domingo, 6 de março de 2016

Opinião do dia – Luiz Werneck Vianna

Antenas sensíveis já captaram o silencioso movimento das coisas, como as de Ana Maria Machado, que dias atrás publicou um artigo em elogio à negociação, mesma orientação política, aliás, a que o PMDB, na fala do seu presidente Michel Temer em horário eleitoral, conferiu alta voltagem. Para além do Palácio do Planalto e do Instituto Lula, há um tertius, a oposição e os muitos descontentes, que não estão surdos, muito pelo contrário, a essa movimentação. Napoleão Bonaparte, ao que parece, não teria o que fazer aqui, mas nós temos, e a crise atual é a nossa oportunidade para um recomeço com o que sobrar das ruínas que ficarem de pé.
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Luiz Werneck Vianna sociólogo, PUC-Rio, ‘Alexandre, Napoleão e os nossos nós’, O Estado de S. Paulo, 6.3.2016

Moro repudia ‘incitação à violência’; PT convoca atos

Em rara manifestação fora dos autos, juiz afirma ainda que convocação de Lula não significa ‘antecipação de culpa’

U m dia depois de ter autorizado a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para prestar depoimento na Operação Lava Jato, o juiz federal Sérgio Moro afirmou ontem, em nota, que “repudia, sem prejuízo da liberdade de expressão e de manifestação política, atos de violência de qualquer natureza, origem e direcionamento, bem como a incitação à prática de violência, ofensas ou ameaças a quem quer que seja”. O magistrado afirmou ainda que a convocação de Lula não significa “antecipação de culpa” do ex-presidente. A declaração de Moro fora dos autos é uma reação aos protestos de sexta-feira contra a decisão dele de obrigar o petista a depor. Também em nota, o Ministério Público Federal classificou de “cortina de fumaça” a controvérsia gerada com a medida. O PT avalia que a comoção em torno do ex-presidente vai fortalecer o partido na disputa pelas ruas com os grupos em favor do impeachment de Dilma Rousseff, que têm manifestação marcada para o dia 13. P

• Juiz emite nota sobre confrontos de grupos pró e contra o ex-presidente, que foi obrigado pelo magistrado a prestar depoimento em fase da operação para investigar a relação do petista com empreiteiras; partido quer usar apuração para ocupar ruas e defender líderes

Um dia após ter autorizado a condução coercitiva (obrigatória) do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para prestar depoimento na Operação Lava Jato, o juiz federal Sérgio Moro afirmou, em nota divulgada ontem, que “repudia, sem prejuízo da liberdade de expressão e de manifestação política, atos de violência de qualquer natureza, origem e direcionamento, bem como a incitação à prática de violência, ofensas ou ameaças a quem quer que seja, a investigados, a partidos políticos, a instituições constituídas ou a qualquer pessoa”. A manifestação do magistrado fora dos autos da operação é uma reação aos protestos ocorridos anteontem contra a decisão dele de obrigar o ex-presidente a depor. O Ministério Público Federal também reagiu contra as críticas à medida.

Os atos foram organizados por militantes do PT e incentivados por Lula em pronunciamentos feitos em São Paulo. O PT avalia que a comoção em torno de Lula vai fortalecer o partido na disputa pelas ruas com os grupos antipetistas e a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Dirigentes do partido estimam que as manifestações anti-Dilma, marcadas para o próximo dia 13, sejam maiores do que as do dia 15 de março do ano passado, que reuniram mais de 1 milhão de pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo, e se preparam para enfrentá-las.

O depoimento obrigatório de Lula na Lava Jato também serviu para reaproximar o ex-presidente de sua sucessora, justamente no momento em que Dilma buscava ampliar seus canais de interlocução com a oposição e se afastava do PT.

Ontem, Dilma esteve em São Paulo para se encontrar com Lula, que passou a manhã em seu apartamento em São Bernardo do Campo (ABC paulista). Petista histórico, Olívio Dutra, ex-governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro de Lula, alerta que o ex-presidente precisa dar explicações. “O Lula abriu um guarda-chuva enorme. Veio um amigo daqui, um amigo dali, que criaram situações. Agora, cabe a ele explicar, com toda a franqueza”, diz Dutra. Conforme mostrou a operação Aletheia, fase da Lava Jato deflagrada anteontem, a empreiteira OAS, uma das implicadas no esquema de corrupção e de desvios da Petrobrás, pagou R$ 1,3 milhão pelo armazenamento de bens do ex-presidente em um guarda-móveis. A empresa de mudanças Granero confirmou ter recebido o valor da empreiteira e disse ter entregado parte da mudança de Lula no sítio de Atibaia(SP), que a investigação suspeita estar em nome de dois laranjas. Lula negou as acusações.

Moro repudia ‘incitação à prática de violência’ durante condução de Lula

• Um dia depois da Operação Aletheia, que pegou ex-presidente e provocou tumultos generalizados em São Paulo, juiz da Lava Jato destaca que 'democracia reclama tolerância em relação a opiniões divergentes e respeito às instituições'

Por Ricardo Brandt Fausto Macedo e Julia Affonso – O Estado de S. Paulo

CURITIBA - O juiz federal Sérgio Moro declarou neste sábado, 5, que ‘repudia, sem prejuízo da liberdade de expressão e de manifestação política, atos de violência de qualquer natureza, origem e direcionamento, bem como a incitação à prática de violência, ofensas ou ameaças a quem quer que seja, a investigados, a partidos políticos, a instituições constituídas ou a qualquer pessoa’.

A manifestação do juiz da Lava Jato, em nota oficial, ocorre um dia depois da deflagração da Operação Aletheia, que pegou o ex-presidente Lula e o levou para depor coercitivamente. O petista foi surpreendido pela Polícia Federal em sua residência, em São Bernardo do Campo, e levado para uma sala no Aeroporto Internacional de São Paulo em Congonhas.

O depoimento obrigatório de Lula na Lava Jato serviu para reaproximar o ex-presidente de sua sucessora, justamente no momento em que Dilma buscava ampliar seus canais de interlocução com a oposição e se afastava do PT. No sábado, Dilma esteve em São Paulo para se encontrar com Lula, que passou a manhã em seu apartamento no ABC.

Durante o depoimento de Lula, que se prolongou por mais de três horas, manifestantes se confrontaram nas ruas da cidade. Pancadarias foram registradas em diversos locais.

A Aletheia – 24.ª fase e ápice da Lava Jato – foi desencadeada por ordem de Moro, que acolheu representação do Ministério Público Federal.Em nota oficial, o magistrado destacou que ‘a democracia reclama tolerância em relação a opiniões divergentes e respeito às instituições constituídas e à qualquer pessoa’.

Moro demonstrou ter ficado consternado com o clima acirrado. ” A pedido do Ministério Público Federal, este juiz autorizou a realização de buscas e apreensões e condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para prestar depoimento. Como consignado na decisão, essas medidas investigatórias visam apenas o esclarecimento da verdade e não significam antecipação de culpa do ex-presidente.”

O juiz observa que ‘cuidados foram tomados para preservar, durante a diligência, a imagem do ex-presidente’

“Lamenta-se que as diligências tenham levado a pontuais confrontos em manifestação políticas inflamadas, com agressões a inocentes, exatamente o que se pretendia evitar.”

Moro disse que ‘ repudia, sem prejuízo da liberdade de expressão e de manifestação política, atos de violência de qualquer natureza, origem e direcionamento, bem como a incitação à prática de violência, ofensas ou ameaças a quem quer que seja, a investigados, a partidos políticos, a instituições constituídas ou a qualquer pessoa’.

“A democracia em uma sociedade livre reclama tolerância em relação a opiniões divergentes, respeito à lei e às instituições constituídas e compreensão em relação ao outro.”

Há falsa controvérsia em condução coercitiva de Lula, diz força-tarefa

- Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - A força-tarefa do Ministério Público divulgou nota, neste sábado (5), com termos mais duros do que os usados pelo juiz federal Sergio Moro. O magistrado, também por meio de nota, reagiu às críticas sobre a condução coercitiva do ex-presidente Lula. O político foi um dos alvos da 24ª fase da Operação Lava Jato, nesta sexta-feira (4).

Segundo os procuradores, instalou-se "falsa controvérsia" nessa questão. "Houve no âmbito da Lava Jato 117 mandados de condução coercitiva. Apenas em relação à do sr. Luiz Inácio Lula da Silva houve manifestação de opiniões contrárias. Conclui-se que esses críticos insurgem-se não contra o instituto da condução coercitiva em si, mas sim pela condução coercitiva de um ex-presidente da República".

Os procuradores dizem também que o ex-presidente merece respeito, mas apenas "na exata medida do respeito que se deve a qualquer outro cidadão brasileiro", pois não tem foro privilegiado.

A nota lembra a tentativa recente de um promotor de São Paulo de ouvir Lula, o que gerou tumulto entre simpatizantes e opositores do político. E diz que o ex-presidente manifestou recusa em comparecer anteriormente a esse depoimento.

De acordo com os procuradores, a condução coercitiva foi determinada "para a segurança pública, para a segurança das próprias equipes de agentes públicos e, especialmente, para a segurança do próprio senhor Luiz Inácio Lula da Silva".

