segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Para Maia, política tradicional só terá chance com reformas

Por Raphael Zaghi Di Cunto, Raymundo Costa e Rosângela Bittar | Valor Econômico

'Só reformas salvam grupo governista'

BRASÍLIA - A política tradicional - PSDB, PMDB, DEM, para citar apenas os principais partidos da coligação governista - só terá espaço na eleição presidencial de 2018 se as reformas econômicas forem aprovadas. A afirmação é do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Nomes como o do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), um extremista de direita, só passam a ter chance na sucessão "se o sistema e a democracia representativa não derem uma resposta".

Por isso, Maia tem pressa. Depois do Carnaval ele pretende colocar em votação o projeto da terceirização e também acelerar o projeto que flexibiliza as relações trabalhistas, que considera "tímido" e pode avançar na Câmara. No entanto, acredita que o governo deve ir um pouco mais devagar na reforma da Previdência.

Em entrevista na sexta-feira, Maia falou ao Valor sobre reformas, conflitos entre Legislativo e Judiciário, anistia ao caixa 2 - tema que, para ele, não está maduro para votação -, financiamento de campanhas e reforma política. Em nenhum momento citou "aumento de imposto". Ele continua decidido a não colocar em votação projeto que eleve a carga tributária..

Maia tem pressa. Já depois do Carnaval, o deputado pretende colocar em votação o projeto da terceirização, que dormita há décadas numa comissão da Câmara. Vai também acelerar a proposta do governo para flexibilizar as relações trabalhistas, que considera "tímido". Diz que a Justiça do Trabalho é um entrave e cita sobre isso um projeto que terá de votar, nos próximos dias, sobre a regulamentação da gorjeta do garçom. "A Justiça trabalhista é contra o trabalho".

O presidente da Câmara, no entanto, acredita que o governo deve ir um pouco mais devagar na reforma da Previdência: nem votar após 11 sessões da Casa, velocidade da proposta de emenda à Constituição (PEC) do Teto de Gastos que o governo quer replicar agora, nem depois de 40 sessões, como pede a oposição. Para Maia, há um desequilíbrio na comissão especial que trata do tema. "A oposição não tem [no plenário] os votos que hoje tem na comissão. Acho que o governo terá muito mais votos que a representação lá faz crer".

O deputado Rodrigo Maia recebeu o Valor na manhã da última sexta-feira na residência oficial do presidente da Câmara, na Península dos Ministros, no Lago Sul de Brasília. Durante uma hora falou das reformas, do questionamento do sistema representativo, dos conflitos com o Judiciário, da anistia ao caixa 2, tema que, segundo ele, não está maduro para votação, financiamento de campanhas e reforma política - ele não é um entusiasta das propostas em pauta. Em todo esse tempo não mencionou em nenhum momento as palavras "aumento de imposto", lugar comum em toda e qualquer crise econômica. Continua decidido a não pautar nova alta de tributos.

Abaixo, os principais trechos da entrevista:

Valor: O sr. pressiona o presidente Michel Temer pela troca do líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE). Perdeu a paciência?

Rodrigo Maia: Não é isso. Apenas deixei claro, e continuo achando, que o melhor caminho é outro perfil. Disse isso ao presidente porque é minha obrigação, até por lealdade e porque acredito nas reformas, que esse caminho trará mais dificuldade.

Valor: Há risco para o governo?

Maia: O Michel tem muita experiência, pode ter outra análise diferente da minha. Não vou, porque o presidente pensa diferente, impor algo ao governo porque a pauta é da Câmara e eu que faço. Não faço esse jogo. Se a decisão dele for na linha do que eu acredito, bom, se não for, tudo bem. Agora, o que não pode querer é que eu sinalize apoio a uma estratégia que eu discordo.

Valor: O sr. diz que essa é a agenda em que acredita, mas andou discordando muito do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles.

Maia: Não, não, não. Só tive um conflito com o Meirelles, que não tem nada a ver com o mérito, mas com a forma como o projeto da dívida dos Estados foi apresentado, esmiuçando quais os termos do acordo, onde o Estado teria que cortar. A lei só tem que autorizar o governo a celebrar acordos mediante contrapartidas.

Valor: O governo mandará novo projeto. Se chegar com esse detalhamento todo, a Câmara excluirá?

