segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna

O populismo, que acabou por encontrar, em meio aos zigue-zagues da nossa política, um lugar imprevisto no PT, mais como um filho das circunstâncias e do pragmatismo da sua principal liderança, não teve como se apresentar de corpo inteiro em razão das origens desse partido no sindicalismo operário moderno e em estratos intelectuais cultivados. Agora ameaça ressurgir com antigos personagens e narrativas messiânicas de ideólogos que o cultivam sem os constrangimentos que, antes, o PT experimentou ao flertar com ele.

Para enfrentar nossos males não bastam os bons resultados da Operação Lava Jato, pois, como sempre, nosso destino vai depender da batalha de ideias, que, aliás, já começou. Lá atrás, há um fio de meada a ser retomado para nos guiar nesse terreno baldio que se tornou a política brasileira a fim de barrar o caminho dos cavaleiros da fortuna que vêm por aí.
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*Luiz Werneck Vianna é sociólogo, PUC-Rio. ‘Retomar o fio da meada’, O Estado de S. Paulo, 7.2.2016

Em 2015, 8 dos 9 principais programas sociais do governo perderam recursos

• Com forte impacto da inflação, símbolos das gestões Lula e Dilma contaram com menos verbas no ano passado do que em 2014

Isabela Bonfim - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Oito dos nove principais programas sociais que entraram em vigor ou tiveram seu auge nos governos Lula e Dilma perderam recursos em 2015, mostra levantamento do Estado com base em dados do Orçamento da União. O cenário para 2016 aponta mais retração de programas que são símbolos do governo. Para a oposição, a situação fortalece a sua estratégia de fazer embate político com os petistas na área social.

Dos oito programas sociais afetados, quatro tiveram corte nominal e outros quatro perderam verba por causa da inflação, que alcançou os dois dígitos em dezembro e registrou a maior alta acumulada desde 2002. Ou seja, até programas que tiveram mais orçamento em termos nominais viram seu valor ser corroído e, na prática, registraram perda real em relação a 2014. O Bolsa Família, por exemplo, recebeu R$ 1 bilhão a mais em 2015. Corrigido pela inflação, entretanto, o valor é 4,7% menor do que em 2014. Este também é o caso dos programas Brasil Sorridente, Pronaf e Luz Para Todos.

Para este ano, o cenário é também de restrição. No Orçamento aprovado em dezembro, o Pronatec caiu 44% em relação ao ano anterior. O Minha Casa Minha Vida sofreu corte de 58%. Na semana passada, a presidente Dilma Rousseff assumiu pela primeira vez que não será possível atingir a meta de entregar 3 milhões de residências na terceira fase do programa.

O governo pretende revisar os programas sociais e já admite interromper alguns deles. O contingenciamento com cortes definitivos para o Orçamento de 2016 será anunciado depois do carnaval. Ao Estado, integrantes da equipe econômica asseguraram, contudo, que Bolsa Família, Fies e Minha Casa Minha Vida serão poupados.

Base. Além de potencial combustível para a impopularidade do governo em ano de eleições municipais, os cortes tendem a dificultar a relação com partidos aliados, entre eles o próprio PT, que tenta manter sua base de apoio social em meio à crise econômica. As legendas resistem em encampar medidas impopulares no Congresso, como a recriação da CPMF e a reforma da Previdência, temendo a repercussão perante o eleitor. Com a redução de recursos para a área social, o cenário para o governo se torna ainda mais adverso.

O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), sustenta que o impacto dos cortes em 2016 não será tão expressivo quanto o de 2015. “Os programas sociais são a alma de nossos governos e não serão fragilizados. Neste ano, começamos com uma nova agenda”, disse. Ele não teme que os cortes gerem uma ação pró-impeachment. “A população sabe que a sua vida melhorou nos últimos anos, portanto, não temos que temer mobilização social.”

A oposição, por outro lado, vê sua estratégia fortalecida. Para rivalizar com os petistas, o PSDB pretende lançar em março uma pauta própria com foco no segmento social.

“O PT está lidando hoje com três flagelos: os escândalos, o desemprego com queda de renda e agora a deterioração das políticas sociais”, afirmou o senador José Serra (PSDB-SP). Para ele, a situação deixa o governo “mais vulnerável”, especialmente nas eleições municipais. “Isso leva a uma insatisfação geral e vai ter reflexo nas eleições. De modo geral, é muito negativo eleitoralmente.”

Creches. O caso mais grave é o do programa Brasil Carinhoso, vitrine da campanha de Dilma, que repassa verba para creches que recebem crianças beneficiadas pelo Bolsa Família. Em 2015, o programa sofreu perda superior a 51% em seu orçamento (já descontada a inflação), a maior registrada no levantamento do Estado.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, não houve perda de recursos, mas um desconto do saldo graças a repasses anteriores. Como nem todo o recurso repassado anteriormente havia sido usado pelos municípios, o governo federal optou por apenas “completar” o valor. O ministério destaca que, no mesmo período, o número de crianças atendidas subiu quase 22%.

No Ministério da Educação, os programas ProUni e Pronatec, que oferecem bolsas de estudo para ensino superior e técnico, aparecem em seguida na lista de maiores perdas orçamentárias. “O MEC, diante da situação fiscal pela qual passa o País, tem que fazer mais com menos, com maior foco na gestão e na eficiência para economizar recursos”, afirmou a pasta.

O programa Minha Casa Minha Vida, outro carro-chefe do governo Dilma, registrou corte bruto de quase R$ 200 milhões em 2015. O Ministério das Cidades admitiu, em nota, o impacto da recessão econômica e a necessidade de cortes. “O programa Minha Casa Minha Vida sofreu com o quadro recessivo mundial que atingiu a economia brasileira recentemente e impôs restrição orçamentária aos programas de governo.”

O programa Luz Para Todos é um caso à parte. Com o objetivo de levar luz elétrica para regiões remotas, o programa alcançou seus objetivos ao longo de anos e hoje enfrenta uma redução natural nos serviços prestados. Outra exceção é o Fies, programa de financiamento estudantil, o único do levantamento que não sofreu cortes. Em contrapartida, o programa registrou a maior queda em número de atendidos, reduzindo à metade os novos contratos assinados em 2015 – o MEC diz que este ainda não é o dado final.

Metodologia. A reportagem utilizou dados orçamentários oferecidos pelos ministérios responsáveis por cada programa avaliado. Os valores foram corrigidos pela média anual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do País, tendo como referência os preços médios de 2015. Os cálculos foram acompanhados por consultores de Orçamento do Congresso Nacional.

Enxugamento ocorre na pior hora para Dilma

Adriana Fernandes e Ricardo Brito – O Estado de S. Paulo

Tema tabu no governo, o enxugamento dos programas sociais é uma realidade que já começou. Numa economia que não cresce e com baixa chance de retomada mais forte, a realidade de queda da arrecadação está impondo cortes e mudanças nas regras de acesso dos programas mais caros para a gestão petista.

O programa não acaba, mas vai mudando de cara para reduzir os gastos do governo. É o que já aconteceu com o Fies, o seguro-desemprego, o seguro-defeso dos pescadores e também com o programa Minha Casa Minha Vida.

É um movimento muito parecido com o que ocorreu no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Se antes era livre de cortes e suas dificuldades maiores eram ligadas à capacidade do governo de tocar os projetos, o PAC passou nos últimos anos a sofrer com tesoura mais forte do Ministério da Fazenda para mitigar os efeitos da queda da arrecadação e ajudar a melhorar o resultado das contas públicas.

O problema aumentou agora porque o rombo das contas do governo chegou a proporções inimagináveis até há pouco tempo – no ano passado, o déficit foi de R$ 115 bilhões – e não há solução à vista sem afetar esses principais programas.

O governo criou no ano passado um grupo de trabalho para passar um pente fino neles. O Tesouro Nacional também intensificou a força-tarefa de avaliação da eficiência dos programas, o que já antecipa uma “guerra” dentro da Esplanada dos Ministérios para evitar perdas e cortes.

Com o risco de corte no ano passado pelo Congresso, mas preservado em troca da redução da meta fiscal de 2016, o Bolsa Família também não ficará livre de um debate mais aprofundado para revisar as regras de acesso e de permanência.

O enxugamento dos programas ocorre no momento em que a presidente Dilma Rousseff mais precisa deles: como um aceno para os mais desfavorecidos e para a militância aliada enquanto a ameaça de impeachment ainda não passou. Algum dos dois lados – os programas ou os aliados – terá de perder

Marisa faz horta e leva festa para sítio

• Segundo relatos, ex-primeira-dama e Lula realizaram benfeitorias em imóvel de Atibaia

Andreza Matais - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Frequentadores do Sítio Santa Bárbara em Atibaia (SP), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua mulher, Marisa Letícia, também fizeram benfeitorias no local. A ex-primeira dama plantou árvores frutíferas, fez uma horta e cria patos na propriedade, que, no papel, está em nome dos empresários Fernando Bittar e Jonas Suassuna, sócios do filho mais velho do petista, Fábio Luís, o Lulinha.

Segundo pessoas próximas ao ex-presidente, Marisa também transferiu para o sítio em Atibaia as festas juninas que costumava fazer na Granja do Torto, residência de campo dos presidentes da República, quando ocupava o cargo de primeira-dama. A lista de convidados costuma ser feita por ela.

Lula já confirmou por meio de sua assessoria que ele e sua família frequentam o sítio, mas nega que seja o real proprietário da propriedade de 173 mil metros quadrados.

A Operação Lava Jato e o Ministério Público de São Paulo investigam por que razão a construtora OAS comprou móveis e pagou reforma no local e, ainda, se a Odebrecht ou outras empreiteiras também envolvidas no esquema de corrupção na Petrobrás investiram na área rural. Há suspeitas de que as benfeitorias seriam para atender à família do ex-presidente.

As obras foram iniciadas em 2010, quando Lula ainda ocupava o Palácio do Planalto. Como ocupante do cargo, o petista estava impedido de receber presentes acima de R$ 100. O Código de Conduta Ética dos Agentes Públicos em Exercício da Presidência e Vice-Presidência da República diz que “os presentes que, por qualquer razão, não possam ser recusados ou devolvidos sem ônus para o agente público serão incorporados ao patrimônio da Presidência da República ou destinados a entidade de caráter cultural ou filantrópico”.

Segundo uma pessoa que já frequentou o sítio na companhia de Lula, a propriedade “é a cara da dona Marisa”, fato que justifica a presença constante do casal no local. “Ela gosta muito desse sítio. Lá tem pato, ela gosta de plantar, fez uma horta. Tem gente que gosta de ir para a praia, ela gosta de ir para o campo. O fato de a pessoa ir toda semana no Guarujá não significa que a pessoa seja dona da praia”, afirmou, sob a condição de anonimato.

O ex-presidente e dona Marisa possuem um sítio registrado no nome do casal chamado “Los Fubangos”, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, às margens da represa Billings. Eles não frequentariam mais o local pela falta de segurança e devido a condições desfavoráveis ao cultivo. “Ali não dá para plantar um pé de fruta”, disse um interlocutor de Lula.

‘Filho’. Petistas têm procurado minimizar o uso regular de Lula e sua família de um imóvel que não está no nome dele.

“O Fernando Bittar é como um parente do Lula, muito próximo. Lula trata ele como se fosse um filho. Ele é um empresário bem sucedido e emprestava o sítio para o Lula. Não significa que era do Lula. Os meninos (donos do sítio) sempre convidaram Lula para ir lá”, disse José Américo, secretário de Relações Governamentais da gestão Fernando Haddad e ex-secretário de comunicação do PT.

Em entrevista ao jornal O Globo, publicada ontem, o prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho (PT), disse que o sítio em Atibaia foi comprado pelos sócios de Fábio Luís, que “disponibilizaram” o imóvel para o ex-presidente usar em todos os fins de semana. Na opinião de Marinho, isso inclui poder mobiliar o local e ter prioridade de compra.

Procurado ontem pelo Estado, o Instituto Lula reiterou nota publicada em 29 de janeiro, na qual afirma que a propriedade é de amigos da família de Lula, e que ele o frequenta “em dias de descanso” desde o fim do último mandato como presidente. “A tentativa de associá-lo a supostos atos ilícitos tem o objetivo mal disfarçado de macular a imagem do ex presidente”, diz o comunicado. /Colaborou Ricardo Chapola

O segundo sumiço de Silvinho Pereira

• Citado por delator da Lava- Jato como beneficiário de propina, ex-secretário- geral do PT desaparece, como no mensalão

Sérgio Roxo - O Globo

SÃO PAULO De volta aos holofotes depois de ser citado na Lava- Jato como beneficiário de propina, o ex- secretário- geral do PT Sílvio Pereira tenta mais uma vez submergir, como fez na época do escândalo do mensalão. Silvinho, como é conhecido, fechou, no ano passado, o restaurante que mantinha em Osasco, região metropolitana de São Paulo, e sua empresa de eventos. Não tem sido visto por amigos, e a família evita dar pistas sobre ele.

Foi o lobista e empresário Fernando Moura quem colocou Silvinho no foco da Lava- Jato. No último dia 3, Moura deu detalhes sobre como o ex-secretário-geral do PT atuava na Petrobras. Contou que uma vez pegou R$ 600 mil em dinheiro na casa de Silvinho e que a quantia tinha sido entregue por uma fornecedora da estatal. Em outro depoimento, o lobista relatou que o ex-secretário-geral do PT recebia “um cala boca” de dois empreiteiros para não falar o que sabia sobre o esquema.

O ex- dirigente passou a ser visto como um risco dentro do PT, quando em 2006 revelou ao GLOBO detalhes sobre o funcionamento do mensalão. Ele disse que o plano do operador Marcos Valério era arrecadar R$ 1 bilhão com negócios que envolviam pendências do governo e falou sobre o envolvimento da cúpula partidária nas irregularidades. O partido montou, em seguida, uma operação para controlá-lo.

Restaurante foi fechado
Ligado ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o então secretário- geral do PT chamou a atenção pela primeira vez, em 2005, na mesma época do mensalão, com a revelação de que ele havia recebido de presente uma Land Rover da empresa GDK, fornecedora da Petrobras. Logo em seguida, Silvinho pediu para se desfiliar do partido e anunciou que abandonaria a política. Antes de ser julgado pelo envolvimento no mensalão, fez um acordo para prestar serviços comunitários e não correr risco de ser preso.

Agora, Silvinho parece querer repetir a estratégia e sair de cena. Depois de fazer um curso de gastronomia, o ex- dirigente do PT montou o restaurante Tia Lela, em Osasco, cidade onde nasceu. Mas, no segundo semestre do ano passado, o empreendimento foi fechado e deu lugar a uma academia de ginástica.

A mãe do ex-secretário geral do PT, Maria Alice, mora na cidade, num bairro afastado do centro. Ela garante ter tido poucos encontros com o filho, porque o celular dele está quebrado. No apartamento que Silvinho possui no centro de São Paulo desde que era dirigente do PT, o porteiro contou que o ex- petista só aparece por lá de vez em quando.

Em outubro do ano passado, o ex- dirigente fechou a DNP Eventos, que existia desde 2006. A revista "Veja" divulgou, em 2007, que a empresa recebeu R$ 55 mil da Petrobras referentes à participação num projeto que exibia filmes nacionais ao ar livre numa praia de Vitória, no Espírito Santo, e tinha patrocínio da estatal. O evento tinha sido realizado pela TGS e pela Central de Eventos e Produções, ambas de propriedade de Julio Cesar Santos, que foi sócio de Dirceu na JD Assessoria e Consultoria e chegou a ser preso por cinco dias na 17 ª fase da Operação Lava-Jato. As duas empresas de Santos subcontrataram a empresa de Silvinho. Meses depois de o caso ser revelado, o ex-secretário- geral do PT se tornou sócio da Central de Eventos, que teve as atividades encerradas em 2014.

Além do apartamento no centro de São Paulo, o ex-petista também possui uma casa em condomínio fechado em Carapicuíba, cidade vizinha a Osasco, comprada em 2010 por R$ 600 mil.
Procurado, o advogado do ex-secretário-geral do PT, Sérgio Badaró, disse que o seu cliente divulgará em breve uma nota para rebater as acusações que têm sido feitas contra ele na Lava-Jato. Afirmou ainda não saber por que ele fechou o restaurante e a empresa de eventos e disse não ter informações sobre o local onde seu cliente mora. (Colaborou Renato Onofre)

Recursos privados em campanhas somam 75%

Por Assis Moreira – Valor Econômico

GENEBRA - A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Economico (OCDE) defende uma regulação mais dura de financiamento da vida política e de mais sanções em caso de infrações, em seu primeiro relatório sobre o financiamento da democracia em países desenvolvidos e em alguns emergentes, incluindo o Brasil.
O Brasil tem uma das maiores taxas de recursos privados para partidos políticos, como fica claro no estudo internacional que destaca riscos de "captura política" por doadores poderosos nos países pesquisados.

Exemplifica que no Brasil as doações de empresas representaram 75% dos custos das últimas campanhas, e que o grupo dos 20 maiores doares representou mais de 30% do total doado por 20 mil companhias.

Em comparação, a Grã-Bretanha e a Holanda têm as maiores taxas de financiamento privado de campanhas na Europa, que não passam de 65% do total.

A entidade cita um recente estudo segundo o qual empresas especialistas em obras públicas no Brasil podem esperar um aumento substancial de contratos, pelo menos 14 vezes o valor de suas contribuições quando doam para um candidato a deputado federal do Partido dos Trabalhadores, no poder, e o candidato ganha a eleição.

O estudo que a OCDE menciona é intitulado "Os despojos da vitória: doações de campanha e contratos governamentais no Brasil", de autoria de Taylor C. Boas, da Universidade de Boston; F. Daniel Hidalgo, do MIT, e Neal P. Richardson, da Universidade da Califórnia.

Seus autores dizem não terem encontrado "nenhum efeito entre os partidos aliados, indicando que o PT prioriza esta forma de gastos do Estado para fortalecer a partido mais que a gestão da coalizão".

Nos países pesquisados pela OCDE, o relatório mostra que grandes companhias, por exemplo, frequentemente contornam limites de despesas ou dissimulam as doações a partidos através de empréstimos, cotizações de adesão e financiamentos por terceiros.

"A elaboração de políticas não deve ser vendida ao que oferece mais", afirmou o secretário-geral da OCDE, Angel Gurria, em comunicado no lançamento desse que é o primeiro relatório da entidade sobre financiamento de campanhas eleitorais e riscos de captura da ação política.

"Quando a política é influenciada por doadores afortunados, as regras são falseadas em favor de alguns e em detrimento do interesse da maioria. Defender normas rigorosas para o financiamento da vida política faz parte integrante de nossos esforços para resolver desigualdades e restaurar a confiança na democracia", disse.

O capítulo específico sobre a situação do Brasil é escrito por José Antonio Dias Toffoli, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Ele destaca que desde 2010 tornou-se perfeitamente clara a que ponto chegou a influência das doações de empresas.

Segundo Toffoli, isso causou "numerosas distorções no sistema político do Brasil e mesmo levando a inumeráveis alegações de suborno e outras práticas ilegais relacionadas a fundos políticos e eleitorais".

Diz que na campanha para Presidência da República em 2014 as doações por "entidades legais", o que significa sobretudo empresas, alcançaram US$ 232 milhões, representando mais de 90% dos recursos totais.

As empresas que mais doaram vêm de setores altamente influenciados por regulações governamentais ou que mantêm relações contratuais com o governo, como a indústria alimentícia, construção civil e setor financeiro, diz Toffoli.

Os financiamentos privados aumentaram à medida que as campanhas se tornaram mais caras no Brasil, com os gastos crescendo 979% entre a campanha presidencial de 2002 (US$ 34 milhões) e a de 2014 (US$ 367 milhões).

Enquanto Toffoli detalha o debate sobre o financiamento dos partidos e campanhas, a OCDE sugere que os países procurem um justo equilíbrio entre financiamentos público e privado, estimando que nem um financiamento totalmente público ou totalmente privado é desejável.

Para a OCDE, o endurecimento de regras de financiamento, em todo caso, é ainda mais importante para restabelecer a confiança das populações, quando eleitores em economias avançadas mostram-se desiludidos por partidos políticos e temem que grupos de interesse privado se apoderem dos processos democráticos. Eleições e votações estão no centro da agenda, com a campanha presidencial nos EUA e o risco de saída da Grã-Bretanha da União Europeia.

A OCDE conclui que vários países desenvolvidos não aplicam plenamente sua própria regulamentação sobre financiamento de partidos políticos e sobre despesas de campanhas, ou mantem certas falhas "nas quais entram potentes grupos de interesse privado".

Em 17 dos 34 países membros da OCDE, as doações anônimas aos partidos são proibidas, mas 13 interditam somente a partir de certo limite e quatro as autorizam. Mesmo se as doações não são anônimas, nem todos os países aplicam as mesmas regras sobre divulgação da identidade do doador. Somente 16 países limitam as despesas de campanha dos partidos e dos candidatos.

O relatório constata também que a falta de independência ou de autoridade legal de certas instituições de controle facilita aos doadores "mais generosos" receberem "favores" como redução de taxações ou subvenções, acesso privilegiado a crédito público e obtenção de contratos nos mercados públicos.

Para a OCDE, a globalização complica a regulamentação do financiamento de partidos políticos, porque as companhias multinacionais e estrangeiras com grandes fortunas têm fortes vinculações com interesses comerciais nacionais.

Deputados aproveitam ‘trampolim’ de legendas

• Com promulgação de emenda constitucional sobre fidelidade partidária, até 35 parlamentares, principalmente da base aliada, vão mudar de sigla

Ricardo Brito Daiene Cardoso – O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA – Um grupo de até 35 deputados federais, principalmente da base aliada, vai mudar de partido, aproveitando a janela de 30 dias que será aberta em breve com a promulgação da emenda constitucional que permitirá a migração de detentores de cargos eletivos sem correr o risco de perder o mandato. Líderes afirmam que a transferência dos deputados deve ocorrer principalmente dentro da base aliada, numa espécie de “trampolim” para as eleições municipais deste ano e as gerais em 2018.

Parlamentares e dirigentes partidários, tanto da base quanto da oposição, admitem que essa movimentação não vai interferir na correlação de forças no andamento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. A avaliação é de que neste início do ano um eventual afastamento da petista perdeu força na Câmara.

O presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), já avisou a aliados que pretende promulgar na próxima semana a emenda constitucional. A partir daí, os detentores de mandato eletivo terão um mês para trocar de sigla de forma legal.

Atualmente, eles só podem mudar de partido preservando o mandato nos casos de grave discriminação pessoal, mudança substancial ou desvio reiterado do programa praticado pela legenda ou quando houver “criação, fusão ou incorporação de partido”. Como prazo fixado pela emenda, não será preciso qualquer pretexto para a mudança.

Contudo, a janela só não será mais atrativa porque, pelo texto da emenda aprovada pela Câmara e pelo Senado, os deputados não poderão levar a cota do fundo partidário e o tempo de rádio e TV para o partido ao qual se filiarão. Os parlamentares incluíram essa proibição a fim de inibir a criação de legendas como o Partido da Mulher Brasileira (PMB). Criada em setembro, a sigla tem 21 deputados federais e já dispõe das benesses financeiras. “A gente aprovou a janela para evitar um novo PMB”, diz o líder do PMDB no Senado, Eunício Oliveira (CE).

Eleições municipais. A busca de espaço nos Estados e as disputas municipais serão o mote das mudanças dos parlamentares, mais do que o conflito governo versus oposição. “Acho que é um movimento de interesse pessoal de cada deputado, com motivações de várias naturezas”, diz o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). “Não muda a questão do impeachment. A lógica será voto pessoal e não partido, ”emenda o peemedebista.“ A janela não vai interferir em impeachment ou no tamanho da bancada (governista)”, comenta o líder do governo na Casa, José Guimarães (PT-CE).

Cotado para ser líder do PT em 2016, o deputado Paulo Pimenta (RS) diz que a janela terá pouco impacto, até mesmo na bancada petista. Desdeaeleiçãode2014,o PT perdeu nove deputados, atualmente tem 59. “Ir para onde? PSDB? DEM? Se aliar a Cunha? Qual o polo alternativo na política hoje? Não há”, afirma Pimenta. Crítico da futura janela, o líder do PPS, Rubens Bueno (PR), disse que não há um trabalho específico da oposição para filiar integrantes da base como objetivo de aumentar o número de votos para tentar aprovar o afastamento de Dilma – para admitir o processo na Câmara são necessários pelo menos 342 apoios. “Nós não trabalhamos com esse tipo de ação.”

A correlação de forças nas duas Casas será mantida. Uma das maiores movimentações deve acontecer no hoje nanico PTN: de quatro deputados, a sigla deve saltar para 14, sendo cinco do recém-criado PMB. “O PTN vai agregar o maior número de deputados”, prevê o deputado Aluísio Mendes (MA), que deixou o PSDC, foi para o PMB e já está de olho na janela proporcionada pela emenda.

O PMB pode perder inclusive seu líder, Domingos Neto (CE), que se filiou à sigla após deixar o PROS e agora negocia sua mudança para o PSD. O partido do ministro das Cidades, Gilberto Kassab, tem hoje 37 deputados e trabalha com a possibilidade não só de perder quadros, como conseguir filiar dez parlamentares. O presidente da legenda, o ex-deputado Guilherme Campos (SP), diz que as negociações se consolidarão em fevereiro, no retorno do recesso parlamentar, e deve abranger parlamentares não só da base governista, como de oposição.

Rede deve manter bancada atual
Criado na mesma época do PMB, a Rede Sustentabilidade – da ex-senadora Marina Silva – deve se manter com cinco deputados e um senador, já que não tem oficialmente negociado a filiação de parlamentares. “É melhor ter pouco mas (ter) pessoas que tenham a ver com nosso ideal do que sair por aí criando bancada sem identidade", diz Pedro Ivo Batista, coordenador de organização da Rede. A sigla ainda não decidiu se vai questionar no STF o fato de a emenda constitucional não permitir que os deputados “levem” o tempo de TV e rádio e os recursos do fundo partidário

Com brecha em emenda, Câmara terá troca-troca partidário após o Carnaval

Ranier Bragon – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Paralelamente à votação de propostas do ajuste fiscal e à retomada do rito do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, um tema tem concentrado a atenção dos deputados federais no início do ano legislativo: as negociações para o "mês do troca-troca" partidário, que terá início no próximo dia 18.