A nota da força-tarefa do Ministério Público termina dizendo que a polêmica é uma "cortina de fumaça" para dificultar a apuração de acusações contra Lula de enriquecimento ilícito.

Leia na íntegra nota da força-tarefa do ministério público:
Após a deflagração da 24ª fase da Operação Lava Jato na última sexta-feira, 4 de março de 2016, instalou-se falsa controvérsia sobre a natureza e circunstâncias da condução coercitiva do senhor Luiz Inácio Lula da Silva, motivo pelo qual a força-tarefa da Procuradoria da República em Curitiba vem esclarecer:

1. Houve, no âmbito das 24 fases da operação Lava Jato (desde, portanto, março de 2014), cerca de 117 mandados de condução coercitiva determinados pelo Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba.

2. Apenas nesta última fase e em relação a apenas uma das conduções coercitivas determinadas, a do senhor Luiz Inácio Lula da Silva, houve a manifestação de algumas opiniões contrárias à legalidade e constitucionalidade dessa medida, bem como de sua conveniência e oportunidade.

3. Considerando que em outros 116 mandados de condução coercitiva não houve tal clamor, conclui-se que esses críticos insurgem-se não contra o instituto da condução coercitiva em si, mas sim pela condução coercitiva de um ex-presidente da República.

4. Assim, apesar de todo respeito que o senhor Luiz Inácio Lula da Silva merece, esse respeito é-lhe devido na exata medida do respeito que se deve a qualquer outro cidadão brasileiro, pois hoje não é ele titular de nenhuma prerrogativa que o torne imune a ser investigado na operação Lava Jato.

5. No que tange à suposta crítica doutrinária, o instituto da condução coercitiva baseia-se na lei processual penal (cf. Código de Processo Penal, arts. 218, 201, 260 e 278 respectivamente e especialmente o poder geral de cautela do magistrado) e sua prática tem sido endossada pelos tribunais pátrios.

6. Nesse sentido, a própria Suprema Corte brasileira já reconheceu a regularidade da condução coercitiva em investigações policiais (HC 107644) e tem entendido que é obrigatório o comparecimento de testemunhas e investigados perante Comissões Parlamentares de Inquérito, uma vez garantido o seu direito ao silêncio (HC 96.981).

7. Trata-se de medida cautelar muito menos gravosa que a prisão temporária e visa atender diversas finalidades úteis para a investigação, como garantir a segurança do investigado e da sociedade, evitar a dissipação de provas ou o tumulto na sua colheita, além de propiciar uma oportunidade segura para um possível depoimento, dentre outras.

8. Superadas essas questões, há que se afirmar a necessidade e conveniência da medida.

9. É notório que, desde o início deste ano, houve incremento na polarização política que vive o país, com indicativos de que grupos organizados, com tendências políticas diversas, articulavam manifestações em favor de seu viés ideológico, especialmente se alguma medida jurídica fosse tomada contra o senhor Luiz Inácio Lula da Silva.

10. Esse fato tornou-se evidente durante o episódio da intimação do senhor Luiz Inácio Lula da Silva para ser ouvido pelo Ministério Público de São Paulo em investigação sobre desvios ocorridos na Bancoop.

11. Após ser intimado e ter tentado diversas medidas para protelar esse depoimento, incluindo inclusive um habeas corpus perante o TJSP, o senhor Luiz Inácio Lula da Silva manifestou sua recusa em comparecer.

12. Nesse mesmo HC, o senhor Luiz Inácio Lula da Silva informa que o agendamento da oitiva do ex-presidente poderia gerar um "grande risco de manifestações e confrontos".

13. Assim, para a segurança pública, para a segurança das próprias equipes de agentes públicos e, especialmente, para a segurança do próprio senhor Luiz Inácio Lula da Silva, além da necessidade de serem realizadas as oitivas simultaneamente, a fim de evitar a coordenação de versões, é que foi determinada sua condução coercitiva.

14. Nesse sentir, apesar de lamentarmos os incidentes ocorridos, poucos, felizmente, mas que, por si só, confirmam a necessidade da cautela, há que se consignar o sucesso da 24ª fase, não só pela quantidade de documentos apreendidos, mas também por, em menos de cinco horas, realizar com a segurança possível todos os seus objetivos.

15. Por fim, tal discussão nada mais é que uma cortina de fumaça sobre os fatos investigados.

16. É preciso, isto sim, que sejam investigados os fatos indicativos de enriquecimento do senhor Luiz Inácio Lula da Silva, por despesas pessoais e vantagens patrimoniais de grande vulto pagas pelas mesmas empreiteiras que foram beneficiadas com o esquema de formação de cartel e corrupção na Petrobras, durante os governos presididos por ele e por seu partido, conforme provas exaustivamente indicadas na representação do Ministério Público Federal.

17. O Ministério Público Federal reafirma seu compromisso com a democracia e com a República, princípios orientadores de sua atuação institucional.

Lava-Jato desmente versão de Lula sobre tríplex

• Ministério Público diz que explicação ‘não corresponde à realidade’

Dilma vai a São Paulo para demonstrar solidariedade ao ex-presidente; Moro defende condução coercitiva, alegando que medida não é antecipação de culpa, e repudia incitação à violência

A força-tarefa da Lava-Jato, em documento da 24ª fase da operação, diz que a explicação do ex-presidente Lula ao negar a propriedade do tríplex em Guarujá “não corresponde à realidade”. Segundo o Ministério Público, a OAS informou que todos os apartamentos do prédio estão vendidos desde agosto de 2011, relata Cleide Carvalho. Assim, a alegação de que Marisa Letícia, mulher de Lula, seria dona de uma cota do empreendimento, sem ter adquirido uma unidade, “não faz sentido”. Ontem, a presidente Dilma foi a São Paulo visitar Lula. O juiz Sérgio Moro disse que a condução coercitiva não significa antecipação de culpa e visou a preservar a ordem pública.

Versão insustentável

• Força-tarefa da Lava-Jato diz que justificativa de Lula para tríplex ‘não corresponde à realidade’

Stella Borges - O Globo

O Ministério Público Federal (MPF) encontrou novos indícios de que o tríplex no edifício Solaris, no Guarujá (SP), era destinado à família do ex-presidente Lula, suspeito de ocultação de patrimônio e lavagem de dinheiro desviado do esquema de corrupção na Petrobras. Em janeiro, em nota, o Instituto Lula admitiu pela primeira vez que o ex-presidente esteve no tríplex 164-A, com o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, e informou que o petista e sua mulher, Marisa Letícia, apenas visitaram “uma unidade disponível para venda no condomínio”. No documento em que pedem a realização de buscas e apreensões para a investigação de Lula, os procuradores afirmam que, segundo documento da própria construtora, há mais de quatro anos não há unidade sem proprietário no condomínio.

Segundo o MPF, em petição enviada em 29 de agosto de 2011 ao Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo, a OAS “expressamente” informou que, das 112 unidades do Solaris, 111 haviam sido sido vendidas a ex-cooperados da Bancoop (cooperativa do Sindicato dos Bancários que se tornou insolvente) e uma unidade para novo adquirente.

Apesar de a construtora ter informado sobre a venda de todas as unidades, no cartório de registro de imóveis o tríplex segue em nome da OAS, o que reforça a suspeita dos procuradores de ocultação de patrimônio — outras unidades mantidas em nome da empreiteira no Solaris também são investigadas.

Instituto Lula nega compra de imóvel
O documento do MPF diz ainda que, em nota publicada em 14 de agosto de 2015, o Instituto Lula informara, em resposta a uma reportagem do GLOBO, que Marisa era titular de uma cota do empreendimento e que o casal não havia decidido se compraria um imóvel ou pediria ressarcimento.

“O posicionamento de Lula para negar a propriedade do apartamento 164-A no condomínio Solaris, invocando inclusive suposta cota de Marisa Letícia no empreendimento, não corresponde à realidade”, conclui o Ministério Público.

O Instituto Lula informou que desconhece o documento e reafirma o conteúdo da nota anterior: “A família cogitou comprar, não comprou, a escritura não foi transferida, não frequentaram, não é deles”, informou.

Os procuradores lembram que a opção entre desistir do imóvel ou acatar novas condições contratuais da OAS foi ofertada aos cooperados em 2009, com prazo de 30 dias para a escolha. A OAS moveu ações judiciais contra os que não respeitaram os prazos. Várias ainda tramitam no Judiciário.

O Ministério Público de São Paulo também investiga se o ex-presidente ocultou a posse do tríplex. No fim de fevereiro, os advogados de Lula entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido de suspensão das duas investigações em curso — no Ministério Público Federal e no Ministério Público do Estado de São Paulo sobre o tríplex do Guarujá e o sítio Santa Bárbara, em Atibaia. Eles argumentam que a legislação impede duplicidade de investigações sobre um mesmo objeto e pedem que o Supremo decida quem deve fazer as apurações.

Para a Lava-Jato, o tríplex e as reformas de R$ 1 milhão feitas nele podem ter sido uma forma de pagamento de vantagem indevida a Lula pela OAS, uma das construtoras que participaram do cartel da Petrobras. Entre 2007 e 2012, a OAS fechou mais de R$ 7 bilhões em contratos com a estatal.

