quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Desta vez, é diferente- Cristiano Romero

- Valor Econômico

• A atual recessão foi provocada por anos de excesso, diz Ilan

"Desta vez, é diferente." Com esta frase, o presidente do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, define a longa recessão que atinge o Brasil. É uma referência ao famoso estudo dos economistas Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart sobre a natureza da crise mundial de 2007-2008, cujo epicentro foi a economia americana. O paper, inicialmente lançado pelo NBER (National Bureau of Economic Research), entidade de pesquisa que promove o debate de temas econômicos nos Estados Unidos, virou best-seller em 2009 com o título: "Desta vez é diferente: oito séculos de loucura financeira".

Em seu trabalho, Rogoff e Reinhart mostram que há séculos as crises seguem determinados padrões e que a tendência dos formuladores de política econômica é acreditar que, desta vez, tudo será diferente. Isso faz parte do que os dois economistas chamam de "síndrome do 'desta vez será diferente'". O paper foi lançado pelo NBER em março de 2008, mesmo mês, portanto, da quebra do banco americano Bear Stearns e a seis meses da falência de outro tradicional banco de investimento dos EUA, o Lehman Brothers, episódio que marcou o aprofundamento da crise iniciada em 2007 e a entrada dos mercados emergentes naquela confusão.

"Os principais episódios de quebra são separados no tempo por anos (ou décadas), criando entre formuladores de políticas e investidores a ilusão de que 'desta vez é diferente'. Um exemplo recente da síndrome 'desta vez é diferente' é a falsa crença de que a dívida interna é uma característica nova da paisagem financeira moderna", dizem os autores na apresentação do trabalho original. "Também confirmamos que as crises emanam frequentemente dos centros financeiros, com transmissão por meio de choques de taxas de juros e colapso de preços de commodities. Assim, a recente crise financeira 'subprime' dos EUA não é única. Nossos dados também documentam outras crises que frequentemente acompanham calotes [ou quebradeiras]: inflação, quebras por causa da taxa de câmbio, crises bancárias e depreciações cambiais."

Os autores deram grande contribuição ao mostrar que há dois tipos de recessão: a normal, provocada justamente por mudanças, por exemplo, na taxa de juros americana ou por variações significativas nos preços das commodities, e recessões deflagradas por excessos que, no fim, forçam uma desalavancagem (redução do endividamento) de governos, empresas privadas e famílias. São processos que, em média, consomem sete anos.

"Rogoff acertou em cheio. Dão menos crédito a ele do que deveriam", comentou Ilan com esta coluna. "A nossa recessão não é uma recessão do passado. Não é uma recessão que tenha um choque e volte. É uma recessão provocada por anos de excesso, e o excesso tem a ver com o setor público, que tem de desalavancar. Os Estados, idem."

O Brasil estava razoavelmente bem quando o Lehman Brothers quebrou, em meados de setembro de 2008. Naquele ano, depois de quase dez anos de certa disciplina fiscal nas gestões Fernando Henrique Cardoso e Lula, o país obteve o grau de investimento - o selo de bom pagador - das agências de classificação de risco, estava crescendo de forma acelerada já há três anos, tinha uma boa margem de manobra fiscal e tinha deixado para trás a vulnerabilidade das contas externas. A crise afetou o país porque todos os mercados, sem distinção, foram atingidos.

O problema maior ocorreu na área cambial porque grandes empresas exportadoras se aventuraram com ativos tóxicos, fazendo apostas sob a crença de que a taxa de câmbio só caminharia numa direção: a da apreciação. Ignoraram a crise externa e seus efeitos sobre a aversão dos investidores a risco. O real, bem como todas as moedas emergentes, sofreram forte desvalorização no pós-Lehman e isso criou enormes dificuldades para quem tinha ativo tóxico.

No primeiro momento da crise, o governo brasileiro agiu corretamente ao adotar políticas anticíclicas - porque havia margem para isso - tanto na área fiscal quanto na monetária. Isso nos ajudou a espantar rapidamente a recessão técnica de 2009. A economia saiu da crise e os estímulos deveriam ter sido revistos, mas o governo optou pelo projeto de poder. Interessado em eleger Dilma Rousseff a qualquer preço, Lula determinou que a gastança continuasse, levando a economia a crescer 7,5% em 2010, mas já com inflação crescente. Em 2011, eleita, Dilma primeiro ensaiou fazer um ajuste, mas, logo, tratou de abortá-lo e abraçar a Nova Matriz Econômica, experimento que arruinou as finanças públicas, jogando a nação na mais profunda e longa recessão de sua história.

"O setor privado e as famílias também praticaram excessos. Todos achavam que aqueles dez anos, em que tudo subia, seriam para sempre. É um processo [de correção] em que se diminuem os excessos do passado para voltar a crescer. Isso leva mais tempo", disse Ilan, mostrando por que, desta vez, a saída da crise está sendo mais demorada e mais custosa.

Um exemplo de que as empresas passam por processo de desalavancagem está no balanço de pagamentos. Em 2016, a rolagem de dívidas das empresas ficou em 63%, o menor índice desde 2004 e a primeira vez, desde 2013, que caiu abaixo de 100%. "O balanço de pagamentos mostra que está havendo muito pagamento de dívida", observou Ilan. Isto significa que as empresas estão optando por pagar seus débitos no exterior, o que as deixa menos expostas a variações na taxa de câmbio e, também, mais aptas a voltar a investir.

Além da recessão, há os fatores não econômicos, como as investigações da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, que interromperam uma série de projetos de investimento de grandes empresas, afetando a atividade econômica. "Agora, quando o país sair disso, sairá mais limpo", assinalou o presidente do Banco Central.

"Em recessões como esta, a incerteza é maior quanto ao timing da recuperação. A decepção no terceiro trimestre foi isso. A confiança tinha voltado, os estoques tinham caído, mas o processo ainda não tinha terminado, talvez, porque o desemprego ainda estivesse aumentando. Houve inflação de 11% [em 2015] mais perda de renda... Agora, isso está revertendo", explicou Ilan. "A inflação está caindo e a massa salarial ainda é afetada pelo desemprego. Confiança caiu um pouco, mas está voltando."

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