domingo, 5 de março de 2017

Ninguém é bobo - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

Estresse é geral, o pior ainda vem, a economia e as reformas não vão resolver tudo

O estresse do mundo político é tal que PT, PSDB, PMDB, PDT, PP e a maioria dos partidos, com raras exceções à esquerda, começam a fazer uma torcida inacreditável, ao contrário do que seria natural. É a torcida pelo “quanto mais, melhor”, ou “quanto pior, melhor”, todos no mesmo saco e ninguém é bobo.

São tantas empresas, diretores, delatores, frentes, partidos, nomes, candidatos a presidente, a governos, ao Congresso e principalmente tantos milhões e milhões de dólares e reais que a opinião pública, sem fôlego, já não consegue acompanhar os relatos e separar quem é quem. O tsunami embola tudo e todos e, quanto mais a sociedade se escandaliza, mais os personagens políticos se calam.

Em outros tempos, a desgraça do PT faria a alegria do PSDB e a desgraça do PSDB faria a alegria do PT, mas, diante da profusão de revelações e da vala comum em que todos estão metidos – ou se meteram –, um não comemora mais, não ataca mais o outro. Falta ânimo, ou moral.

O ex-presidente Lula vai ficar cara a cara com o juiz Sérgio Moro em 3 de maio, para falar sobre aquele triplex em Guarujá que seria de fato da família Lula da Silva e materialização de propinas de empreiteiras camaradas. Era para os tucanos bicarem Lula, que continua líder das pesquisas para 2018. Mas os tucanos calaram o bico.

O presidente do PSDB, Aécio Neves, ex-candidato ao Planalto em 2014, foi atingido pelo tsunami duas vezes, com o pedido da PGR para depor no Supremo sobre Furnas e com os depoimentos de Marcelo Odebrecht – que de bobo não tem nada – e ex-diretores da empreiteira. Doações de campanha são óbvias, mas motivos suficientes para uma fila de petistas com paus e pedras contra o tucano. Mas os petistas ficaram na deles.

Essas reações mostram a perplexidade e o pavor que assola Brasília e tudo isso com três depoimentos laterais, na Justiça Eleitoral e referentes ao processo contra a chapa Dilma Rousseff-Michel Temer. Já imaginaram quando vierem as 77 delações dos “bobos da corte” na Lava Jato?

Se Lula, Aécio e Dilma têm muito a perder, Temer tem muito mais: o mandato. E tem como prioridade evitar que esse nível de tensão contamine o ânimo dos agentes econômicos e particularmente da mídia, disseminando a sensação de que estaria com a cabeça a prêmio. A avaliação palaciana é de que a crise ainda não chegou nesse nível de gravidade, mas não pode cruzar os braços e correr o risco de, mais cedo ou mais tarde, chegar. Há uma corrida contra o tempo.

Temer e o governo não têm poderes, mesmo que tenham vontade, de “estancar a sangria”, segurar a Lava Jato, amenizar as delações, apagar os rastros e voltar o tempo atrás para impedir a cultura do caixa 2 de campanha. E concluem que sua proteção contra o tsunami será aprovar a reforma da Previdência e a flexibilização trabalhista o mais rápido possível, com o maior número de votos possível e o menor recuo possível no pacote original.

A aposta é que a economia continuará numa toada favorável e que as reformas darão fôlego ao governo para atravessar a terra arrasada e chegar a 2018 inteiro. Bem, inteiro em termos, porque ministros e políticos ainda estão protegidos pelo foro privilegiado, mas mesmo assim todo o seu núcleo original caiu. Jucá, Geddel e Henrique Alves (que não tem ideia de quem depositou US$ 833 mil nas suas contas), por suspeitas e denúncias. Serra, por alegados problemas de coluna. Padilha, recém-operado da próstata, está cai-não-cai.

O presidente precisa tomar três providências: parar de acreditar que a economia fará milagres políticos; evitar que a mídia escorra pelos seus dedos; cercar-se de reais notáveis em quem possa confiar. O isolamento é uma péssima companhia. Principalmente com um tsunami assustador, ou demolidor.

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