“Há indícios de que, como constatado em relação a outros agentes públicos e políticos já denunciados no âmbito da denominada Operação Lava-Jato, empreiteira participante do cartel defraudador de licitações da Petrobras, OAS, entregou vantagem indevida por meio de manutenção dissimulada de propriedade e de pagamento de reforma de imóvel”, diz o documento.

Depoimentos de funcionários da OAS e do Solaris, segundo o MPF, mostram que a família de Lula acompanhou a reforma e esteve no prédio mais de uma vez. Letícia Eduarda Rosa, que trabalha na portaria do edifício, disse que viu Lula no prédio no começo da reforma do apartamento, no fim de 2013: “Ele entrou, subiu até o apartamento 164 A e foi embora”. Lula havia admitido ter visitado o apartamento em 2014.

O engenheiro Igor Pontes, da OAS, disse que foi informado no fim de janeiro de 2014 que era necessário limpar e pintar o apartamento 164-A, devido a visita de um “potencial comprador”. O serviço foi feito e, depois, Lula e Marisa teriam visitado o imóvel com o então presidente da construtora, Léo Pinheiro. Pontes disse que, em agosto de 2014, Marisa e seu filho Fábio Luís foram ao apartamento e que, segundo Roberto Moreira, diretor da OAS, “o intuito seria acompanhar a execução da obra”.

Pontes afirmou que “é possível concluir que as reformas dizem respeito a possíveis ajustes comerciais entre OAS e ex-presidente Lula".

Rosivane Cândido, ex-funcionária da empresa que reformou o tríplex, disse ter presenciado reunião de Marisa, um filho de Lula e executivos da OAS “para apresentar as modificações executadas e em execução do apartamento”.

Quatro diretores da OAS disseram que a empresa não vendia imóveis com armários de cozinha e dormitórios personalizados e eletrodomésticos. Segundo eles, serviços de adaptação de plantas, como os que ocorreram no tríplex, só eram feitos após a compra das unidades habitacionais por clientes.

Corrêa acusa ex-presidente de saber de desvios

• Ex-deputado detalha que mensalão era embrião da corrupção na estatal

- O Globo

- SÃO PAULO - O ex-deputado federal Pedro Corrêa, ex-presidente do Partido Progressista (PP) condenado e preso no mensalão e na Operação Lava-Jato, contou durante negociação de delação premiada que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabia do esquema na Petrobras e da função exercida pelo ex-diretor da estatal Paulo Roberto Costa. A informação está em reportagem da revista “Época” desta semana. Segundo a reportagem, a delação deve ser assinada nos próximos dias.

De acordo com a “Época”, Corrêa afirma que o embrião do esquema de corrupção na Petrobras foi o mensalão. E acrescenta que, desde 2004, “o petrolão financiava o mensalão”. Os investigadores que conversaram com a revista contam que os relatos dele são detalhados. Eles ponderam, no entanto, que Corrêa não apresenta provas, como extratos bancários.

Corrêa foi condenado no mensalão a sete anos e dois meses por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Na Lava-Jato, foi condenado a 20 anos e sete meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro.

À revista, a assessoria de Lula disse que “não comenta supostas delações e repudia o jornalismo feito por vazamentos ilegais”. A defesa de Corrêa não comentou.

Delatores apontam tesoureiro
Segundo as investigações, o tesoureiro das campanhas do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff, José de Filippi Junior, recebeu propina em espécie até maio de 2014, quando a Lava-Jato já estava em curso em Curitiba. A primeira fase começou em março daquele ano.

Planilha entregue pelos delatores Ricardo Pessoa e Walmir Pinheiro, da UTC, que acusam Filippi de receber vantagens vinculadas a contratos da Petrobras, mostra que o petista teria recebido propina em abril e maio de 2014. Segundo eles, Filippi recebeu R$ 2,4 milhões em 2006 para a campanha presidencial e R$ 750 mil entre 2010 e 2014 de propina de contratos com a Petrobras. Filippi foi um dos dirigentes do Instituto Lula em 2011 e, de acordo com o MPF, recebeu propina enquanto ocupava o posto. Foi uma das 11 pessoas levadas a depor pela Polícia federal anteontem.

José de Filippi Junior não foi localizado pelo GLOBO. Em 2015, quando seu nome surgiu pela primeira vez na Lava-Jato, ele negou as acusações e afirmou que as doações foram legais e registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Odebrecht foi a que mais doou a instituto e pagou por palestras

• Empresa de Lula recebeu 47% dos seus recursos de investigadas na Lava-Jato

Cleide Carvalho - O Globo

- SÃO PAULO- A Odebrecht foi a empresa que mais contribuiu com doações ao Instituto Lula e pagou por palestras do expresidente entre 2011 e 2014. No total, foram R$ 7,678 milhões, dos quais R$ 4,6 milhões foram destinados ao instituto e R$ 3,013 para pagamentos à LILS Palestras e Eventos, a empresa do ex-presidente. Na sequência estão Camargo Corrêa, com R$ 6,757 milhões; Andrade Gutierrez, com R$ 4,934 milhões; Queiroz Galvão ( R$ 4,216 milhões) e OAS (R$ 3,917 milhões). Todas são investigadas pela Lava-Jato.

Enquanto a Odebrecht foi a que mais pagou por palestras de Lula, a Camargo Corrêa encabeça a lista dos doadores ao Instituto Lula, com R$ 4,750 milhões no período. Segundo documento do Ministério Público Federal, a LILS Palestras faturou R$ 21,080 milhões entre 2011 e 2014. Deste total, 47% foram pagos por empreiteiras investigadas na Lava-Jato — incluindo a UTC, cujo dono, Ricardo Pessoa, é um dos delatores do esquema de corrupção na estatal.

Os procuradores afirmam que Lula recebeu 36% do lucro distribuído pela LILS durante os quatro anos de atividade da empresa. A maior retirada foi feita em 2014, no valor de R$ 5,67 milhões. Paulo Okamotto, presidente do instituto, é sócio minoritário da empresa e sua retirada em 2014 foi de R$ 333 mil.

O Instituto Lula informou que as palestras feitas pelo ex-presidente foram realizadas e que foram emitidas notas fiscais. Acrescentou que pagou os impostos de acordo com a legislação do país e que não há nenhuma ilegalidade no recebimento pelas palestras. O MPF já notificou as empresas que contrataram palestras do ex-presidente a apresentarem comprovantes de realização dos eventos.


Oposição mira em Dilma para evitar 'vitimização' de Lula

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A ação da Lava Jato sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou a oposição receosa. Nos bastidores, líderes dos principais partidos adversários do governo federal e do PT admitem que a condução coercitiva do ex-presidente e a intensa cobertura da nova fase da investigação abriram uma "brecha" para que o petista se apresente como vítima.

Na tentativa de não alimentar esse movimento, a oposição acordou que, a partir da semana que vem, vai centrar o foco da atuação política no impeachment da presidente Dilma Rousseff e na ofensiva contra a sua reeleição, travada no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Esse script prevê ainda que, para perguntas sobre Lula, a resposta será uma só: é um assunto a ser tratado pela polícia e a Justiça.

Durante toda a última sexta-feira (4), quando a Lava Jato colocou a Operação Aletheia nas ruas, os principais nomes da oposição trocaram telefonemas e fizeram reuniões para debater a melhor forma de reagir à ação, considerada o momento mais delicado desde o início da crise.

Já naquela manhã, havia dúvidas sobre o modo como a ação sobre Lula seria vista pela população. Em privado, tucanos e integrantes do DEM confessaram que a condução coercitiva efetuada contra o ex-presidente –levado a depor na delegacia da PF do aeroporto de Congonhas, zona sul de São Paulo–, deu munição para o discurso de que ele é vítima de um golpe.

A confirmação de que esse viés seria explorado veio em seguida, quando o petista disse que havia se sentido como um prisioneiro e emocionou-se ao falar sobre o episódio. O PSDB avalia que, nesse cenário, qualquer sintoma de agitação social pode fortalecer a tese de que o movimento contra Lula criou um clima de conflagração social.

A ordem, portanto, é expressar apoio incondicional às instituições e à Justiça, mas não entrar no "jogo" proposto pelo ex-presidente.

Em outra frente, já nesta segunda-feira (6), a oposição inicia obstrução dos trabalhos na Câmara como forma de pressionar o impeachment e pede ao TSE que incorpore à ação que investiga ilegalidades na reeleição de Dilma os termos da delação premiada negociada pelo senador Delcídio do Amaral (PT-MS), ex-líder do governo.

"Não vamos comemorar [a ação da PF contra Lula], não vamos tripudiar, vamos aguardar as investigações. E cuidar aqui do que é a política, que é a Dilma. Vamos mostrar que com ela não dá mais", disse o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Discurso semelhante foi feito por Agripino Maia, presidente do DEM. "A questão do Lula não é um assunto político, é policial. Temos que nos concentrar na homologação da delação de Delcídio. Isso pode trazer forças novas à articulação do impeachment", avaliou.

PMDB
A cautela com Lula também é palavra de ordem no PMDB, partido comandado pelo vice-presidente da república, Michel Temer (SP), principal beneficiário de uma eventual queda de Dilma.

A cúpula da sigla acordou evitar polêmica sobre o assunto e suas implicações para Dilma pelo menos até o próximo dia 12, quando ocorrerá a convenção nacional da legenda e Temer será reeleito presidente da sigla.

A recondução de Temer se dará na véspera das próximas manifestações nacionais pelo impeachment, marcadas para o dia 13.

Os atos são aguardados com grande expectativa pela ala do PMDB que é a favor do impeachment de Dilma. Esse grupo avalia que, se houver grande adesão aos protestos, no dia 15, o governo Dilma estará acabado.

Especialistas: futuro do governo e do petismo está em xeque

• Acusações contra Lula e Dilma podem fortalecer protestos no país

Marco Grillo e Marlen Couto - O Globo

O impacto a longo prazo das acusações que pairam sobre o ex-presidente Lula na Operação Lava-Jato ainda é incerto, mas historiadores e cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO consideram que, por enquanto, é possível dizer que a imagem do principal líder do PT foi abalada. As revelações apontadas pelo senador Delcídio Amaral (PT-MS), que também afetam a presidente Dilma Rousseff, associadas à condução coercitiva de Lula à Polícia Federal, podem inflar movimentos que pedem a saída da presidente. Uma manifestação pró- impeachment está prevista para o próximo domingo. Ao mesmo tempo, a militância petista promete reagir, também nas ruas, ao que chama de tentativa de golpe.

A visão de José Álvaro Moisés, cientista político da USP:

‘É preciso evitar violência e confronto’
“Em primeiro lugar, é preciso saber se a delação do senador Delcídio Amaral vai ser homologada pelo STF. Existem acusações muito graves contra o ex-presidente Lula e a presidente Dilma.Isso colocaria o impeachment de novo na ordem do dia e poderia provocar consequências mais graves para o ex-presidente. Uma outra possibilidade é o ex-presidente Lula usar o seu prestígio. O fato de ter sido levado a depor por condução coercitiva faz com que ele se apresente como vítima, o que tem repercussão grande entre apoiadores. Pode ser que isso abra espaço para uma recomposição da sua imagem e o da imagem do PT. O PT passa por um momento de debilidade, e o governo está muito desorganizado. Se o PT encontra a bandeira da vitimização, por causa, eventualmente, de algum elemento interpretado como persecutório, vai usar essa retórica.Sem dúvida, são elementos que vão inflar a manifestação do dia 13, convocada pela oposição. Acho que deveríamos fazer no país inteiro um grande esforço para que isso não se reflita em confrontos e violência”.

A visão de Daniel Aarão Reis, professor de História da UFF:

‘Lula poderá aparecer como vítima’
“Ainda é cedo para conclusões definitivas sobre a extensão — e a profundidade — dos abalos sofridos pela imagem do ex- presidente Lula, em virtude dos últimos acontecimentos. É verdade que as pesquisas de opinião pública têm revelado um crescimento do repúdio à corrupção. Mas não é menos verdade que a grande maioria da população considera que a corrupção é endêmica e impregna todos os poros do regime político. Por outro lado, a memória dos governos Lula ( 2003- 2010) é de prosperidade, paz social e euforia nacional. Não gratuitamente, apesar do desgaste, ele consegue ainda um patamar de 30% a 35% de intenções de voto numa eventual disputa presidencial. Um outro aspecto deve ser considerado nessa discussão: se nenhuma acusação for provada contra Lula, ele poderá aparecer como vítima, fazendo com que as acusações tenham um efeito bumerangue, voltando- se contra os acusadores. Em resumo, eu diria que a era Lula ainda não acabou, mas está, sem dúvida, corroída.

A visão de Felipe Borba, cientista político da Unirio

‘A política vai ficar mais violenta’
“É um caminho sem volta. A política vai se tornar cada vez mais violenta, porque deixou de ser uma disputa de ideias, de políticas públicas, para ser política de destruição de adversário. Achei um excesso essa condução coercitiva, porque o Lula não havia se recusado a depor. Isso acaba acirrando os ânimos, porque quem gosta e vota no Lula considera uma ação desse tipo fora de propósito. Parece que os movimentos de esquerda não vão ficar tão acomodados. A tendência é que comecem a organizar manifestações de apoio ao Lula e de críticas à Operação Lava-Jato. Isso vai acirrar o outro lado também. A manifestação do dia 13, convocada pela oposição, tem tudo para ser, senão a maior, ter a mesma dimensão da primeira passeata. Tem tudo para incendiar o país, e a política pode tomar um caminho que a gente não via há algumas décadas. O Lula sabe que tem que brigar. Ele foi convidado para o centro do ringue, não tem como fugir. Acredito que a esquerda, de um modo geral, não sei se vai comprar a briga, mas vai se solidarizar com o Lula”.

A visão de Carlos Pereira, cientista político da FGV-Ri

‘Consequências devastadoras para Lula’
“A primeira reação é o fortalecimento da democracia brasileira. Um mandado de condução coercitiva para um ex-presidente da República, no momento em que seu partido político ainda está no poder, mostra o grau grande de maturidade da democracia brasileira. As consequências são devastadoras para o legado de Lula. Temo que ele será lembrado como um presidente que gerou inclusão, mas também por um escândalo bilionário de corrupção. Naturalmente, Dilma sofre ainda mais, em um governo fragilizado. É um tsunami político, com consequências desastrosas para a história do Lula, do PT e para o governo Dilma. Os últimos acontecimentos relançam a agenda do impeachment. Imagino que as manifestações vão pipocar e pressionar deputados que estavam receosos em votar a favor do impeachment. Não acredito que os protestos pró-Lula serão robustos, porque há indícios graves do seu envolvimento nesse escândalo. O cidadão comum, que votou no PT nas eleições, não vai arcar com o custo político de ir para a rua”.

‘Ou a política une o País ou tudo vai piorar’, diz Milton Lahueta

Sonia Racy - O Estado de S. Paulo (5.3.2016)

A sequência de fatos graves na política e na economia do Brasil, nos últimos tempos, não deixa dúvidas para Milton Lahuerta: “Não tivemos nada equivalente nas últimas décadas”. Segundo o professor de Teoria Política da Unesp, “estamos no começo do ano e a sensação já é de agonia”.

Por quê? “Não vemos ninguém, dos dois lados do atual conflito, pensando na grande política, em negociar um projeto nacional que todos aceitem, para que o País saia da crise e avance”. Sua conclusão: “Ou as lideranças aceitam conversar ou tudo vai piorar”.

Os recentes episódios da Lava Jato envolvendo o senador Delcídio Amaral e Lula agravaram o clima político. Como vê o problema?

Não tivemos no Brasil, nas últimas décadas, nada equivalente ao que vemos hoje. A gravidade do quadro é estrondosa. É um processo que vem dos anos 80, com a deslegitimação da política e a desqualificação da vida pública e que agora envolve personagens decisivos, como Dilma e Lula, em meio ao aprofundamento da crise econômica.

As provocações desta sexta-feira, entre grupos pró e contra Lula pode evoluir para algo sério, tipo 1964?

É uma polarização grande, mas desta vez não há nenhum golpe à vista e o Estado de Direito está bem defendido – mesmo que o Judiciário, aqui e ali, possa ter cometido alguns equívocos. O risco é que de um lado o desencanto – mas não o abandono – do PT, e do outro a certeza de que dá para consertar o País sem ele, podem aprofundar esse abismo. Em tempo de redes sociais, esse radicalismo tende a se agravar.

Qual a dimensão que vê nessa rivalidade? Ela é insolúvel?

O acirramento só acaba quando acabarem as suas causas. Mas não vemos ninguém pensando em criar um novo eixo de diálogo. Assim como é falha a tese petista do “complô das elites”, destroçada pela dinâmica dos fatos, também são equivocadas as teses do tipo “destruir o PT” e assemelhadas. O fato é que as lideranças políticas deviam ter tido, e não tiveram, capacidade, maturidade e seriedade para acertar objetivos comuns e definir um caminho para o País.

Que papel imagina para Lula daqui por diante?

Imaginemos: vão prender o Lula. E depois, o que acontece? Qual o eixo que vai orientar a criação de caminhos que pacifiquem a sociedade? Não se pode ignorar o que acontece por baixo. Há camadas subalternas que se identificam com o líder petista e tendem a defendê-lo ao ver a polícia entrar em sua casa.

Entende que há nisso uma falha da Justiça?

Não temos nada contra a apuração de ilícitos, mas acho, sim, que há aí um processo seletivo. Não faltam outros episódios que mereceriam investigação e são deixados de lado, como alguns já conhecidos em São Paulo. Pelo que percebo dos dois lados, neste Estado, vamos ter um ano complicado. Do modo como estão as coisas, dependendo só da lógica da Justiça, não sei se as instituições chegam intactas ao fim do ano. / Gabriel Manzano

Alexandre, Napoleão e os nossos nós - Luiz Werneck Vianna

- O Estado de S. Paulo

Passam-se os dias e não se afrouxa o nó que nos ata a essa crise sem fim. O juiz Sergio Moro e a equipe de procuradores à frente da Operação Lava Jato, por mais que se esforcem, estão limitados à tarefa de explicar como foi possível a criação da trama macabra que nos enleia. Não têm, é claro, os poderes de Alexandre, o grande general e estadista, que, diante de um nó igualmente insolúvel que o desafiava, sacou da sua espada e o cortou num só golpe. Nem ele e menos ainda, como se vê, a alta hierarquia das corporações jurídicas. Pior, pouco se pode esperar dos políticos, boa parte preocupada em salvar o próprio pescoço, e da ocupação das ruas, uma vez que os nossos jovens, como há pouco testemunhamos, optaram por ir a elas em animados blocos de carnaval em número nunca visto anteriormente.

Estamos, então, ao deus-dará, como sempre com os olhos fitos no céu esperando por uma solução providencial, acostumados a confiar mais na fortuna, que, na verdade, nos tem sorrido com nossa história de revoluções passivas que, para o mal ou para o bem, nos têm evitado rupturas traumáticas nos momentos de mudanças, como este que agora vivemos. Não à toa, aqui não vingam os princípios de Napoleão, que diante das incertezas em batalhas cruciais optava por se lançar ao combate, uma vez que a Fortuna é mulher e, como tal, na sentença famosa de Maquiavel, de quem era fiel leitor, daria preferência aos homens audazes.

A nossa cultura política, ao contrário, tem horror ao incerto e ao risco, e se lhe é dada a opção no caso de conflitos severos, busca equilibrar os antagonismos em lugar de extremá-los – os registros históricos são abundantes, incluindo o processo de transição que nos trouxe recentemente de volta à democracia. Já em 1855 Justiniano José da Rocha, em Ação, Reação, Transação, fazia o elogio da política da conciliação que pôs fim às turbulências políticas do período da Regência, estabelecendo as bases para a pacificação política e a prosperidade que tomou curso no 2.º Reinado. A obra de Justiniano consistirá num marco nem sempre reconhecido da política de transformismo que a República, de Vargas a Lula, vai adotar do Império.

A crise atual, para além das dimensões políticas, econômicas e ético-morais envolvidas, é também, talvez sobretudo, uma crise dessa modelagem atávica de equilibrar antagonismos pela ação do Estado, levando-os, sob sua arbitragem moderadora, a uma solução de compromisso entre eles. A abertura da esfera pública à esfera privada, confiando-se a esta a realização de fins políticos de política interna e externa em nome da perseguição dos objetivos estratégicos de levar o País ao status de potência no concerto internacional, teve como resultado o abastardamento do Estado, de muitas de suas agências, como a Petrobrás, referência programática da esquerda há décadas, e de partidos políticos, principalmente os da base aliada governamental.

Mais que isso, ampliou-se o Estado no sentido de trazer para o seu interior os movimentos sociais, concedendo-lhes interlocução direta com suas agências a fim de negociarem suas demandas e seus interesses, radicalizando a política de Vargas, que se limitara à incorporação do mundo sindical. Engessada nesse abraço amigável, a sociedade abandonou-se ao pretenso tirocínio dos seus governantes, abdicando da auto-organização e da política. Espanha, Grécia, com sua emergente nova política, se animam os sonhadores, estão bem longe do alcance das nossas mãos. Os partidos estão em frangalhos, e até onde a vista alcança não há feliz novidade nesse front.

O fim de linha dessa política, sitiada num flanco pela derruição contínua dos alicerces que sustentavam sua economia, inclusive pelas novas circunstâncias da economia-mundo, e noutro pela Operação Lava Jato, que põe a nu os mecanismos perversos a partir dos quais se instalou, não parece que encontrará, pela disposição e pelas motivações das peças no tabuleiro político, um destino diverso do nosso repertório tradicional. É verdade que a recente Operação Acarajé apimenta esse quadro, mas a espada de Alexandre cabe nas mãos de juízes a julgarem a frio, sem o clamor das ruas e da maioria parlamentar? A quente, com muita pimenta, até pode ser.

Mas sempre há espaço para a política, mesmo em terrenos inférteis para ela, e já está aí a tendência a animar elementos característicos de uma dualidade de poder, sinal historicamente comprovado de situações de mudanças políticas: de um lado, o Palácio do Planalto, de outro, o Instituto Lula, ambos constrangidos a obedecer a lógicas distintas.

O Palácio do Planalto orienta-se crucialmente pela preservação do mandato presidencial até o seu término, daqui a longos três anos. Para tanto precisa governar e tomar decisões difíceis em matérias sistêmicas e de política social, pressionado como se encontra por gregos e troianos para abrir caminho à retomada do crescimento econômico. Por sua vez, o Instituto Lula, bunker das lideranças do PT, escorado em centrais sindicais poderosas, não apenas petistas, resiste a políticas de ajuste fiscal e de reformas da legislação trabalhista e previdenciária, mantendo seu foco na sucessão presidencial de 2018.

Antenas sensíveis já captaram o silencioso movimento das coisas, como as de Ana Maria Machado, que dias atrás publicou um artigo em elogio à negociação, mesma orientação política, aliás, a que o PMDB, na fala do seu presidente Michel Temer em horário eleitoral, conferiu alta voltagem. Para além do Palácio do Planalto e do Instituto Lula, há um tertius, a oposição e os muitos descontentes, que não estão surdos, muito pelo contrário, a essa movimentação. Napoleão Bonaparte, ao que parece, não teria o que fazer aqui, mas nós temos, e a crise atual é a nossa oportunidade para um recomeço com o que sobrar das ruínas que ficarem de pé.
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Luiz Werneck Vianna sociólogo, PUC-Rio

Cartas na mesa - Fernando Henrique Cardoso

- O Estado de S. Paulo

É preciso abrir o jogo: não se trata só de Dilma ou do PT, mas da exaustão do atual arranjo político brasileiro. E mais: o que idealizamos na Constituição de 1988, cujo valor é indiscutível, era construir uma democracia plena e um país decente, com acesso generalizado à educação pública, saúde gratuita e previdência social. Mais ainda, acesso à terra para os que nela precisassem trabalhar, bem como assistência social para os que dela necessitassem. A execução desse programa encontra dificuldades crescentes porque a estrutura estatal é burocratizada e corporativista. E também porque a sociedade não quer e não pode pagar cada vez mais tributos quando os gastos não param de se expandir.

Era inevitável que nos encontrássemos nesta situação? Não. Contudo, para evitar a crise do sistema de partidos e da relação Executivo-Legislativo, teriam sido necessários, no mínimo, os contrapesos da “lei de barreira” e da proibição de alianças partidárias nas eleições proporcionais, restrição aos gastos de campanha e regras mais severas para seu financiamento.

Mas não é só. A má condução da política econômica tornou impossível ao governo petista seguir oferecendo os benefícios sociais propostos, senão pagando o preço da falência do Tesouro. Não me refiro às bolsas, que vêm do governo Itamar, foram ampliadas em meu governo e consolidadas nos governos petistas: elas são grãos de areia quando comparadas com as “bolsas empresário” oferecidas pelos bancos públicos com recursos do Tesouro. Sem mencionar o grau inédito de corrupção, azeite que amaciou as relações entre governos, partidos e empresas e deu no que deu: desmoralização e desesperança. Oxalá continue a dar cadeia também.

Diante disso, como manter a ilusão de que as instituições estão funcionando? Algumas corporações do Estado, sim, se robusteceram: partes do Ministério Público e da Polícia Federal, segmentos do Judiciário, as Forças Armadas e partes significativas da burocracia pública, como no Itamaraty, na Receita e em algum ministério, ou no Banco Central. Entretanto, no conjunto, o Estado entrou em paralisia, não só o Executivo, como também a burocracia e o Congresso. Este pelas causas acima aludidas, cuja consequência mais visível é a fragmentação dos partidos e a quase impossibilidade de se constituírem maiorias para enfrentar as dificuldades que estão levando ao desmonte do sistema político.

Nada disso aconteceu de repente. Repito o que disse em outras oportunidades: na viagem que a presidente Dilma fez em 2013 para prestar homenagens fúnebres a Mandela, acompanhada por todos os ex-presidentes, eu mesmo lhes disse: o sistema político acabou; nossos partidos não podem ou não querem mudar; busquemos os mínimos denominadores comuns para sair do impasse, pois somos todos responsáveis por ele. Apenas o presidente Sarney se mostrou sensível às minhas palavras.

Agora é tarde. Estamos em situação que se aproxima à da Quarta República Francesa, cujo fim coincidiu com os desajustes das guerras coloniais, tentativas de golpe e, finalmente, a solução gaullista. Aqui as Forças Armadas, como é certo, são garantes da ordem, e não atores políticos. É hora, portanto, de líderes, de pessoas desassombradas dizerem a verdade: não sairemos da encalacrada sem um esforço coletivo e uma mudança nas regras do jogo. A questão não é só econômica. Sobre as medidas econômicas, à parte os aloprados de sempre, vai-se formando uma convergência, basta ler nos jornais o que dizem os economistas.

Mesmo temas sensíveis, nos quais ousei tocar quando exercia a Presidência e que caro me custaram em matéria de popularidade, voltam à baila: no âmbito trabalhista, como disse o novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Gandra Martins, citando como exemplo o Programa de Proteção ao Emprego, comecemos por aceitar que o acordado entre os sindicatos prevaleça sobre o legislado, desde que respeitadas as garantias fundamentais asseguradas aos trabalhadores pela CLT. Enfrentemos o déficit previdenciário, definindo uma idade mínima para a aposentadoria que se efetive progressivamente, digamos, em dez anos. Aspiremos, com audácia, a que um novo governo, formado dentro das regras constitucionais, leve o Congresso a aprovar algumas medidas básicas que limitem o endividamento federal, compatibilizem o gasto público com o crescimento do PIB e das receitas e melhorem o sistema tributário, em especial em relação ao ICMS.

Dentre as medidas fundamentais a serem aprovadas, a principal é, obviamente, a reformulação da legislação partidário-eleitoral. O nó é político: eleições com a legislação atual resultarão na repetição do mesmo despautério no Legislativo. Há que mudar logo a lei dos partidos, restringindo a expansão de seu número e alterando as regras de financiamento eleitoral, para evitar a corrupção. Por boas que tenham sido as intenções da proibição de contribuição de empresas aos partidos, teria sido melhor limitar a contribuição de cada conglomerado econômico a, digamos, x milhões de reais, obrigando as empresas a doar apenas ao partido que escolherem, e por intermédio do Tribunal Superior Eleitoral, que controlaria os gastos das campanhas. A proibição pura e simples pode levar, como ocorreu em outros países, a que o dinheiro ilícito, de caixa 2 ou do crime organizado, destrua de vez o sistema representativo.

Ideias não faltam. Mas é preciso mudar a cultura, o que é lento, e reformar já as instituições. É tempo para que se verifique a viabilidade, como proposto pela Ordem dos Advogados do Brasil e por vários parlamentares, de instituir um regime semiparlamentarista, com uma Presidência forte e equilibradora, mas não gerencial.

Só nas crises se fazem grandes mudanças. Estamos em uma. Mãos à obra.

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Fernando Henrique Cardoso é sociólogo, foi presidente da República

Acima da lei – Ferreira Gullar

- Folha de S. Paulo

Peço que o leitor me desculpe por voltar a falar de Luiz Inácio Lula da Silva, mas é que, nos últimos meses, ele se tornou um dos centros da problemática política que envolve a atuação do PT no governo do país.

No que se refere particularmente ao ex-presidente, as investigações levadas a efeito pela Operação Lava Jato terminaram por revelar ligações suas com empresários envolvidos no escândalo da Petrobras, de que também teria se beneficiado. Os dois fatos até agora mais evidentes disso são a suposta compra de um apartamento tríplex, em Guarujá, e de um sítio, em Atibaia.

Até bem pouco, quase ninguém sabia dessas supostas propriedades de Lula. Só depois que a imprensa noticiou o fato ele passou a falar no assunto. Primeiro, foi o caso do apartamento tríplex, a respeito do qual afirmou ter adquirido apenas uma cota em 2005. Não obstante, a imprensa voltou a revelar que sua mulher, dona Marisa, havia visitado, muito depois, o referido tríplex, em companhia do presidente da OAS.

Após a visita, essa empresa bancou a reforma do apartamento a um custo de quase R$ 800 mil. Lula também visitou o prédio na época em que se instalava ali um elevador privativo para o tríplex. Depois de muitas versões diferentes, ele terminou por admitir que vendera a cota em novembro de 2015, ou seja, poucos meses atrás. Afinal, qual é a versão verdadeira?

Quanto ao sítio, segundo afirma, não lhe pertence, mas desde que deixou a Presidência da República, em 2010, passou a frequentá-lo constantemente juntamente com sua família. Também esse sítio foi reformado e equipado com cozinha e mobília completa, a um custo de R$ 1 milhão. Não obstante, garante que o sítio não lhe pertence, mas a sócios de seu filho, que se revelam de uma generosidade rara. Nunca conheci tanta generosidade, mas também nunca fui presidente do Brasil.

Se eu fosse petista, poderia até acreditar nessa lorota, como, ao que parece, acreditam (ou fingem acreditar) a presidente Dilma Rousseff e seu chefe da Casa Civil, Jaques Wagner. Este afirmou que Lula está sendo vítima de uma "caça a uma liderança nacional, nesse caso, uma caça constante". Para Dilma, trata-se de "uma grande injustiça", tanto mais porque "o país, a América Latina e o mundo precisam de um líder com as características do presidente Lula". Quais são essas características, ela não disse.

Note-se que até então nem ela nem o Wagner tinham vindo a público defender o seu grande líder e, mesmo agora, ao fazê-lo, nenhum dos dois se refere ao tríplex ou ao sítio de Atibaia. Tampouco afirmam explicitamente que Lula é inocente.

E, em meio a tudo isso, o que fez Lula? Sumiu, simplesmente deixou de dar entrevistas, falar sobre o assunto. Era como se não fosse com ele. Em vez disso, manda o Instituto Lula e o presidente do PT responderem às acusações. Mas estes tampouco as discutem, apenas afirmam que ele está sendo vítima de perseguição.

Perseguição da parte de quem? Claro, da Polícia Federal, do Ministério Público, dos órgãos da Justiça e da imprensa, que, como se sabe, num país capitalista, existem para perseguir os que lutam pelos pobres, como a Odebrecht, a Camargo Corrêa, o PT e o Lula.

Não estou entre aqueles que querem, a todo custo, ver o ex-presidente na cadeia. Não obstante, como a Constituição assegura que todos são iguais perante a lei, não se pode aceitar que, por ser um destacado líder político, esteja ele a salvo de qualquer procedimento investigativo que vise defender o interesse público. Por isso mesmo é inaceitável a atitude da cúpula petista, em face de qualquer medida judicial contra ele, pretendendo até mesmo impedir que os fatos sejam apurados.

Ou devemos concluir que a apuração da verdade é contra Lula? Intimado a depor no processo que examina a compra do tríplex, negou-se a ir, o que pegou mal, já que essa seria a oportunidade de ele esclarecer as acusações que lhe fazem.

Você, leitor, certo de sua inocência iria, não iria? Pois é, eu também iria.

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Ferreira Gullar, ensaísta, crítico de arte e poeta

As portas de março - Fernando Gabeira

- O Globo

O sítio Santa Bárbara, em Atibaia, tem um caseiro chamado Maradona e é um autêntico gol de mão, desses que se fazem na esperança de enganar o juiz. O sítio foi reformado, assim como o tríplex de Guarujá, por duas empreiteiras envolvidas no Petrolão: OAS e Odebrecht. É um enigma como o tríplex do Guarujá. Estávamos nos divertindo com os pedalinhos do sítio Santa Bárbara, quando surgiu a delação premiada de Delcídio do Amaral, ex-líder do governo. São revelações tenebrosas de sabotagem da Lava-Jato. Lula pagando à família de Nestor Cerveró para proteger seu amigo Bumlai. Dilma nomeando um ministro do STJ para libertar os empreiteiros.

Tudo isso acontece depois de o PT derrubar um ministro da Justiça e colocar outro com as iniciais WC para tentar conter a lama que chega ao Palácio do Planalto. O que significa controlar a Lava-Jato, nesta altura das investigações? Há uma fila de delatores no pipeline. Novas informações virão à tona, as coisas ficarão mais claras ainda, como se ainda não fossem suficientemente claras. Na sexta, com novo ministro e tudo, a Polícia Federal, cumprindo determinações da Justiça, fez uma devassa no Instituto Lula e nas casas da família. Uma pessoa sensata diria que não é hora de brigar com a polícia e sim discutir coisas mais práticas com ela, como banho de sol, visita íntima.

O filme está acabando, e as revelações de Delcídio mostram uma realidade que já intuíamos: a luta surda contra a Lava-Jato. Diziam que José Eduardo Cardozo caiu porque não controlava a Polícia Federal. Caiu, na verdade, depois de tentar o controle e fracassar. Esse juiz, Marcelo Navarro, que teria sido nomeado para liberar no STJ, já foi denunciado inúmeras vezes no site “O antagonista” como o homem que iria dar os habeas corpus. Bem que ele tentou: perdeu por 4 a 1.

Tentaram controlar o Supremo, a julgar pela delação de Delcídio, e falharam. Tentaram o STJ, perderam de 4 a 1. Fizeram de tudo e se esborracharam. As portas estão se abrindo. A começar pela tarefa urgente de derrubar Eduardo Cunha, transformado em réu pelo Supremo Tribunal Federal.

Cunha é um imenso trambolho no caminho. Se a Câmara não destitui da presidência um réu na Lava Jato, acusado em depoimentos de delatores e com contas na Suíça, então é uma tarefa que os próprios ministros precisam executar. Mas isso pode ser feito rapidamente na Câmara. Basta parar tudo e forçá-lo a sair. A oposição tem o dever de fazer isso e realizar uma nova eleição. Como conviver com a ideia de que um presidente da Câmara é, ao mesmo tempo, réu no maior processo de corrupção do país? É tão grave quanto conviver com um governo que se elegeu usando dinheiro do Petrolão para pagar seu marqueteiro. E tentou de várias maneiras sabotar as investigações da Lava-Jato. Dilma e Cunha estão queimados, há um rastro de fumaça nos poderes da República. Os tribunais, Superior e Eleitoral, são as únicas forças de pé. Têm que dar uma resposta.

O que está se passando no Brasil pode ser visto de muitas formas. Mas é também humilhante viver num país em que dois poderes estão afundados no escândalo. Daí a importância de domingo que vem, dia 13 de março. É o momento em que a sociedade tem chance de mostrar como vê tudo isso. As pesquisas já indicam o sentimento majoritário.