Maia: Dará muito trabalho para aprovar. Conversei com o ministro quinta-feira, o projeto será encaminhado na segunda-feira [hoje]. A opinião que passei para ele, não sei qual será o texto, é não trazer para a Câmara temas que são de leis estaduais.

Valor: Vocês também entraram em conflito na repatriação.

Maia: Mas esse conflito eu saí vencedor. Se achassem que já tinham arrecadado tudo que podiam, não teria a segunda rodada, que o governo me pediu para votar. Tentei resolver uma disputa que estava ouvindo no mercado, de que havia muita insegurança jurídica e afastaria as pessoas se não houvesse mudanças, o que aconteceu. Esse conflito eu já ganhei.

Valor: O sr. se compromete a só votar qualquer projeto relacionado à Lava-Jato após ampla discussão?

Maia: Não tem nenhuma matéria no curto prazo sobre isso.

Valor: A anistia não voltará?

Maia: Acho difícil. Não tem maioria na Câmara, não tem ambiente para votar esse tema, para discutir de forma racional. Se não teria avançado nas 10 Medidas [Contra a Corrupção]. Ali só aprovou a tipificação do caixa dois que, de alguma forma, abre espaço para que a Justiça interprete dizendo se caixa dois eleitoral era crime ou não.

• "A política tradicional, o nosso campo, só terá espaço na eleição de 2018 se as reformas forem aprovadas"

Valor: Mas isso não tem tirado o sono dos políticos?

Maia: É claro que é um assunto que preocupa, mas não é a pauta prioritária da Casa hoje. A prioridade é a agenda econômica. Até porque a gente sabe que em determinado momento a própria Justiça, com as provas colhidas pelo Ministério Público, vai saber separar. Deixar claro o que é efetivamente caixa dois, crime eleitoral, e o que era corrupção. Em algum momento os próprios Poderes, e a Justiça principalmente, acabarão resolvendo isso.

Valor: A Lava-Jato considera crime prática que existia e ainda existe no Congresso, que é uma empresa ou setor apresentar demandas para um deputado e ele encampar como emenda ou projeto, e depois receber uma doação eleitoral. É a acusação que fizeram contra o senhor. Está se tentando criminalizar essa prática?

Maia: Se você tiver relação com uma empresa e falar 'eu apresento isso em troca disso', é corrupção. Sem dúvida nenhuma. Você está usando seu mandato para um benefício, seja eleitoral ou pessoal. Mas se você tem um diálogo com uma empresa, tratando de questão técnica, que interessa à sociedade, não vejo nenhum problema que seja feito se em nenhum momento você disser: só apresento a emenda, eu só voto, se você fizer isso. Essa é a separação que precisa ser feita.

Valor: A Câmara votará a regulamentação do lobby?

Maia: Sou a favor. Resolveria essas dúvidas que as vezes surgem em qualquer tipo de investigação legítima.

Valor: A Câmara votará a reforma política do Senado, com cláusula de barreira e fim das coligações?

Maia: Não adianta aprovar só a PEC do Senado. Ela não trata do que é mais importante, que é o sistema eleitoral e a forma de financiamento. Como financiar tantas eleições num sistema caro e confuso como o brasileiro? Em qual sistema eleitoral teremos uma eleição mais legítima e mais barata? Não vejo ambiente, e acho que o tempo é curto para tratar disso, mas só mexer com a cláusula e coligações dá menos legitimidade.

Valor: O sr. fez acordo com partidos pequenos para mudar a PEC?

Maia: Meu acordo com os que me apoiaram é uma participação efetiva deles na PEC. Terão acesso privilegiado ao debate - não com a relatoria, talvez com a presidência da comissão. Mas não me comprometi a não pautar. Sabem que é um debate inevitável.

Valor: A PEC não resolveria o problema do sistema político?

Maia: Ela simplifica, para o futuro, mas não resolve. Apenas racionaliza para quem está no jogo, mas, se o sistema não tem legitimidade, não terá com cinco [partidos], nem com 20 ou 30. Do ponto de vista do eleitor, o que o fim de coligações mudará? O que está em questionamento no mundo é a forma de representatividade. Como democratizar num ambiente online, com a sociedade mais próxima, cobrando efetivamente suas demandas. Hoje qualquer eleitor tem meu número e fala comigo. Antigamente ele tinha que esperar eu chegar ao Rio. Se eu não atender ele manda um torpedo xingando. Essa proximidade, no Brasil e no mundo, está gerando questionamento.

