terça-feira, 31 de janeiro de 2017

As fogueiras e os zumbis de fevereiro - Raymundo Costa

- Valor Econômico

• Este é um momento crítico para Temer; se passar, fica

Se tudo ocorrer de acordo com o programado nas eleições para a Câmara e o Senado, o presidente Michel Temer vai entronizar o PSDB no Palácio do Planalto, entre a quinta e a sexta-feira. Poderia ser antes, mas falta um acabamento aqui, outro acolá. O ministro que saiu, Geddel Vieira Lima, gostaria de manter alguns agregados, mas os tucanos não querem ser peça de decoração, como Temer se julgava no governo de Dilma. Querem participar das formulações de governo, efetivamente, o que uma última reunião com o senador Aécio Neves deve selar. O ministro será o deputado Antonio Imbassahy, da Bahia, terra também de Geddel, os dois pré-candidatos ao Senado.

No Senado será eleito presidente o cearense Eunício Oliveira, ex-líder na Câmara, ex-ministro das Comunicações (governo Lula) e ex-líder do PMDB no Senado. O favorito na Câmara é o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), a menos que alguma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) possa "melar" a configuração desenhada com discrição no Palácio do Planalto. Na sexta-feira começa a contar prazo de tramitação da reforma da Previdência. O problema de Temer, no início de 2017, está no Judiciário. É das Cortes, em suas diversas instâncias, que partem as maiores ameaças ao mandato presidencial. O que também pode ser uma solução para um governo permanentemente na corda bamba.

Na manhã de ontem, a presidente do STF, Cármen Lúcia, homologou as delações dos executivos da Odebrecht, o que não deve causar maior impacto no andamento da Operação Lava-Jato, mas põe o governo Temer em estado de alerta máximo. A ministra sancionou as delações, mas não liberou o sigilo do que foi dito pelos delatores, o que também não quer dizer muita coisa, pois a homologação é um estímulo ao vazamento. O procurador Rodrigo Janot também pode pedir a suspensão do sigilo das declarações, cujo teor seguramente causará constrangimento ao presidente.

É a fase mais crítica para o governo de Temer. Adiante, provavelmente nada será pior. Se Temer conseguir atravessá-la, mesmo ferido terá condições de chegar ao fim do mandato. Pior teria sido a explosão das delações da Odebrecht num momento crucial das negociações com o Congresso para a votação das reformas que espera aprovar ainda no primeiro semestre. Esse é o cenário otimista. Ainda assim Temer terá turbulência garantida ao longo de todo ano. As delações da Odebrecht, de imediato, vão aquecer o processo de impugnação da chapa Dilma-Temer, em curso no TSE.

Além das delações, também a Polícia Federal enviou ao tribunal o relatório de uma investigação cujo resultado pode comprometer a tese - sustentada por Temer - separação das contas da chapa eleita em 2014. Há também evidências de doações suspeitas à campanha do vice-presidente. Nas mãos do relator do processo, ministro Herman Benjamin, é um material altamente inflamável. Herman tem pressa - ele deixa o TSE em outubro, após cumprir o biênio regulamentar aos ministros oriundos do STJ. E tudo indica que vai aceitar a impugnação da chapa. Mas até o julgamento efetivo uma cadeia de eventos previsíveis deve jogar o processo para o segundo semestre, ou mais. E no fim do ano, Temer já será quase um ex-presidente.

Para ser julgada, ação impetrada pelo PSDB precisa ser colocada em pauta pelo presidente do TSE, Gilmar Mendes. Com o aparecimento de novas acusações, como aquelas contidas no relatório da PF e nas delações dos executivos da Odebrecht, o prazo para que isso ocorra é imprevisível, pois Dilma e Temer podem pedir novas diligências. Em abril, termina o mandato do ministro Henrique Neves, tido como o fiel da balança numa votação com a composição do atual plenário do TSE. Em maio sai a ministra Luciana Lóssio, da bancada de advogados como Neves, contraria ao processo hoje como era antes do impeachment.

Os dois provavelmente serão substituídos por seus suplentes advogados, como é dos usos e costumes do TSE. Não será surpresa para ninguém que os novos ministros peçam vistas ao processo, cada um a seu tempo. O pedido de vista, na realidade, é uma prerrogativa de qualquer ministro que deve ser exercida, inclusive porque também não há consenso em torno do processo. São evidências regimentais. Há os problemas pessoais. O relator Herman, que também é o atual corregedor do TSE, vive às turras com outro ministro do STJ, Napoleão Nunes Maia Filho.

Em julgamento envolvendo a massa falida da Vasp, em dezembro último, no STJ, o ministro Napoleão chamou o ministro Herman de "zumbi", desencadeando um bate-boca há muito custo contido pelo presidente do tribunal. "Estamos tratando de esqueletos que drenam o dinheiro do Estado brasileiro, são verdadeiros zumbis", disse Herman, ao votar. Emboscado a poucos metros de distância, Napoleão atacou: "Zumbi aqui é vossa excelência". O barraco acabou com a intervenção do presidente Francisco Falcão - "Por favor, excelências, todos os presentes aqui estão presenciando esta cena" -, mas desde então os dois olham de viés um para o outro.

A ação de impugnação da chapa Dilma-Temer vai e vem, desde a eleição presidencial de 2014, ao sabor das circunstâncias políticas. O PSDB entrou com o pedido no TSE com o objetivo de atingir Dilma, mas abandonou o processo depois do impeachment e do casamento que celebrou com Michel Temer. A primeira relatora do processo, a ministra Maria Thereza de Assis Moura, decidiu que não havia elementos para levar a ação adiante e decidiu arquivá-la, mas foi derrotada pelo ministro Gilmar Mendes, que hoje preside a corte eleitoral. Antes do impeachment Luciana Lóssio estava em lado oposto ao de Gilmar; hoje, segundo fontes próximas, os dois estão juntos pelo arquivamento. A impugnação da chapa tornaria inelegível também a ex-presidente Dilma.

Passada a fase do TSE, se a chapa for impugnada Temer ainda tem a possibilidade de recorrer ao STF. O presidente pula fogueiras na expectativa de que a economia continuem a apresentar sinais de melhora, as reformas avancem e as ruas achem por bem que é melhor esperar 2018.

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