quinta-feira, 9 de março de 2017

A questão fiscal, para além da retórica - Maria Clara R. M. do Prado

- Valor Econômico

Expansão abaixo da prevista em 2017 pode prejudicar resultados do setor público pelo impacto na receita fiscal

Decorridos três anos seguidos de variação nula ou negativa do PIB, com violento impacto no comportamento do PIB per capita - este caiu 0,4% em 2014 e 4,6% em 2015, tendo se reduzido em 4,4% no ano passado - o Brasil entra na fase das expectativas, torcendo para que o produto bruto entre em ritmo de recuperação a partir de 2017. Com exceção do governo, que tem obrigação de manifestar otimismo por dever de ofício, as perspectivas em geral são por enquanto moderadas e cautelosas. As projeções oscilam de 0,45% a 0,50%, ou seja, praticamente zero.

Tudo indica que o país vai demorar bastante tempo para voltar ao nível de 3% de crescimento ao ano, considerado por muitos analistas como o mínimo ideal para a sustentação da economia. Para se ter uma ideia de onde estamos, basta olhar os indicadores de volume e valores correntes do IBGE para o PIB, considerando a série encadeada do índice trimestral (1995=100). No último trimestre de 2016, o índice fechou em 160,7, com ajuste sazonal. Isso significa que o PIB recuou praticamente ao nível de meados de 2010, quando o índice anual foi de 162,6, podendo-se dizer, grosso modo, que ficou em torno de uma média de 160 daquele ano.

A perspectiva de crescimento em 2017 abaixo do que foi previsto pelo governo em meados do ano passado - recorde-se que trabalhou com a hipótese de expansão de 1,2% do PIB na LDO (lei de diretrizes orçamentárias) deste ano - não apenas retarda a recuperação da renda per capita como compromete os resultados do setor público pelo impacto sobre a receita fiscal. A relação perversa entre PIB em queda ou com variação positiva baixa e a arrecadação tributária é uma verdade mais do que comprovada, a ponto dos governos recorrerem ao expediente da emissão monetária em casos extremos como a retração nos EUA, a partir da crise de 2008, e na Europa.

O último Relatório de Acompanhamento Fiscal (edição de março), divulgado esta semana pelo Instituto Fiscal Independente (IFI) - criado dentro do Senado Federal com o intuito de acompanhar e dimensionar as contas do setor público - prevê que a totalidade das receitas tributárias vai crescer apenas 2,16% este ano, tendo por base a hipótese de variação de 0,46% do PIB. Isso significa que a receita do setor público ficará abaixo do aumento da inflação, mesmo considerando que o IPCA volte para a meta de 4,5% no ano ou fique até abaixo disso.

A título de ilustração da importância daquela relação, vale replicar aqui um ponto já colocado por esta coluna, o de que não há garantia de equilíbrio das contas públicas com a regra da Emenda Constitucional nº 95 (que limita os gastos à variação do IPCA do ano anterior). Para este ano, a emenda prevê, excepcionalmente, correção de 7,2% da despesa primária paga em 2016 mais restos a pagar, o que torna complicada a equação, considerando que as receitas públicas tenham expansão de apenas 2,16%, conforme projeta o IFI.

A regra básica da emenda que impõe a inflação como fator de reajuste das despesas valerá a partir de 2018. Atrelar o comportamento do gasto público ao comportamento da inflação é uma tentativa de ajuste bem intencionada, mas de difícil consecução pelo simples fato de que o governo não tem controle sobre o comportamento da arrecadação, a menos que volte a criar e/ou aumentar tributos como ocorreu frequentemente no passado, uma alternativa não recomendável em fase de recessão da economia.

Além disso, a emenda coloca uma responsabilidade extra sobre os ombros do Banco Central, pois, afora a tarefa de guiar o comportamento dos preços para uma meta de inflação que garanta a estabilidade da economia, terá de considerar os efeitos sobre as contas fiscais, uma vez que o mesmo IPCA passará a funcionar como indexador dos gastos do setor público.

Se não houver aumento substancial da arrecadação, de um lado, e corte nos gastos públicos, de outro, a alternativa à emissão monetária como meio de financiamento do déficit do governo é a expansão do endividamento do governo. Chama a atenção no relatório do IFI a projeção para o comportamento da dívida bruta do governo federal. Passaria de 69,5% do PIB em 2016 para 82,3% em 2019, chegando a 84,33% do PIB em 2021, mesmo com previsão de queda dos juros. A trajetória em nada contribuiria para melhorar a percepção de ajuste do setor público no longo prazo.

A proposta de reforma da previdência social é uma iniciativa absolutamente necessária tendo em vista o comportamento esperado para os próximos anos da pirâmide demográfica brasileira, que rapidamente se aproxima do perfil já existente nos países de maior renda, com menos gente nascendo e mais gente envelhecendo. Haverá, sem dúvida, grandes ganhos no longo prazo, em especial se a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria for aprovada. No curto prazo, o alívio maior vem das contas do Estados que conseguiram postergar o pagamento do serviço da dívida com a União, ganhando tempo para ajustarem as políticas inconsequentes de aumento de gastos com servidores públicos.

Volta-se à questão do PIB, que depende de investimentos, que dependem basicamente da retomada da confiança no governo que, por sua vez, é refém dos desdobramentos das investigações da Lava-Jato, por mais que tente compensar isso com a retórica das reformas econômicas. Ainda é grande a insegurança pela dificuldade de se enxergar o quadro político até 2018, ano de eleições, o que torna ainda mais embaçado o horizonte.

No frigir dos ovos, objetivamente, deve-se acentuar que déficit nominal de 8,46% do PIB no acumulado de 12 meses e déficit primário (deixa de fora o peso dos juros da dívida pública) de 2,33% do PIB são resultados muito elevados para um país que está em retração econômica há três anos.

Nenhum comentário: