sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

Governo cogita reduzir meta de inflação para 2019 - Claudia Safatle

- Valor Econômico

• Economistas do governo não creem na tese de juros altos, inflação alta

O Conselho Monetário Nacional pode retomar o processo de redução da meta de inflação em junho, quando da definição da variação do IPCA de 2019. Desde 2005 a meta está estacionada em 4,5%. De lá para cá o governo só cortou o intervalo de tolerância, que este ano é de 1,5 ponto percentual.

A discussão mais técnica sobre o futuro da meta ainda não está ocorrendo seja na Fazenda ou no BC. Mas autoridades envolvidas na decisão que terá que ser tomada pelo CMN daqui a quatro meses já começaram a pensar no assunto. A ideia preliminar é de que, se os juros estiverem em pronunciada queda rumo à taxa neutra e as expectativas de inflação muito bem ancoradas, seria útil reduzir "um pouquinho" a meta de inflação - de 4,5% para 4,25%, por exemplo.

Essa sinalização, argumentou uma alta fonte, ajudaria a consolidar um patamar de inflação mais baixo sem que o BC tenha que recorrer a uma política monetária contracionista. Trata-se, contudo, de uma decisão nada trivial. Este governo entregará para o que assumir em 2019 uma situação fiscal ainda bem delicada e, ao optar por uma meta de inflação menor, poderá comprometer a queda dos juros mais à frente, em 2018.

No início do regime de metas para a inflação, em 1999, foi traçado um cronograma de rápida redução da meta, que partia de 8% para chegar em 3,25% em 2003. Não deu. As eleições de 2002 geraram muita tensão, forte desvalorização da taxa de câmbio e elevação da inflação. O BC optou por operar com meta ajustada e subiu a taxa básica de juros (Selic) de 18% ao ano para 26,50% ao ano entre outubro de 2002 e fevereiro de 2003, para conter a escalada dos preços. O IPCA encerrou o último ano de FHC na Presidência em 12,53% e caiu para 9,30% no primeiro ano do mandato de Lula.

A gestão da política monetária e certo rigor no trato das contas públicas levaram a inflação para 3,14% em 2006, a menor taxa durante o regime de metas. No ano seguinte, porém, o governo jogou fora um bilhete premiado, ao não aproveitar as expectativas de inflação de 3,6% para 2007 e de 3,99% para 2008, para reduzir a meta de 2009. Ainda assim a inflação ficou abaixo da meta em 2007 e em 2009. Nos cinco anos do governo Dilma, o IPCA subiu, distanciando-se dos 4,5%. Nesse período os juros caíram para 7,25% ao ano.

Em 2013, o BC iniciou uma trajetória de aperto monetário que só terminou com a taxa em 14,25% em julho de 2015, onde permaneceu até outubro de 2016, quando a inflação começou a dar trégua. O IPCA, que em setembro acumulava alta de 8,48%, encerrou 2016 em 6,29%. O preço da desinflação foi a recessão, agravada pelas tremendas incertezas políticas e econômicas do período. O IPCA de 3% é o objetivo de longo prazo do BC, ainda distante do horizonte visível das metas de inflação, que agora decidirá sobre 2019.

A possibilidade de o governo Temer retomar a redução da meta, abandonada desde 2005, seria a prova efetiva de que juros altos derrubam a inflação. Será?

O debate sobre se juros altos derrubam ou se, ao contrário, elevam a inflação, foi iniciado por artigo de Andre Lara Resende, publicado pelo Valor. A tese foi rebatida por textos dos economistas Marcos Lisboa e Samuel Pessôa e de Eduardo Loyo. A discussão está aberta e prossegue, com os economistas que se manifestaram até agora argumentando por que consideram a tese - advogada por Lara Resende com base em artigo de John Cochrane - fora do lugar.

O tema será objeto de debate na próxima semana na Casa das Garças, no Rio. Não haverá participação do governo. Os poucos economistas oficiais que se interessaram pela discussão e falaram com o Valor não concordam com a explicação que Lara Resende atribuiu à inflação no Brasil nos últimos 20 anos: a inflação é alta porque os juros nominais são altos. A solução, portanto, seria uma forte queda dos juros. O BC estaria, ao tentar apagar o fogo, jogando mais lenha na fogueira desde 2013. E só começou a acertar de outubro para cá, quando iniciou o ciclo de afrouxamento monetário.

A economia brasileira é, de fato, pouco sensível a taxa de juros por causa de distorções acumuladas há anos. "A mais recente foi a expansão anticíclica do crédito pelos bancos públicos, na gestão do PT, exatamente para se contrapor ao aperto dos juros", apontou um economista do governo. A indexação também faz com que o efeito direto da elevação dos juros chegue aos preços em menor intensidade e mais lentamente.

De 2014 em diante outros fatores concorreram para agravar o quadro, como a forte deterioração fiscal, elevação dos prêmios de risco e aumento das incertezas políticas, o que e culminou com a saída de Dilma. Situação que se configurou como um choque de oferta, além do choque tarifário em 2015 para recompor o represamento dos preços administrados. A toda essa confusão se somou a desancoragem das expectativas inflacionárias.

A resistência da inflação à elevação dos juros desde 2013 se explica, assim, pela atormentada realidade econômica e política do período. "Não significa dizer que o Brasil é só mais um exemplo onde a política monetária funcionaria ao contrário, que é o ponto da tese do Lara Resende", comentou uma fonte.

"A navalha de Occam, segundo o argumento citado por Cochrane, no caso brasileiro está longe de passar pela Teoria Fiscal do Nível de Preços que estaria valendo para os últimos 20 anos", disse um outro especialista. Navalha de Occam é um princípio que diz que onde há duas alternativas igualmente coerentes para explicar um fenômeno, deve-se optar pela mais simples. A Teoria do Nível de Preços corresponde à situação de dominância fiscal, entendida como um quadro de deterioração fiscal de tal ordem que leva ao risco de insolvência. Nesse caso, elevar a taxa de juros geraria mais inflação.

O país esteve próximo a essa situação nos anos de 2014 e 2015, segundo alguns economistas. Tiago Berriel, diretor do BC, em um trabalho elaborado antes de ir para o governo, chamou a atenção para o que qualificou de "antessala da dominância fiscal", quando o desarranjo das contas públicas começou a contaminar as expectativas sobre a dinâmica da dívida pública e a gerar grande volatilidade nos preços dos ativos.

Nessa hora, se a situação não fosse revertida, a elevação da Selic desvalorizaria o câmbio e elevaria a inflação, mas não só. A inflação explodiria. "Não existe equilíbrio limitado para a inflação. Ela teria explodido", diz um economista do governo. As fontes sustentam que é praticamente impossível explicar o comportamento da política monetária e da inflação nos ultimos 20 anos usando a teoria fiscal do nível de preços.

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