sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

2017 será o ano da grande incerteza - Humberto Saccomandi

- Valor Econômico

• As consequências das surpresas de 2016 serão sentidas agora

Sob quaisquer aspectos, 2016 foi um dos anos mais surpreendentes para a ordem mundial ocidental desde a Segunda Guerra Mundial. Foi o ano da grande revolta, da rejeição das elites liberais pelos eleitores, do retorno do nacionalismo, do populismo. Esse processo deverá continuar, mas boa parte das suas consequências começará de fato a ser sentida em 2017, que tem tudo para ser o ano da grande incerteza.

A começar pelos EUA. Pela primeira vez, o país líder do Ocidente será governado por um presidente neófito e populista. Ou ainda, como escreveu nesta semana o colunista Nicholas Kristof, no jornal "The New York Times", pelo político americano "mais evasivo, ignorante e pueril". O grau de incerteza ligado ao governo de Donald Trump não poderia ser maior. A expectativa inicial de que, passada a eleição, ele adotaria um versão light já se dissipou.

No plano econômico há otimismo, pois os prometidos cortes de impostos e aumento de gastos público devem resultar num crescimento mais forte nos EUA neste ano, o que puxaria os mercados e valorizaria o dólar. Isso pode fazer o Fed acelerar o aumento da taxa de juros, mas mesmo o banco central americano destacou as suas incertezas na ata de sua última reunião antes da posse de Trump. Com isso, as taxas de juros de longo prazo tendem a subir. O crédito ficará mais caro em todo o mundo. Possíveis efeitos negativos da "Trumponomics" - o aumento, talvez explosivo, do déficit e da dívida pública - não serão sentidos de início.

No plano externo, os riscos são maiores e bem mais imediatos. Há 30 anos o Ocidente vem praticando uma política de abertura comercial e relações cordiais com a China, que nesse período se tornou a segunda maior potência mundial. Trump sinaliza com uma mudança radical, para uma atitude de confronto com Pequim. E recheou a sua equipe de governo com críticos da China.

Como reagirá a cúpula chinesa em relação a um Ocidente hostil? É difícil prever. O país atravessa um período complexo, de transição de uma economia baseada em investimentos para um economia baseada em consumo. Como lembra o economista Michael Pettis, na maior parte dos países que fizeram essa transição, ela não foi pacífica. Isso fez o presidente Xi Jinping reforçar o seu poder. No fim do ano, ele deverá ser reconduzido ao cargo pelo Partido Comunista. Precisa assegurar que o crescimento econômico até lá continue forçosamente vigoroso, o que vem ampliando as distorções na economia chinesa, que serão mais difíceis de corrigir no futuro. Que nível de provocação americana Xi poderá suportar? Haverá uma Guerra Fria entre essas duas superpotências?

Há ainda a incógnita da recém-assertiva Rússia, do presidente-czar Vladimir Putin. Trump promete uma nova era, de aproximação com Moscou, revertendo sete décadas de hegemonia russa como maior inimigo dos EUA. Apesar de ser uma economia pequena em relação a EUA e China, a Rússia ainda tem tecnologia militar e disposição de projetar o seu poder no seu entorno. Fez isso com desenvoltura nos últimos anos, na Ucrânia e na Síria. Essas regiões serão "cedidas" por Trump a Putin, numa nova divisão geopolítica do mundo? Isso causaria ondas de choque globais. E uma Rússia cada vez mais atuante significa um mundo tripolar (ou até multipolar), o que também seria uma novidade.

Na Europa, as eleições na Holanda (legislativas, em março), na França (presidencial, em abril e maio) e na Alemanha (legislativas, em setembro) ameaçam reforçar o avanço de partidos extremistas, de caráter nacionalista e /ou populista. Os resultados, especialmente uma possível vitória de Marine Le Pen na França, colocaria em risco o euro (a moeda comum europeia) e talvez até o próprio projeto de integração representado pelo União Europeia. As pesquisas de intenção de voto francesas serão acompanhadas com ansiedade em todo o mundo. A tendência de pulverização do espectro político continuará, dificultando a formação de governos na Europa.

O Brexit, a saída do Reino Unido da UE, decidido em plebiscito no ano passado, deve também começar a ter impacto econômico neste ano, quando serão iniciadas formalmente as negociações da saída. Hoje, tudo indica que essas negociações serão duras e devem causar danos aos dois lados.

Tanto na economia como na política, ameaçar mudar repentinamente muitas das regras do jogo pode causar efeitos difíceis de prever. As relações econômicas e políticas funcionam lastreadas na confiança mútua, confiança de que pactos e acordos serão respeitados. Se o Japão e a Coreia do Sul não sentirem mais confiança no apoio militar dos EUA, podem ser tentados a desenvolver armas nucleares. Será que planos de contingência nesse sentido já não estão em andamento? Se aliados não tiverem mais confiança na disposição dos EUA de conter a China ou a Rússia, podem ter de rever suas relações com Pequim e Moscou, submetendo-se. Se acordos e compromissos comerciais foram ignorados, uma onda de protecionismo e guerra cambial pode acontecer, como no final do Século XIX.

As principais entidades globais preveem um ano de atividade fraca, mas todas alertam para o risco das incertezas. O crescimento mundial neste ano deve ser só um pouco superior ao de 2016, segundo o FMI (3,4%, contra 3,1%). O comércio mundial, que em 2016 deve ter crescido 1,7% (ficando abaixo da expansão do PIB global pela primeira vez em 15 anos), cresceria entre 1,8% e 3,1%, segundo a OMC - essa faixa ampla por si só já indica as indefinições em relação a 2017.

Para a América Latina, essa profusão de incertezas é ruim, pois tende a afugentar o investidor estrangeiro. Um crescimento maior nos EUA deve favorecer as exportações da região, mas a onda protecionista de Trump pode inibir novos investimentos, como acabou de acontecer no México, onde a Ford desistiu de construir uma fábrica, num projeto orçado em US$ 1,6 bilhão. Juros maiores nos EUA devem elevar os custos de captação no exterior e a saída de capitais, o que em princípio favorece a desvalorização das moedas locais. Mas, sobretudo, ficará mais difícil definir rumos estratégicos num cenário novo e cada vez mais imprevisível.

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