quinta-feira, 13 de abril de 2017

Caixa 2 irrigava todo o sistema político

Por Sergio Lamucci, Luciano Máximo, Estevão Taiar, Tainara Machado e Marta Watanabe | Valor Econômico

SÃO PAULO - Em seus depoimentos ao Ministério Público Federal, Hilberto Mascarenhas e Benedicto Barbosa da Silva Junior, dois executivos que comandavam o setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, citam dezenas de políticos de diversos partidos, uma lista que vai dos ex-ministros da Fazenda Antonio Palocci e Guido Mantega (os dois do PT) ao senador Renan Calheiros (PMDB-AL), passando pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), o ministro da Secretaria de Governo, Moreira Franco (PMDB), o ministro da Cultura, Roberto Freire (PPS), o governador do Rio Grande do Norte, Robinson Faria (PSD), o ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB) e o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Conhecido como o departamento de propinas da empreiteira, o setor abastecia campanhas de políticos por meio de caixa dois.

Mascarenhas afirmou ter liberado, entre 2012 e 2013, um total de R$ 61 milhões em pagamentos a dois emissários do ex-ministro Antônio Palocci: Juscelino Dourado, ex-chefe de gabinete, e Branislav Kontic (ou Brani), ex-assessor de Palocci. No anexo de seu depoimento, Mascarenhas diz que, em 2010, foi apresentado a Dourado pelo presidente da holding, Marcelo Odebrecht. Entre 2012 e 2013, pagou R$ 48 milhões a ele. "Acredito que ele representava Antônio Palocci, pois todas as vezes que fazíamos um pagamento a ele, eu era instruído por Marcelo a debitar da conta interna de Palocci no controle dele", disse Mascarenhas. O executivo afirmou que não sabia quais seriam as contrapartidas aos pagamentos, mas que, com o passar do tempo, começou a associar as reuniões com Dourado ao pagamento de faturas de obras em Angola e à liberação de desembolsos de financiamento do BNDES em obras de países estrangeiros.

Em outro anexo, ele afirma ter conhecido Brani em 2013, também por intermédio de Marcelo Odebrecht. "Apresentei Brani a Fernando Migliaccio, para combinar a forma de pagamento. A partir daí, Brani passou a procurar diretamente Fernando. Brani programava a entrega com Fernando, e os valores pagos eram debitados da conta Italiano", disse. Segundo Mascarenhas, Italiano era o apelido de Palocci em planilha de controle de pagamentos ao governo elaborada a pedido de Marcelo Odebrecht. Entre 2012 e 2013, foram pagos R$ 13 milhões a Brani, segundo Mascarenhas.

O executivo também mencionou pagamentos relacionados a Mantega. Segundo ele, Marcelo Odebrecht autorizou, em julho de 2014, pagamento de R$ 24 milhões para ser debitado da conta pós-Itália, em referência ao ex-ministro da Fazenda dos governos Lula e Dilma Rousseff. Além disso, ele cita a então presidente da Petrobras, Graça Foster, como fator condicional para liberação de outros pagamentos.

Segundo declaração assinada por Mascarenhas e anexada à sua delação, o valor foi pedido por Mantega para financiar campanha à reeleição de Dilma.

Outros pagamentos, porém, foram retidos, disse Mascarenhas, "até que Graça Foster saísse em defesa da Odebrecht e de funcionários envolvidos no problema da obra do PAC SMS", relata o delator no documento.

O projeto citado é provavelmente alusão a um contrato da área internacional da Petrobras com a Odebrecht, fechado em 2010 por US$ 825,6 milhões, ainda na gestão José Sergio Gabrielli, para serviços na área de segurança e meio ambiente, em dez países. O serviço começou a ser investigado e os repasses do contrato foram reduzidos na gestão Graça Foster.

Mascarenhas ponderou que não soube "dizer se algo foi feito, posteriormente, por Graça Foster", uma vez que o assunto passou a ser tratado diretamente com Marcelo Odebrecht e Benedicto Júnior, a quem Mascarenhas se reportava.

A pedido de Aécio, Odebrecht entregou R$ 6 mi para campanhas de Anastasia, Pimenta da Veiga e deputado.

Benedicto Jr., por sua vez, afirmou que entregou, a pedido do senador Aécio Neves R$ 6 milhões para as campanhas ao Senado de Antonio Anastasia (PSDB-MG), ao governo de Minas Gerais de Pimenta da Veiga e à Câmara dos Deputados de Dimas Fabiano Junior (PP-MG).

"Em torno de março, abril de 2014, fui procurado pelo senador Aécio Neves, que me pediu que programasse ajuda de campanha em forma de caixa 2 para um grupo de candidatos que faziam parte da base que ele liderava, nominalmente", disse Benedicto, citando os três políticos. Segundo Barbosa, foram entregues um total de R$ 6 milhões, por meio de intermediários, para as campanhas desses candidatos. Uma parte dos pagamentos foi feita em parcelas semanais de R$ 250 mil, a partir de 26 de maio de 2014. Outra parte foi feita em três pagamentos de R$ 1 milhão cada, segundo consta em vídeo de delação premiada, cujo sigilo foi levantado pelo relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, Luiz Fachin.

Segundo Barbosa, "como das outras vezes em que a gente fez pagamento de forma ilícita", os pagamentos foram coordenados, pelo lado do senador Aécio Neves, por Oswaldo Borges, que "atuava como tesoureiro, operando esse tipo de recurso que viesse de caixa 2". Do lado da Odebrecht, que foi o responsável pela tratativa desses pagamentos foi Sergio Medici, diretor-superintendente da Odebrecht em Minas Gerais.

Depois de acertados, os pagamentos foram operacionalizados por Hilberto Mascarenhas, que coordenava equipe de operações estruturadas na empreiteira, por um homem que se apresentou como Anderson e teria sido enviado pelo então candidato a deputado Dimas Fabiano Junior. A operação era feito sob o codinome "Gordo" no sistema da Odebrecht.

Segundo Barbosa, ao atender o pedido do senador Aécio Neves, a Odebrecht acreditava que iria assegurar "fluidez, atendimento pleno das necessidades [da Odebrecht], se precisávamos nos reunir com o senador para conversar. E isso acabou acontecendo", disse. Na delação, ele fala que as doações "fazem crer que tenha facilitado que nos enxergasse como parceiro, contribuindo para o caminho que ele estava trilhando". Aécio foi confirmado como candidato do PSDB à presidência do país em maio de 2014. "Todas as vezes que eu ou o Marcelo pedimos para ser recebidos [pelo senador], sempre conseguimos marcar reunião. Todas as vezes tivemos prioridade", afirmou. Em outro depoimento, Sérgio Neves, que foi diretor superintendente da construtora em Minas Gerais, afirmou que a Odebrecht pagou por meio de caixa dois parte dos gastos de campanhas do tucano e do grupo político dele em Minas Gerais em 2010 e 2014.

Em outro depoimento, Benedicto Junior confirmou doações eleitorais da empresa por meio de caixa dois para cerca de 50 políticos. Entre os principais nomes aparecem o ex-presidente do Senado Renan Calheiros, a senadora e ex-ministra Gleisi Hoffmann (PT-PR), o ministro Roberto Freire, o governador do Rio Grande do Norte, Robson Faria (PSD), o ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB), o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB) e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB).

Outro nome citado por Benedicto Junior foi o de Moreira Franco. Segundo ele, a companhia fez doação ilícita, com recursos de caixa dois, de R$ 4 milhões em 2014 ao então ministro da Secretaria de Aviação Civil. O delator contou que à época o executivo responsável pela relação institucional do grupo Odebrecht em Brasília, Cláudio Mello, procurou por ele com o pedido de Moreira Franco.

Mascarenhas, por sua vez, afirmou que R$ 10 milhões de gastos da campanha de Paulo Skaf ao governo de São Paulo em 2014 foram pagos ao marqueteiro Duda Mendonça, com a suposta anuência do então vice-presidente Michel Temer, na época presidente do PMDB. Eduardo Cunha (PMDB-RJ), recebeu R$ 2 milhões, segundo Mascarenhas.

(Colaborou Marcos de Moura e Souza, de Belo Horizonte)

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