Valor: Valor: Os políticos, assim como a imprensa, estão sob o comando das redes sociais?

Maia: O questionamento é também ao Executivo e ao Judiciário. Não é só a política que é questionada, é o sistema. Quando um ministro do Supremo [Tribunal Federal] toma uma decisão constitucionalmente correta, mas que não é popular, ele sofre nas redes da mesma forma que a gente.

Valor: O Bolsonaro catalisa isso?

Maia: Ele representa de forma muito competente a crise da democracia representativa. Foi candidato a presidente da Câmara para ter pouco voto e dizer: eu estou aqui, mas esses caras não me querem. Apesar de estar dentro do sistema, eu estou fora disso. Ele é muito competente. No Rio ele já está com 30% [de intenção de voto para presidente].

Valor: Ele tem fôlego?

Maia: Se o sistema da democracia representativa, os partidos políticos, não derem uma resposta para o mercado formal, ele tem sim muita chance. Nesse campo aqui mais à direita, mais radicalizado, não tem espaço para outros candidatos. Vai ter espaço no centro, centro-direita. O mais à direita, que o [senador Ronaldo] Caiado [DEM-GO] tenta ocupar, o Bolsonaro já ocupou.

Valor: Então falta ao Bolsonaro buscar o eleitorado ao centro?

Maia: Resta para ele torcer por uma eleição mais pulverizada e ir para o segundo turno com 18%, 20%. Como foi em 1989.

Valor: É um risco para o país?

Maia: Não sei se é um risco. Também não trato as minhas opções como as únicas que não são um risco para o Brasil. Eu era radicalmente contra o Lula e ele fez um governo que teve muito apoio popular, com eu discordando o tempo todo. Não vou diminuir o mandato e a competência do Bolsonaro. É um cara preparado. Conseguiu fazer o filho ter 14% dos votos na cidade do Rio para prefeito, sabe usar as redes sociais com muita competência, faz os conflitos da direita com a esquerda nos temas de valores com muita competência.

• "Na [reforma] da Previdência, devemos ter cuidado de não querer fazer no mesmo ritmo do teto [de gastos]"

Valor: Ele tem mais intenção de voto que os candidatos do PSDB. O DEM pode apoiá-lo?

Maia: Tirando o campo da esquerda, a política tradicional - o PSDB, PMDB, DEM -, o nosso campo, só terá espaço na eleição de 2018 se as reformas forem aprovadas, só sobrevive se a economia tiver sinal forte de recuperação. Se a gente não enfrentar esse possível desgaste, tenho certeza que será algo fora da política que será vencedor em 2018.

Valor: O sr. tem pretensões de concorrer ao governo do Rio ou ao Senado. Essas reformas impopulares não podem inviabilizar isso?

Maia: Estou fazendo o que eu acredito. E sou candidato a deputado federal. As pessoas falam: você pode ser. Poder, posso, mas meu objetivo é ser um presidente da Câmara que saia forte como líder político reformista. O que isso vai gerar eu não sei. Sei que se presidir a Câmara num momento de crise e não avançar nas reformas, estarei fora da política.

Valor: O DEM pensa em um projeto nacional para 2018?

Maia: Muito difícil. O quadro mais forte que temos é o prefeito de Salvador, que nos ajudará a reconstruir o partido, com uma representação forte na Câmara e no Senado em 2019, com 50 deputados e oito senadores, para pensar em 2022 num projeto nacional com a liderança dele. A eleição de 2018 será, se o governo estiver forte, um projeto único da base. Hoje com o PSDB [liderando], com mais chance de ter o candidato nesse campo todo. Se as reformas não avançarem, se o governo não der certo, a eleição será pulverizada, e não acho que um partido que faz política da forma tradicional como o nosso terá chance de vitória.

Valor: O presidente Temer está descartado nessa sucessão?

Maia: Não trato mais disso porque da outra vez gerou muita polêmica. [Maia disse que Temer seria o candidato natural da base se o governo desse certo]

Valor: Como votar a PEC da previdência com a pressão nas redes?

Maia: Tem também ambiente de direita nas redes que é a favor da reforma. E esse momento de muitas crises, com a previdência do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul com problemas, favorece. A compreensão vai crescer mais. Ficamos discutindo a dívida dos Estados, na ordem de R$ 400 bilhões, mas a dívida previdenciária dos Estados está na casa dos R$ 4 trilhões. A irresponsabilidade, ou os erros do Rio, geraram aposentados com contracheque, mas sem dinheiro no banco. É isso que queremos? Ou construir um sistema que dê efetivamente garantias para a sociedade?

Valor: Na Câmara há essa compreensão? Porque, na comissão, parte expressiva da base critica.

Maia: A comissão não está retratando efetivamente a posição dos que estão a favor, nem o número correto dos que são contra. Lá tem deputados que foram a vida inteira liberais, mais à direita do que eu, que estão lá questionando a reforma. Esse oportunismo midiático vai ser filtrado num determinado momento.

Valor: O que é negociável?

Maia: A transição não pode ser um ponto único, 50 anos cai para um lado, 50 anos cai pro outro. Dá para fazer um pouquinho mais escalonado. Não tanto, porque se for muito a curva da redução do déficit não desacelera tão rápido. Não dá para abrir mão de muita coisa. O papel aceita qualquer coisa, o caixa do governo não, e nem os investidores. Mas o governo está preparado para negociar. Pelo menos é o que ouço.

Valor: A reforma trabalhista é menos complexa de votar?

Maia: Está muito madura. O projeto do governo é tímido. O relator avançará em algumas questões, como o trabalho intermitente, foi escolhido exatamente por isso. O perfil dele é pró-emprego porque, na verdade, as leis hoje e a Justiça do Trabalho são contra o emprego. Vou dar um exemplo: votaremos a regulamentação da gorjeta porque um juiz resolveu que gorjeta é salário e agora cada garçom demitido no Rio recebe indenização de R$ 400 mil, R$ 500 mil.

Valor: A Câmara vai mesmo aguardar o Senado votar o projeto da terceirização que está lá?

Maia: Não. Refleti melhor e votaremos depois do Carnaval o projeto que está parado na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça]. O Senado deveria legislar, mas, independentemente do que eu acho, não podemos continuar retardando a terceirização, há 14 milhões de pessoas numa insegurança brutal. Só não voto essa semana em respeito à oposição, mas vou comunicá-los que essa é a vontade da base. Até porque o texto é mais simples do que o do Senado, permite terceirizar tudo, e segue direto para sanção.

Valor: Qual o prazo para votar as duas reformas do governo?

Maia: A trabalhista tem um consenso maior na sociedade. Na da Previdência, devemos tomar o cuidado de não querer fazer no mesmo ritmo do teto. O teto era um problema mais simples, mais abstrato. Agora trata da vida das pessoas. Não dá para em 11 sessões querer votar. Precisa de pelo menos mais duas semanas para que as pessoas participem do debate, falei isso para o [ministro de Governo, Antônio] Imbassahy. Não quer dizer que deva se debater um ano, tem que ser no primeiro semestre. Mas temos conflito na base, partidos com mais dificuldades. Precisamos de 308 votos e para isso é preciso tempo para uma compreensão melhor do projeto. Chegar no final de março com essa matéria pronta para votar na comissão e logo em seguida no plenário.

Valor: No mandato tampão, o senhor disse que não pautaria aumento de impostos. A promessa vale para os próximos dois anos?

Maia: Na conjuntura atual, vamos pensar em aumento de imposto para quê? Se fizermos todas as reformas e no final entendermos que é necessário aumentar alíquotas, tudo bem. Mas, se não, cometeremos o mesmo erro que vem desde o governo Fernando Henrique até o governo Dilma, que é aumentar imposto para cobrir o aumento do déficit.

Valor: Poderia ocorrer então junto com a reforma tributária prometida pelo governo?

Maia: Não vi o texto ainda. O grande nó é como compensar os Estados que vão perder a arrecadação no curto prazo. Quem paga a conta? Era a repatriação, mas não foi por causa da crise, os Estados já receberam o dinheiro. Que recurso vai aparecer para garantir a compensação?

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