domingo, 30 de abril de 2017

A tragédia do Rio | Míriam Leitão

- O Globo

Numa semana em que quatro jovens foram mortos no Alemão, na longa agonia que já chamam de guerra, o ex-governador Sérgio Cabral foi a Curitiba para dizer que fez todas aquelas compras com “sobras de campanha” e vender uma versão fantasiosa sobre a sua relação com a Petrobras e o governo Lula. Ele acha que ao confessar o crime considerado menor, caixa 2, vai atenuar suas penas.

Segundo o que contou na vara do juiz Sérgio Moro, ele tinha atritos constantes com a Petrobras por discordar dos valores pagos em royalties e participação especial. A acusação que ele foi responder é a de ter recebido “vantagens indevidas” no Comperj, conforme disseram a Andrade Gutierrez e Paulo Roberto Costa. Como Cabral se recusou a responder às perguntas do juiz e do MP, foi interrogado pelo seu próprio advogado, com questões do tipo: “qual era a relação da Petrobras com o governo do Rio?” Cabral disse que era uma relação de “lutas e litígios” e posou de estadista ao falar da política de Lula para o Petróleo, em 2009:

— Enxergamos ali um prejuízo incalculável com a nova legislação, primeiro para o Brasil. Para o Rio, as consequências seriam dramáticas.

Cabral quis dizer que combatera a política do governo Lula que redividiu os royalties do petróleo com estados não produtores e mudou o marco regulatório. Na verdade, ele jogou todas as suas fichas na amizade estreita com o presidente.

“É mais fácil o sargento Garcia prender Zorro do que o presidente não vetar essa barbaridade contra estados produtores. Eu conheço o presidente. Ele é o presidente mais solidário que o Rio já teve”, disse Cabral em março de 2010. A lei foi aprovada, e depois sancionada sem vetos pela presidente Dilma.

Mesmo que ele tivesse tido a atitude correta como governante nesse caso específico — e não foi assim — Cabral não está sendo julgado por ter defendido mal os interesses do Rio, mas sim pelo apego aos interesses pessoais e inconfessáveis.

Quando Cabral falou das empresas que atraiu para o Rio, ele se empolgou e disse que seu governo conseguiu “o menor nível de desemprego do Brasil”. Foi interrompido pelo juiz Sérgio Moro, que o advertiu: “Mas, assim, senhor Sérgio, não é para propaganda, é para responder aos termos da acusação.”

O incrível nesse depoimento é a falta completa de sentido. Ele foi a Curitiba para dizer que tinha uma relação tensa com a Petrobras, que foi um grande governador e que anteviu o fracasso da política de petróleo.

A verdade é que ele teve uma relação submissa com o governo federal, vivia exaltando o então presidente Lula, fez uma atração de empresas para o Rio às custas de uma absurda distribuição de incentivos fiscais, que por muitos anos vai pesar nos cofres do tesouro estadual, e iniciou o desmonte do estado.

A tragédia do Rio é que algumas políticas iniciadas sob sua gestão poderiam ter dado certo e funcionaram durante anos. A política de segurança sob o comando de José Mariano Beltrame levou o Rio a vislumbrar a realização do seu sonho de pacificar as áreas em conflito. O salto do 26º lugar do Ideb para o quarto lugar foi conquistado pela mobilização das melhores forças da educação do estado sob o comando de Wilson Risolia. Poderia ter sido o caminho da recuperação do Rio e foi o começo da pior debacle. Na semana em que ele foi elogiar-se e contar lorotas na 13ª Vara Federal, o Rio viu o comércio da Tijuca ser fechado por traficantes e quatro jovens mortos, sem qualquer ligação com o crime, apenas eram do Complexo do Alemão.

Sérgio Moro perguntou a ele como explicava aquele “perfil de pagamentos”, com quantias fracionadas, abaixo de R$ 10 mil, ao mesmo fornecedor de roupas de luxo para ele e sua mulher. Ele respondeu quando a pergunta foi refeita pelo advogado e disse que “tinha o hábito de pagar parceladamente”. Eram sucessivas parcelas nos mesmos dias e em espécie. Ele então lançou o que pensa ser a sua tábua de salvação: o dinheiro foi de “sobras de campanha”, disse. Depois, com ar de arrependido: “reconheço esse erro, fato real na vida nacional.”

Se tiver sorte, Sérgio Cabral voltará para dizer o oposto do que disse na última quinta-feira. Mas pode nem ter essa chance. E sua versão dos fatos é descabida e despropositada.

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