sexta-feira, 7 de abril de 2017

Lei de responsabilidade das estatais precisa ser respeitada – Editorial | Valor Econômico

A lei 13.303, aprovada em junho de 2016, foi uma das primeiras respostas do Congresso e do Planalto à estupefação geral com o vasto esquema de corrupção descoberto pela Lava-Jato, unindo partidos políticos, empresários, diretorias e gerências de empresas estatais. Além de criar sistemas de compliance e auditoria, a lei restringiu a invasão em massa dos cargos técnicos diretivos de estatais e bancos públicos por pessoas despreparadas para o cargo, cuja função, revelaram as investigações da Lava-Jato, era subtrair dinheiro público para seus colegas e para si próprios. Os procuradores de Curitiba estão provando com cifras e nomes o que se suspeitava - a apropriação de bens públicos por quadrilhas comandadas por políticos inescrupulosos.

O presente jogou luz sobre o passado, em um esquema que vem de longe. Quando o então presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, disse que o seu PP queria indicar alguém para "aquela" diretoria da Petrobras que "furava poço", não estava interessado no petróleo que jorraria, mas nos bilhões que vinham à tona com ele. A extensão dos esquemas de cooptação dos órgãos do Estado por apadrinhados políticos vai até aonde a vista alcança. O mais recente escândalo, ainda em cartaz, ocorreu na Operação Carne Fraca, seguindo o figurino padrão: Há achacadores dentro da máquina estatal, um ou vários chefes, empresas que querem facilidades que os subornam, enriquecimento ilícito e propina para campanhas eleitorais.

Os congressistas concordaram em limitar suas próprias ambições com a lei de responsabilidade das estatais, como ficou conhecida. Criaram uma armadilha para suas ambições e vem tentando escapar dela. A nomeação política continua correndo solta. Como o Valor informou ontem, a prática persiste, sem alardes. Técnicos com experiência na aviação civil, que saíram da Infraero, por exemplo, foram substituídos por pessoas ligadas ao PR, o partido do ministro Maurício Quintella. Quatro vice-presidências dos Correios são feudo do ministro Gilberto Kassab e seu PSD, onde também atua o deputado Jovair Arantes (PTB-GO), da tropa de choque de Eduardo Cunha, e relator do impeachment de Dilma Rousseff.

Há tentativas discretas de burlar a lei, como ocorreu no caso da Itaipu Binacional, em março. A escolha para a diretoria foi feita como sempre, entre correligionários e apadrinhados, e foi submetida à sanção do presidente Michel Temer. Os indicados foram apontados pelo jornal "O Globo" como membros do PSD e PPS, em desacordo com as regras da lei, e todas as nomeações para a estatal foram suspensas. O setor elétrico é uma vítima frequente desses esquemas. Doze anos depois, a Justiça do Rio indiciou Roberto Jefferson e mais seis pessoas por corrupção em Furnas e Aécio Neves continua perseguido por suspeitas de que tirou proveito de indicações para cargos na estatal.

Havia grande controvérsia sobre a necessidade da lei. Diante das evidências generalizadas de tenebrosas transações, pareceu lógico criar regras para preservar da espoliação política as funções especializadas da máquina pública e entregá-las a quem tem competência para fazê-lo. Exigiu-se 4 anos de experiência na área de atuação para o qual se busca a nomeação, prática mínima de três anos de chefia e formação acadêmica compatível com o cargo. Estão impedidos candidatos ao cargo que participaram de estruturas decisórias de partidos ou organização de campanhas eleitorais nos 3 anos anteriores. Ministros, secretários de Estados, titulares de mandatos legislativos, ocupantes de cargos superiores na administração pública não podem mais ser indicados ao Conselho de Administração.

Mas nenhuma lei para de pé se sua execução não for fiscalizada e seus autores não a respeitarem. Indicações políticas nada têm de errado e são rotina nas democracias. Em um ambiente político degradado como o brasileiro, com partidos artificiais, sem programas, a conduta antirrepublicana nas nomeações tornou-se a norma, não a exceção (que existe). A ausência de uma burocracia competente e estável no Estado é devida em parte ao loteamento desregrado. Grande parte dos políticos não está interessada em escolher os melhores para a máquina pública e garantir seu ótimo funcionamento, mas cobiça exatamente as diretorias que "furam poços". Ainda que falha, a lei das estatais deve ser aplicada à risca, contra a vontade de dezenas de partidos que compõem a base aliada e estão nela, como estiveram com o PT, para fazer o que não deveriam.

Nenhum comentário: