quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Deputados correm para reduzir punição a partidos

• TSE prepara sorteio de relatores de processos contra PT, PMDB e PP

Projeto que deve ser votado hoje impede Justiça Eleitoral de cassar legendas por desvios como os de escândalo de corrupção

Em um acordo do comando da Câmara com os líderes partidários, os deputados aprovaram ontem urgência para votar projeto que reduz punições e impede o Tribunal Superior Eleitoral de cassar o registro de partidos por irregularidades em suas contas. O projeto já foi incluído na pauta de hoje do plenário. A Lava-Jato revelou que as estruturas de muitas legendas foram usadas em atos de corrupção. O TSE informou que sorteará os relatores de três processos contra PT, PMDB e PP por desvios apurados na Lava-Jato.

Câmara quer tirar poder de punição do TSE

• Aprovação de urgência em projeto que beneficia partidos ocorre horas antes de tribunal avançar em apuração

Leticia Fernandes e Carolina Brígido | O Globo

-BRASÍLIA- Depois de a Operação Lava-Jato desvendar o uso da estrutura financeira de alguns dos principais partidos políticos em atos de corrupção, a Câmara dos Deputados aprovou ontem, em seu primeiro ato legislativo de 2017, a urgência de um projeto que retira poderes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como a possibilidade de cassar o registro de uma legenda por irregularidades em sua prestação de contas.

Cerca de uma hora depois, o TSE decidiu que sorteará entre os sete integrantes da Corte os relatores dos três processos abertos para investigar desvios supostamente cometidos por PT, PMDB e PP na Lava-Jato. Os processos estão abertos desde agosto do ano passado, mas um impasse sobre a escolha do relator paralisou os casos. Quando os relatores forem sorteados, o que deve ocorrer em breve, as investigações poderão ser iniciadas.

A Câmara aprovou a urgência numa votação folgada, com o apoio de 314 deputados, tendo apenas 17 contrários, além de quatro abstenções. Os parlamentares foram favoráveis à apreciação da matéria que, na prática, protege os partidos políticos de sanções previstas na Lei dos Partidos e prevê que as legendas preservem o registro partidário mesmo tendo as contas anuais rejeitadas ou não apresentadas à Justiça Eleitoral. Com a urgência aprovada pela Câmara, o mérito do texto já pode ser votado hoje.

O projeto de lei, apresentado em 2016, é de autoria do atual ministro dos Transportes, Maurício Quintella Lessa, deputado federal licenciado do PR. A proposta teve o apoio de todos os partidos com representação na Câmara, com exceção do PSOL. Mesmo partidos de oposição, como o PT e a Rede, defenderam a medida, alegando que muitas das questões envolvendo os partidos são “interna corporis”, ou seja, problemas a serem resolvidos pelas próprias legendas, sem a interferência do TSE ou dos Tribunais Regionais Eleitorais.

Hoje, o TSE pode cassar o registro de partidos políticos ou aplicar sanções como não repassar recursos do Fundo Partidário às legendas com pendências junto à Justiça. O TSE frequentemente pune as legendas com perda de recursos financeiros, mas nunca cassou o registro de um partido político.

Caso o projeto seja aprovado, diz o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), uma das vozes dissonantes no plenário da Casa ontem, entrará em vigor uma “autonomia ilimitada” aos partidos.

— Esse projeto é um flexibilizador da vida partidária no que diz respeito a sanções contra irregularidades. É uma capa de proteção aos partidos no momento em que eles estão em vias de ficarem muitíssimo questionados pela LavaJato, que chega à responsabilização dos partidos — disse o deputado.

DIVERGÊNCIA NA CORTE
Um outro ponto do projeto que gera polêmica é a possibilidade de que órgãos de direções provisórias dos partidos, criados a níveis municipais e estaduais para estruturarem diretórios regionais das legendas, possam ficar em vigor por tempo indeterminado. Esse ponto, segundo Alencar, perpetua um modelo de “feudalismo partidário” e beneficia o “caciquismo” nos partidos. O projeto foi acordado ontem, em reunião de líderes da Câmara, e pautado para hoje pelo presidente da Câmara reeleito, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

— O fantasma da Lava-Jato talvez tenha levado a essa pressa para votar o projeto. Além de tudo é ruim abrir o ano legislativo com uma matéria do nosso próprio interesse — criticou Alencar.

No TSE, alguns ministros — como o presidente da Corte, Gilmar Mendes — defendiam que os três processos sobre PP, PT e PMDB ficassem com o corregedor eleitoral, o ministro Herman Benjamin. Mas a maioria do tribunal defendeu que os casos fossem sorteados para relatorias aleatórias. Em caso de condenação, os partidos podem perder os registros e serem proibidos de funcionar.

Primeiro, Gilmar determinou a abertura do processo contra o PT, diante de indícios de irregularidades cometidas na Lava-Jato. Em seguida, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, que hoje já saiu do TSE, pediu a abertura de dois processos para investigar o PP e o PMDB. O tipo de processo que deverá ser aberto pode levar à cassação do registro das legendas.

CONDUTA GRAVE DE PARTIDOS
O pedido de investigação de Gilmar contra o PT foi feito no ano passado diante de “indicativos de que o Partido dos Trabalhadores foi indiretamente financiado pela Petrobras”, que é uma sociedade de economia mista. A prática é vedada pela legislação eleitoral. Gilmar é relator das contas de campanha da presidente Dilma Rousseff. As contas foram julgadas e aprovadas pelo TSE logo depois das eleições, em dezembro de 2014. No entanto, o ministro deu continuidade às investigações acerca da contabilidade apresentada pela petista, diante de indícios de irregularidades encontrados por técnicos do tribunal. O novo procedimento contra o PT foi aberto com base nesse material.

Na época, Maria Thereza afirmou que a conduta atribuída aos três partidos é grave. “Uma vez comprovadas tais condutas, estaríamos diante da prática de crimes visando a conquista do poder e/ou sua manutenção, nada muito diferente, portanto, dos períodos bárbaros em que crimes também eram praticados para se atingir o poder”, anotou. “Notícias de fatos como estes causam indignação e a apuração é fundamental, não só para a aplicação das sanções devidas, mas também para que o país vá virando suas páginas na escala civilizatória”, concluiu.

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