O Congresso Nacional marcou para essa data a promulgação de emenda à Constituição que abre uma janela de 30 dias para que qualquer detentor de mandato eletivo troque de legenda sem risco de ser cassado por infidelidade partidária.

Na Câmara dos Deputados as negociações se intensificaram no início deste mês e continuarão até março, quando se fecha a janela. Um dos principais objetivos de quem negocia sair de sua legenda é, segundo a Folha apurou, assumir o comando da nova sigla em seu Estado e, consequentemente,controlar uma maior fatia dos recursos públicos do Fundo Partidário.

Tendo distribuído R$ 868 milhões aos 35 partidos existentes em 2015, o fundo será, daqui para a frente, a principal fonte oficial das campanhas eleitorais, já que em decisão tomada no ano passado o STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu empresas de financiarem candidatos.

Segundo líderes de bancadas e deputados ouvidos pela reportagem, as migrações vão atingir a maioria das siglas.

Criado em 2015, por exemplo, o PMB (Partido da Mulher Brasileira) atraiu duas dezenas de deputados com a promessa de controle regional e de parte significativa do dinheiro do Fundo Partidário. Novos partidos podem receber deputados sem risco de que eles sofram processo por infidelidade.

Mas alguns que ingressaram no PMB já haviam fechado compromisso de irem para outra sigla assim que a janela do troca-troca entrasse em vigor. Cinco devem deixar o PMB e se filiar ao PTN.

Entre os maiores partidos, há a tentativa de compensar as possíveis baixas com novas adesões.

Os petistas dizem que não há expectativa de ingresso nem de saída. O partido já havia perdido recentemente quatro deputados, que migraram para legendas recém-criadas –como a Rede, da ex-ministra e candidata à Presidência (2010 e 2014) Marina Silva.

No PMDB, deputados afirmam que, se a janela do troca-troca tivesse sido promulgada no ano passado, quando a possibilidade de deflagração de um processo de impeachment contra Dilma estava mais forte, a legenda possivelmente cresceria. Agora, a expectativa é de redução da bancada de 67 deputados, a maior da Câmara.

Do PSDB, o maior partido da oposição, dois deputados devem sair: Alfredo Kaefer (PR) deve migrar para o nanico PSL, e o Delegado Waldir (GO), que não tem obtido apoio da sigla à sua pretensão de disputar a Prefeitura de Goiânia, também procura outra legenda.

Em contrapartida, os tucanos negociam o ingresso de Sóstenes Cavalcante (RJ), hoje no governista PSD. O deputado é ligado ao pastor Silas Malafaia, crítico do governo Dilma. A filiação diminuiria a fragilidade da legenda no Rio de Janeiro, Estado em que o PSDB hoje tem apenas um deputado federal.

Em 2007 o Tribunal Superior Eleitoral editou uma resolução de fidelidade, corroborada no ano seguinte pelo STF, cujo objetivo era barrar a histórica onda migratória de políticos entre os partidos.

A regra nunca foi aplicada por completo porque os detentores de mandatos recorreram a brechas como a ida para novos partidos e a aposta na morosidade da Justiça para julgar casos de infidelidade. Nos preparativos para as eleições de 2010, por exemplo, as primeiras gerais após a regra da fidelidade, houve um troca-troca similar ao verificado quatro anos antes.

Em maio de 2015 o próprio STF afrouxou, na prática, a regra da fidelidade partidária, ao liberar o troca-troca para cargos do chamado sistema majoritário -presidente da República, governadores, senadores e prefeitos.

A fidelidade partidária no Brasil
• Até 2007 Deputados trocavam de legendas a um ritmo médio de 1 migração a cada 5 dias

• 2007 Tribunal Superior Eleitoral edita resolução vedando o troca-troca, com exceções, como a migração para novos partidos

• 2008 Supremo Tribunal Federal confirma a constitucionalidade da resolução

• 2009 Apostando na morosidade e em brechas judiciais, cerca de 50 congressistas e políticos de projeção nacional trocam de legenda. Ainda assim, ritmo do troca-troca cai bastante nos anos seguintes

• 2015 Supremo Tribunal Federal afrouxa a regra da fidelidade partidária ao decidir que o risco de perda do mandato em caso de troca de legenda não vale para os chamados cargos majoritários (Presidente da República, governadores, senadores e prefeitos)

• 2016 No dia 18 será promulgada emenda à Constituição aprovada pelo Congresso que abre janela de 30 dias para que deputados, federais ou estaduais, e vereadores troquem de sigla sem perder mandato

Aécio Neves: Encontro marcado

- Folha de S. Paulo

A maior festa popular do Brasil está no seu auge e não cogito azedar a folia de ninguém. Os brasileiros merecem se divertir e mostrar ao mundo a sua criatividade e alegria.

Quem é capaz de organizar uma festa com esta dimensão, envolvendo grandes eventos de rua, desfiles hollywoodianos e doses infindáveis de talento e originalidade é uma gente acostumada a ver a vida com olhos de esperança e otimismo. É uma gente que não se intimida com as adversidades, que empreende com coragem e que põe o bloco na rua, faça chuva ou faça sol.

Esse Brasil vibrante e colorido bem poderia inspirar o ano que prossegue, tão logo se esvaziem as passarelas. Já na quarta-feira teremos de nos ver diante de uma realidade que não enseja grandes celebrações. Não bastasse o sofrimento com a epidemia ditada pelo mosquito Aedes aegypti, o cenário econômico e social se revela ainda mais sombrio.

A indústria teve o seu pior desempenho em mais de uma década. Sem confiança, os empresários estão deixando de investir nas fábricas e máquinas que sustentam o crescimento. A produção mensal de veículos, por exemplo, caiu para o menor nível desde 2003. A recessão fechou 1,5 milhão de postos de trabalho. Com a inflação no calcanhar, viver ficou bem mais caro. A cesta básica já custa grande parte do salário mínimo de um trabalhador. Endividados, os brasileiros promoveram, em janeiro, a maior retirada de recursos da poupança em 20 anos.

E diante do país que desmorona, o que faz o governo?

Cumprindo os ritos institucionais, a presidente da República foi ao Congresso falar de suas propostas para o ano. Infelizmente, de novo uma retórica vazia e pouco crível. A presidente claramente não tem nada a propor, além de pedir a volta da CPMF e acenar com um esboço de reforma da Previdência, imediatamente contestadas pelo seu próprio partido.

Não podemos nos conformar com a paralisia e a indecisão que caracterizam o governo, incapaz de apresentar à nação um caminho viável para a superação da crise que ele mesmo criou. É preciso agir.

O momento agora é de Carnaval. Tão logo cesse a folia, temos um encontro marcado com o Brasil real, escasso de alegrias. É nesse contexto que devemos alinhar forças e responsabilidades para construir uma agenda de trabalho capaz de mobilizar o país. Não podemos nos acomodar.

Em tempo:
Comovente e esclarecedora a reportagem da Folha em Pernambuco sobre os casos de microcefalia ligados ao vírus da zika. O trabalho dos repórteres expondo o drama de mães e filhos desamparados pela falta de assistência mostra o quanto ainda estamos distantes de assegurar às famílias o mínimo suporte para enfrentar a tragédia. O Brasil tem a obrigação de fazer muito mais.

Ricardo Noblat: Dilma sangra, Lula se esfacela

- O Globo

“É a coisa mais natural do mundo uma empresa contribuir com essa ou aquela pessoa” Gilberto Carvalho, amigo de Lula

Um Lula mais fraco do que está seria melhor ou pior para o futuro do governo Dilma? A resposta mais fácil é que seria pior. Porque dele deriva a força que assegura a respiração artificial do governo. É por causa dele que os movimentos sociais, embora de má vontade, ainda sustentam Dilma. O PT só não se esfacelou porque sonha com Lula outra vez presidente em 2019. Parece um sonho impossível?

A LEVAR- SE EM conta pesquisas de opinião, tudo indica que sim. As investigações da Lava- Jato atingiram em cheio a imagem de Lula. Pesquisa do Instituto Ipsos, divulgada na semana passada, ouviu 1,2 mil pessoas em 72 municípios do país entre os dias 13 e 27 de janeiro. Antes, portanto, da massificação do noticiário sobre o tríplex da família Lula no Guarujá e do sítio em Atibaia.

PARA 25% DOS ENTREVISTADOS, o ex-presidente é um político honesto. Em 2005, no auge do escândalo do mensalão, 49% pensavam assim. Para 68%, Lula não tem mais moral para falar de ética, ante 57% no mensalão. Na avaliação de 67%, ele é tão corrupto quanto os outros políticos. No mensalão, 49% compartilhavam a mesma opinião. Sobrou para os partidos, PT na cabeça.

EM 2002, ano em que Lula se elegeu presidente da República pela primeira vez, 37% dos entrevistados disseram que não tinham preferência por nenhum partido. Agora, espantosos 82%. A opção pelo PT caiu de 28% em 2002 para 6% em 2016. Segundo a pesquisa, o partido é apontado por 71% como mais corrupto do que os demais.

OITO EM CADA DEZ entrevistados ( 82%) consideram que o PT não tem mais moral para falar de ética. Em 2005, com o mensalão, eram 68%. Apenas 15% afirmam que o PT ainda é um partido honesto contra 27% em 2005. Dilma tem procurado manter distância do PT para tentar escapar do seu desgaste. Não o condena, mas também não o defende. Procede assim em relação a Lula também.

NEM POR ISSO A situação de Dilma melhorou: 92% dos entrevistados acreditam que o Brasil está no rumo errado, e 79% avaliam o governo como ruim ou péssimo. O impeachment de Dilma é defendido por 60%. Nove em cada dez entrevistados não só apoiam a Lava- Jato como dizem que as investigações devem continuar "custe o que custar", apesar dos estragos na economia.

A CORRUPÇÃO desbancou a saúde como o problema que mais aflige os brasileiros. É a primeira vez que isso acontece desde 2002. Cerca de 92% dos entrevistados concordam com a afirmação de que “sempre vai existir corrupção no país”. Talvez por isso, 46% imaginam que a Lava- Jato terminará em “pizza”, contra 31% que discordam, e 23% que não responderam à pergunta.