Manifestações são diferentes de cifras: pessoas de carne e osso expressando sua vontade de resolver a crise política. Elas sabem que desatar esse nó traz um alento para o combate em outro front assustador: a economia. Já se fala num cenário de moratória, no qual o Brasil não terá condições de saldar os seus compromissos. Quebradeira. Ainda é um cenário no horizonte. Torna-se mais provável quanto mais demorar a solução da crise política com a saída de Dilma e Cunha.

Dessa maneira vejo o 13 de março. Um dia não apenas para protestar contra Dilma e Cunha, pateticamente agarrados aos seus cargos, enquanto o país afunda. Mas para afirmar que esse é o passo inicial de um longo e áspero caminho para soerguer a economia. O PIB caiu 3,8% em 2015. As perspectivas são piores em 2016. As respostas positivas do mercado ao fim do governo indicam como o colapso dos dois podres poderes será um passo adiante. Entre outras, a vantagem de mudanças impulsionadas pela sociedade é a consciência coletiva da amplitude da crise econômica. Não posso garantir que esse será o caminho vitorioso. Apenas afirmo que as possibilidades de saída são muito maiores quando há sintonia entre um governo respeitável e uma população consciente da gravidade do momento.

Já disse isso de muitas formas. O Brasil está parecendo um pouco com aquele personagem do Castelo do Kafka que esperou anos diante de uma porta, para descobrir que estava aberta.

Quem sabe, domingo que vem?

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Fernando Gabeira é jornalista

Lula, Freud e o futuro da esquerda - José Padilha

- O Globo

‘Se um paciente inteligente rejeita uma sugestão de forma irracional, então a sua lógica imperfeita é evidência da existência de um forte motivo para a sua rejeição.” Sigmund Freud.

Não resta a menor dúvida, para qualquer pessoa minimamente razoável, de que o Partido dos Trabalhadores e seus principais dirigentes — entre eles José Dirceu, Antônio Palocci, João Vaccari e Luiz Inácio Lula da Silva — estruturaram uma organização criminosa com o apoio de outras facções da política brasileira (facção se aplica melhor à nossa realidade do que partido) com o objetivo precípuo de se perpetuar no poder. Para tal, desviaram recursos de empresas estatais, de bancos públicos e de fundos de pensão, se associaram a grupos de empreiteiros mafiosos, utilizaram laranjas, marqueteiros e doleiros em larga escala, fraudaram o processo eleitoral com recursos provenientes de corrupção e fizeram políticas públicas totalmente irresponsáveis, levando o Brasil à bancarrota. Não resta dúvida também, como disse o capitão Nascimento em Tropa de Elite, que “quem rouba para o sistema também rouba para família”. Isto está claro e transparente — como a luz que incide na cobertura 164 A do único edifício pronto no condomínio Solaris.

No entanto, ainda há quem tente negar a realidade revelada no processo do mensalão e nas provas e testemunhos das operações Lava-Jato e Zelotes. O que nos leva de volta a Sigmund Freud: por qual motivo há tanta relutância por parte da esquerda em encarar a realidade que lhes foi exposta ao longo dos últimos anos? A explicação é dupla. No caso da militância profissional, da UNE, da CUT e do MST, se aplica a máxima de Upton Sinclair, famoso escritor americano: “É difícil fazer com que alguém entenda algo quando o seu salário depende do não entendimento deste algo.”

Mas o que dizer dos intelectuais e artistas que não recebem salários por sua “militância”? No caso deles, não se trata de grana, mas de uma questão psicoanalítica. Investiram as suas vidas e reputações em posições pró Lula e pró PT. Agora, não suportam reconhecer o erro que cometeram por uma questão de autoimagem. Freud e sua filha Anna chamaram este fenômeno de negação. Trata-se de uma defesa contra realidades externas que ameaçam o ego. Saber lidar com a negação me parece ser a questão básica para a sobrevivência da esquerda brasileira hoje. Se os pensadores de esquerda não tiverem a grandeza de reconhecer o erro que cometeram com Lula e com o PT, se comprarem a tentativa de Lula e do PT de incendiar o país para criar um ambiente irracional posto na vigência da razão não há saída, a esquerda brasileira vai afundar com eles. Lula e o PT se tornarão os arautos da destruição do pensamento marxista no Brasil.

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José Padilha é cineasta. Escreveu e dirigiu os dois filmes Tropa de Elite

O adversário é a lei - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

Triste do homem público cujo adversário é a lei. Desalento visto com nitidez no semblante do ex-presidente Luiz Inácio da Silva depois do interrogatório de sexta-feira quando, num angustiado esforço para se manter altivo, manifestou-se contra o perfeito funcionamento de instituições do País que presidiu.

Mais tarde, no Sindicato dos Bancários – aquele que deixou a ver navios vazios os bancários que viram suas economias desviadas de uma cooperativa habitacional para o cofre do PT e para o bolso de petistas –, atirou-se ao ato patético de anunciar a candidatura à Presidência em 2018. Ocasião em que tanto poderá estar na batalha para convencer uma população já devidamente informada a colocá-lo de novo no topo de uma cadeia alimentar de corrupção, quanto poderá ser um réu ou um condenado.

Em razão das perspectivas desfavoráveis, Lula da Silva tenta circunscrever suas agruras e embates ao campo da política, quando os dados objetivos transportam seu infortúnio para as alçadas da polícia e da Justiça. Foi-se o tempo em que Lula e o PT podiam brigar na arena e com as regras sob as quais detêm total domínio, a disputa política e, sobretudo, eleitoral.

Não é disso o que se trata no presente. Não está na oposição a raiz dos problemas do ex-presidente, de seu partido e de sua sucessora. Por seus erros e também por seus acertos de conduta, o PSDB nunca se mostrou nem se mostra agora um adversário à altura. A oposição formal perdeu todas quando tentou enfrentar os mestres da manipulação do peso da consciência alheia, da condescendência dos ingênuos, das conveniências dos aproveitadores e da omissão dos covardes.

Agora o tucanato dá sinal de racionalidade ao perceber o lance e se recusar a entrar no jogo da provocação. Enquanto o PT aposta na radicalização nas ruas para tentar intimidar as forças contrárias, o senador Aécio Neves faz um apelo à moderação e ao respeito às investigações, sabedor de que poderia ser responsabilizado por males maiores se incitasse protestos.

Deu corda ao enforcado. Optou por deixar o PT brigar sozinho e, assim, pagar a conta por eventuais danos à civilidade. Prejuízos estes que poderão ser maiores ou menores, dependendo da disposição de Lula de prosseguir na mesma incitação ao confronto que marcou a conduta dele à frente da Presidência da República. Na época era movido pela soberba. Hoje é motivado pelo ódio aos que não se rendem à sua presumida (e já perdida) majestade.

Nesse cenário de articulada radicalização, seria de esperar da presidente da República uma posição apaziguadora. Não foi, contudo, o que se viu no pronunciamento de Dilma Rousseff no final da tarde de sexta-feira. Ela, ao contrário, deu gás à (falsa) polêmica, desqualificou o trabalho da Polícia Federal e desclassificou decisão da Justiça ao se dizer “absolutamente inconformada” com a condução coercitiva de Lula.

Nada fez contra a suposta ilegalidade, porque nada havia a fazer além de falar como quem dá salvo-conduto a um personagem perdido em seu labirinto. Dele, Lula tentará sair por meio da intimidação e da violência. Não vai conseguir porque já não combate em campo conhecido.

O ex-presidente trava, sim, uma batalha. Guerra, no entanto, perdida para a legalidade, a impessoalidade, a probidade e a transparência de um grupo de policiais argutos e de procuradores muito bem preparados para fazer frente a uma gente que só tem em mente as conveniências e o bem estar da própria gente.

Para Dilma só restam duas escolhas: ou embarca ou deixa o barco correr.

De volta ao palanque – Bernardo de Mello Franco

- Folha de S. Paulo

A sexta-feira quente fez as peças avançarem no tabuleiro da crise. A Lava Jato ensaiou seu movimento mais ousado ao obrigar Lula a depor sob condução coercitiva da polícia. O ex-presidente reagiu com fúria e convocou a tropa para defendê-lo. A tensão transbordou para as ruas, com cenas de pancadaria que podem se repetir nos próximos dias.

Em Curitiba, Sergio Moro abandonou de vez o discurso de que Lula não seria alvo das investigações. O juiz deixou claro que o petista está em sua mira e já indicou que pretende condená-lo. Em decisão, apontou "fundada suspeita" de que o ex-presidente recebeu "benefícios materiais" de fornecedoras da Petrobras.

Curiosamente, Moro não esperou o petista se defender nos autos. Ele contestou uma nota enviada à imprensa sobre o tríplex do Guarujá. A seu juízo, apresentaria um "álibi" de "pouca consistência com os fatos".

Em São Paulo, Lula se pintou para a guerra. Reuniu aliados, criticou o juiz e prometeu reagir. "Se quiseram matar a jararaca, não bateram na cabeça. Bateram no rabo, porque a jararaca está viva", desafiou.

