Poder Judiciário rever, mudar ou confirmar as sentenças em instâncias superiores. É para isso que existe o sistema recursal. Se estivessem com boas intenções em seu projeto de abuso de autoridade, os parlamentares teriam aceito a proposta do juiz Sérgio Moro que evitava esse equívoco de crime de hermenêutica. Ou aceitariam a proposta do procurador-geral da República que amplia o crime de abuso para todas as autoridades, inclusive do Legislativo. Mas eles fizeram um projeto com endereço certo e objetivo claro.

Jairo Nicolau acaba de lançar o livro “Representantes de quem?”, pela Zahar, que é um guia para entender os caminhos, ou descaminhos, do voto da urna ao Congresso. Ele começou a escrever o livro em 17 de abril de 2016, no dia da votação pelo impeachment da então presidente Dilma:

— As pessoas olhavam para aqueles 513 deputados e se perguntavam: quem são essas pessoas? Elas não têm nada a ver comigo. Mas, como eu estudo o sistema representativo brasileiro há muitos anos, eu lembrava que um quinto dos eleitores havia deixado os votos em branco ou nulo nas eleições que elegeram aquelas figuras. Que metade das pessoas já tinha esquecido, um mês depois, dos candidatos nos quais tinham votado para deputado federal. Aí eu reuni as minhas pesquisas e comecei a escrever.

André Borges lembra que o PSDB escolhe seus candidatos a presidente “num jantar e com uma garrafa de vinho”, e que se tivesse havido primárias no PT a candidata em 2010 talvez não fosse a Dilma. Há muito a mudar nos partidos, e alterar a maneira como se vota não resolve o problema.

Esta semana o sistema político terá mais um dos seus picos de tensão com o voto do ministro Herman Benjamin sobre a ação pela cassação da chapa Dilma-Temer. Os dois, da chapa, estarão novamente juntos querendo que o julgamento se prolongue a ponto de a ação perder o objeto. O grande drama, contudo, continua sendo como consertar o sistema político. Os remédios errados vão agravar os sintomas. Em plena crise política, é um espanto querer retirar do eleitor o direito de escolher em quem votar País precisa consertar seu sistema político, mas remédios errados vão agravar o problema

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