sábado, 18 de março de 2017

Caixa 2 é crime eleitoral, diz Cármen Lúcia

No 3º aniversário da Lava-Jato, a presidente do STF, Cármen Lúcia, disse que caixa 2 é crime e criticou o debate sobre anistia: “Não existe essa história de caixa 1, caixa 2 ou caixa 3. Se vier de dinheiro ilícito, está previsto na legislação penal.” Procuradores alertaram para “órgãos que tentam impedir” a operação.

Nos três anos, a luz de alerta

Em meio a tentativas de anistia a caixa 2 e reforma eleitoral, MP e ministros do STF reagem

Amanda Audi | O Globo

-RIO E CURITIBA- No terceiro aniversário da operação que abalou o país, o cenário é de alerta máximo. Enquanto políticos buscam anistiar crimes apontados pela Lava-Jato e mudar as regras do jogo eleitoral, a reação da força-tarefa foi uníssona, em Curitiba, e mostrou os riscos das ações que estão sendo discutidas no Congresso. No Rio para participar do fórum “E agora, Brasil?”, promovido pelo GLOBO em parceria com a Confederação Nacional do Comércio (CNC), a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, voltou a criticar os fundamentos de um possível acordão para livrar investigados de crimes eleitorais:

— Não existe essa história de caixa 1, ou caixa 2, ou caixa 3. Se vier de dinheiro ilícito, constitui-se em ilícitos previstos na legislação penal. E tudo que for ilícito e crime tem de ser apurado e punido.

Em entrevista coletiva para marcar os três anos da Lava-Jato ontem, em Curitiba, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima disse que a operação “chegou a um momento de culminância” e alertou sobre “órgãos que tentam impedi-la”. Segundo o procurador, “há tentativas de derrubar a Lava-Jato”, e a população precisa ficar atenta a isso.

— A classe política tentou, no fim de 2016, passar projetos de anistia, de responsabilização de procuradores (...). Temos boa parte do Legislativo e do Executivo contra a investigação. Temos órgãos que tentam impedi-la. É um momento de felicidade, mas de muita tensão, de muito cuidados — disse Carlos Fernando. — Basta uma noite no Congresso Nacional que toda uma investigação pode cair por terra — alertou.

Coincidentemente, os três anos da Lava-Jato vieram na mesma semana em que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentou 83 pedidos de abertura de inquérito ao STF baseados na delação da Odebrecht, a mais extensa de todas feitas desde o início da operação e que pode atingir mais de cem políticos com foro privilegiado.

Em entrevista para Jorge Bastos Moreno na rádio CBN, Cármen também defendeu uma consulta pública para discutir a reforma política.

— O sistema brasileiro precisa ser repensado. Está na hora de cumprirmos o artigo 14º da Constituição, que estabelece como mecanismo de participação direta do povo o referendo e o plebiscito. O artigo 1º diz que o povo é soberano. Logo, ele que deve decidir em última instância — afirmou a ministra.

Também no Rio, outro ministro do STF falou sobre corrupção no dia do aniversário da Lava-Jato. Em aula inaugural do curso de Direito da PUC-Rio, Luís Roberto Barroso criticou o foro privilegiado:
— O STF leva, em média, um ano e meio para receber uma denúncia; um juiz de 1º grau leva, em média, 48 horas. O sistema, creiam em mim, é feito para não funcionar; é feito para produzir prescrições. E ele produz. Claro que pontualmente alguém é punido aqui e ali. Mas, desde que o Supremo passou a julgar parlamentares, já prescreveram mais de seis dezenas de casos.

Em Curitiba, ao responder sobre casos concretos que podem impedir acordos de cooperação internacional na Lava-Jato, o procurador Carlos Fernando citou que o Tribunal de Contas da União (TCU) tem uma “visão equivocada” sobre os pedidos de leniência e que isso “vai impedir que esses acordos sejam celebratica, com o poder Executivo”.

O procurador fez referência a uma decisão do TCU que altera a forma de negociação de acordos de leniência para impedir o que seria “favorecimento” das empresas. A decisão impede que o Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU) suspenda processos de investigação contra empresas que têm interesse em firmar acordos de leniência. Para ele, isso pode “tornar inviáveis os futuros acordos firmados pela Lava-Jato porque vai punir as empresas que colaborarem”.

Ao lado de Carlos Fernando, o procurador Deltan Dallagnol criticou o “foro privilegiado sem paralelo no mundo” e disse que a sociedade não pode colocar responsabilidade excessiva sobre o Judiciário.

Ele citou o caso da operação Mãos Limpas, na Itália, onde, logo após o seu término, os índices de corrupção se mantiveram os mesmos ou aumentaram. Segundo ele, a pressão da população arrefeceu. Se a Lava-Jato não for ampliada para outros níveis além do federal, diz o procurador, a tendência é de ser apenas um “ponto fora da curva” que não modifica o padrão de corrupção:

— Na Itália houve esperança excessiva no Judiciário. É preciso aprender com os erros alheios do que permanecer no mesmo erro.

A cooperação internacional pautou a coletiva dos representantes da Lava-Jato, que teve a participação de Vladimir Aras, secretário de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República (PGR), e do representante da Unidade de Inteligência do Serious Fraud Office, do Reino Unido, Marc Brown, que elogiou a Lava-Jato.

Deltan disse que houve cooperação entre a Lava-Jato com mais de um quinto dos países do mundo nesses três anos e que foram repatriados o montante recorde de R$ 756,9 milhões de vários países nos últimos três anos — valor muito maior do que os R$ 45 milhões que haviam sido repatriados ao Brasil via acordos internacionais em toda a sua História.

— A Lava-Jato significa um rompimento do ciclo de corrupção no país — disse Deltan, que disse não saber o que mudou no país. — É apenas um ponto fora da curva ou significa que o país vai trilhar em trilhos menos corruptos?

Cármen e Barroso não são os únicos ministros a falar sobre foro. Celso de Mello já fez críticas ao alcance do benefício:

— A Constituição, pretendendo ser democrática foi aristocrática na prerrogativa de foro. Eu pessoalmente sou contra.

Relator da Lava-Jato na Corte, Edson Fachin sugere que o foro exista apenas para crimes praticados no exercício do mandato:

— Eu, já de muito tempo, tenho subscrito uma visão crítica do chamado foro privilegiado, por entendê-lo incompatível com o princípio republicano, que é o programa normativo que está na base da Constituição brasileira.

Depois da manifestação dos dois colegas, o ministro Gilmar Mendes disse, em março, que o foro deve ser mantido como mecanismo de "preservação da institucionalidade”. O envio de casos de autoridades para a 1ª instância não resultará em eficiência nos processos:

— Não se pode, em mecanismo de auto engodo (sic), descobrir que o problema da Justiça Criminal está na prerrogativa de foro.

Colaboraram Juliana Castro, Gabriel Cariello e Maurício Ferro

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