A ofensiva da Lava Jato pôs o ex-presidente de volta no palanque. Em tom de campanha, ele escancarou o discurso de candidato ao Palácio do Planalto. "O que aconteceu hoje era o que precisava acontecer para o PT levantar a cabeça", afirmou. "Estou disposto a andar por este país."

Aos 70 anos, Lula mostrou que ainda tem força para mobilizar aliados a defendê-lo de forma incondicional. No dia em que acordou com a polícia na porta, ele voltou para casa nos braços de seguidores.

Resta saber se o discurso aplaudido pelos petistas será capaz de hipnotizar plateias mais amplas no Brasil de 2018. O país está mudando, e a imagem do ex-presidente também. Ele não está fora do jogo, mas terá dificuldade de sustentar o velho figurino de vítima das elites. Pelo menos enquanto não explicar bem a relação de simpatia, quase amor, que manteve com empreiteiras do petrolão.

Em busca da saída - Merval Pereira

- O Globo

Se a política não resolver a crise, a crise vai resolver a política. Mais que um jogo de palavras que o deputado Raul Jungman gosta de usar, esta é uma constatação que fica mais evidente ainda diante da iniciativa de militares de contatarem na sexta-feira autoridades civis - governadores de Estados estratégicos como Rio e São Paulo, ministros, líderes partidários - para colocarem à disposição tropas em caso de necessidade de garantir a ordem pública, conforme Ricardo Noblat noticiou em seu blog.

Os confrontos entre petistas e seus adversários políticos nas ruas de diversas capitais do país, enquanto Lula depunha na Polícia Federal, insuflados por uma convocação do presidente do PT, Rui Falcão, acendeu a luz amarela nas instituições militares, que pelo artigo 142 da Constituição têm a missão de garantir a ordem pública.

O fato de terem oferecido apoio às autoridades civis mostra que, ao contrário de outras ocasiões, os militares não estão dispostos a uma intervenção, mas se preocupam com a crise e se dispõem a auxiliar as autoridades civis em caso de necessidade.

Já há algum tempo, diante do agravamento da crise político-econômica, militares de alta patente estão conversando com lideranças civis de diversos setores da sociedade, e agora consideram que está na hora de o mundo político encontrar saídas constitucionais para o impasse em que estamos metidos, com o Congresso, que é o único caminho para uma solução em moldes democráticos, paralisado diante de sua própria crise: um presidente da Câmara tornado réu pelo Supremo Tribunal Federal, um presidente do Senado alcançado por nada menos que seis processos, cerca uma centena de deputados e senadores envolvidos de alguma maneira em problemas com a Justiça e tantos outros sujeitos ao imponderável das delações premiadas da Lava-Jato.

Mesmo soluções constitucionais como o impeachment ficam contaminadas pela presença de Eduardo Cunha na presidência da Câmara, e a perspectiva de que ele possa assumir a presidência da República, por poucos meses que seja, para convocar novas eleições - no caso de uma impugnação da chapa PT-PMDB até o fim desse ano, o que é improvável - é no mínimo desanimador.

Nos bastidores do Congresso negocia-se de tudo, desde a implantação de um semipresidencialismo de ocasião, até a sugestão mais recente da Rede de Marina Silva de aprovar uma emenda constitucional com o instituto do recall, pelo qual a presidente Dilma poderia ser retirada do poder através de uma consulta popular.

Houve há poucos dias a tentativa de fazer com que Dilma rompesse com o PT e partisse para uma nova coalizão partidária, que poderia contar até mesmo com setores da oposição. Os fatos, porém, atropelaram essas negociações, e hoje Dilma e Lula estão juntos no que pode ser um abraço de afogados, mas é a única maneira de os dois tentarem sair vivos politicamente dessa crise.

A oposição, por seu turno, começa a deixar a dubiedade para apoiar o impeachment , pois um processo de impugnação da chapa no Tribunal Superior Eleitoral pode levar mais um ano, com marchas e contramarchas no STF e, mais complicado que tudo, no terceiro ano de mandato um novo governo seria eleito de maneira indireta por este Congresso sem credibilidade diante da população.

A pressão agora é para que o PMDB rompa o mais rápido possível com o governo e entre de cabeça no processo de impeachment. Ao mesmo tempo, arma-se na Câmara uma ação conjunta para obstruir as sessões até que a permanência de Cunha na presidência se torne inviável.

Alguma coisa terá que ser feita, e rápido, diante da deterioração do ambiente econômico e da mudança de patamar da crise política, com a Lava-Jato tendo chegado literalmente às portas do ex-presidente Lula. Se as forças políticas que representam a maioria do país, hoje claramente posicionada contra o PT, não se unirem em busca de uma saída democrática para a crise, estaremos diante de uma ameaça de retrocesso institucional.

As milícias petistas mobilizadas na confrontação física nas ruas podem transformar o país em uma Venezuela, e quanto mais os fatos forem sendo desvelados, mais a resposta violenta será a única saída.

O Congresso tem que encontrar rapidamente uma saída constitucional que possibilite a formação de um governo de transição democrática, e o caminho mais viável parece ser o impeachment, já que a presidente Dilma não se mostra capaz de articular essa transição, e se revela comprometida cada dia mais com as ações criminosas que a levaram ao governo.

A jararaca - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

Se o Instituto Lula recebeu R$ 20 milhões das empreiteiras da Lava Jato e se o ex-presidente Lula ganhou R$ 10 milhões dessas mesmas empreiteiras por palestras, por que raios ele não comprou o sítio de Atibaia por R$ 1,5 milhão e reformou as áreas internas e a piscina por R$ 700 mil para desfrutar dele 111 vezes, guardar as 200 caixas do Alvorada, levar o barquinho da família e os pedalinhos dos netos?

E por que Lula não deu para Marisa Letícia o tríplex do Guarujá, instalou aquele elevador chique, mobiliou a cozinha e os quartos, tudo de primeira? Dinheiro ele tinha, de sobra. Como diria o jornalista Carlos Marchi, ainda sobrariam uns bons trocados. Aliás, o que Lula fez com os R$ 10 milhões, mais o salário de oito anos de Presidência, com cama, comida, roupa lavada e uísque de graça? Gastar com os filhos não foi, porque os meninos estão muito bem, obrigada.

De duas, uma: ou Lula é patologicamente pão-duro, desses que escondem o dinheiro debaixo do colchão para os amigos pagarem até o cafezinho, ou... a questão é de outra natureza: política. Apesar de milionário, ele precisava do mito do menino pobre de Garanhuns, que não tinha o que comer, perdeu um dedo nas fábricas e virou o eterno pobre dos pobres, que veio ao mundo salvar os desvalidos como ele próprio.

Só assim, mantendo a mítica do grande líder, do pastor de almas, do salvador da Pátria, Lula teria, mesmo acuado e ferido, poder para jogar milhares de ovelhas (ou feras) para confrontos de rua contra adversários, imprensa e o algoz Sérgio Moro, um juiz a serviço dos ricos e poderosos – ah, e do PSDB!

É assim que, aos 70 anos, Lula encarna até hoje o líder juvenil que incendiou os metalúrgicos paulistas, depois os sindicalistas de outros setores e por fim os intelectuais do País inteiro. Não pode se dar ao luxo de comprar com o próprio dinheiro um sítio, um tríplex. Senão, como vai olhar a massa olho no olho, falar de igual para igual, jogar os pobres contra os ricos?

Com escritura lavrada de sítios e tríplex na praia, Lula temia perder a aura de vítima dos ricos inconformados porque milhões saíram da miséria e se aboletam nas cadeiras dos aviões. Como iria acusar “a elite branca de olhos azuis” por todas as mazelas? (Marisa é uma “galega” (como ele a chama) loura de olho verde, mas verde pode, azul é que não pode.)

Tudo, portanto, poderia se resumir ao marketing, ao ilusionismo, que produzem um preconceito às avessas: se Lula é pobre, não se formou, duela com o vernáculo, toma umas e fala palavrões, ele se beneficia nas duas pontas: é um “igual” para as massas e um “inimputável” para as elites (como definiu o mestre Clóvis Rossi).

Logo, pode fazer o que bem entende, está não só acima das leis, mas do bem e do mal. Mas há mais do que marketing: ambição. Aí entram Petrobrás e empreiteiras.

Foi pelo preconceito às avessas que, em 1989, o adversário de Collor poderia ter sido Ulysses Guimarães, triplo presidente, Leonel Brizola, ícone da resistência em 1964, Mário Covas, três em um, ou, pela direita, Aureliano Chaves, honesto e cabeçudo. Mas não. Nenhuma dessas biografias e credenciais bateu o mito Lula, embalado pelo carisma, pelas massas, pelas elites intelectuais. Anos depois, o próprio Lula admitiu: “Ainda bem que não fui eleito!”.

Aos que me xingam até de “vagabunda” por definir o 4 de março de 2016 como um dia profundamente triste, repito que foi, sim. Porque Lula foi a utopia e a esperança de uma geração, criou o partido da ética, da justiça, da igualdade e, no seu governo (as condições são outros 500), o Brasil brilhou no mundo e as pessoas eram felizes, esbaldavam-se com fogões, geladeiras, carrinhos e aviões. Mas, ao final, ele e o PT de linda história comprovam, melancolicamente, o quanto o poder deforma e corrompe.