LULA E DILMA estão impedidos de circular livremente pelo país. Só comparecem a solenidades fechadas. Mesmo assim, em sessão do Congresso, Dilma acabou vaiada. Um panelaço nas maiores cidades do país recepcionou seu mais recente pronunciamento na televisão. Interlocutores de Lula confidenciam que ele pensa que só se recuperará se o governo se recuperar.

NÃO É BEM ASSIM. O destino de Lula depende mais dos resultados das investigações policiais do que da sorte do governo. Dilma poderá continuar sangrando até o último dia do seu mandato e, no entanto, as chances de Lula sucedê-la naufragarem antes. Ninguém melhor do que ele sabe que isso é verdade. Ninguém melhor do que ele sabe o que fez. Daí o seu silêncio e desespero.

Denis Lerrer Rosenfield: Lula e a democracia

- O Estado de S. Paulo

A blindagem petista em relação ao ex-presidente Lula mais parece a da barragem de Mariana. A lama se espraia para todo lado, seus limites são, por agora, impossíveis de determinar. As imagens e o odor fétido fazem nítido contraste com o que outrora foram um líder e um partido que se arvoravam em defensores da “ética na política”.
O tríplex no Guarujá e o sítio em Atibaia estão ganhando jornais, revistas, rádios e emissoras de televisão. As explicações dadas são cada vez mais bisonhas e inverossímeis. De difícil credibilidade. Só um petista fanático para levá-las a sério.

Chega a ser grotesca a defesa que o PT faz de seus líderes julgados e cumprindo pena de prisão. Para não falar dos inquéritos em curso. A única linha de defesa parece ser a mentira, o ocultamento e o desrespeito aos cidadãos. Como se nada mais devesse ser acrescentado.

Agora o alvoroço é total, pois a figura de seu líder máximo foi fortemente atingida. São Lula, o homem mais honesto do mundo, foi obrigado a deixar o altar. Não apenas para se encontrar com cidadãos comuns, mas com os que devem prestar contas à Justiça. A queda foi abrupta. A vertigem, insuportável.

Contudo o que seria um destino “normal” sob certas circunstâncias numa sociedade democrática, o destino de uma pessoa política sendo julgada por seus malfeitos ou o de um partido obrigado a fazer face a suas práticas de aparelhamento do Estado e a suas contradições, pode estar se tornando um problema propriamente institucional. Porque a defesa lulopetista vem se voltando contra os meios de comunicação, o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal, que são instituições sociais e estatais da República, da nossa democracia.

Ora, aí reside precisamente o perigo, pois se o País não entrou em crise propriamente institucional, isso se deve precisamente ao trabalho do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal e dos meios de comunicação em geral. O Poder Executivo está inerte, o Legislativo é vítima dos seus próprios malfeitos, os partidos políticos perdem cada vez mais credibilidade e, ademais, a oposição não cumpre sua função. Pilares basilares do Estado estão desmoronando, com o PT atuando fortemente nesse desmoronamento, produzido por suas políticas econômicas, corrupção, desvio de recursos públicos e uma ideologia revolucionária que dá novamente as caras. Ideologia reforçada pelo elogio ao estatismo, que levou o País a este buraco.

O Brasil vive em regime presidencialista e este, por sua própria natureza, exige um governante que presida no sentido mais forte da expressão. Não se pode ter um regime presidencialista sem uma presidente que exerça a sua função. Ora, a presidente Dilma goza de baixíssima aprovação, nenhuma credibilidade, não transmite confiança e sua política econômica está conduzindo o País ao precipício.

Ninguém mais a toma a sério, a começar por seu próprio partido, que dela procura afastar-se cada vez mais, prevendo um desfecho que poderá ser-lhe muito desfavorável. Uma presidente que não governa é uma contradição em termos.

O Legislativo é outro Poder que se encontra totalmente deslegitimado perante a opinião pública. Não exerce as suas funções e transmite à sociedade a imagem de uma instituição refém de traficâncias, negociatas e transações escusas dos mais diferentes tipos. Parlamentares sérios não conseguem se impor neste quadro de desmoralização ética. A imagem transmitida é de que o bem coletivo e a representação popular não são preocupações de deputados e senadores, imersos, sim, na “conquista” de benefícios particulares. Se o processo de impeachment já se tivesse desenvolvido positivamente, caminhando para o afastamento da presidente da República, o resgate da imagem desse Poder poderia estar ocorrendo.

O pilar republicano que está segurando institucionalmente o País é o Judiciário, aí incluindo o Ministério Público, com o apoio decisivo de um órgão do Executivo, que é a Polícia Federal, atuando independentemente de seu ministro petista. Ou seja, se o País ainda não entrou em crise institucional, muito se deve à atuação desse Poder e desse órgão estatal. As menções de que o País está funcionando normalmente do ponto de vista institucional são expressões que, na verdade, têm um foco determinado, a saber, as investigações e condenações da Lava Jato, que estão dando um basta à impunidade reinante. Se houver aí uma quebra de confiança, um rompimento desse trabalho, aí, sim, a situação institucional fica crítica.

Note-se que uma instituição da sociedade – os meios de comunicação, representados por jornais, revistas, rádios, emissoras de TV, além da ampla circulação de ideias nas redes sociais – está cumprindo um papel fundamental no País, concretizando a liberdade de expressão, apesar dos ataques de que tem sido objeto da parte do PT e de seus movimentos sociais. As operações da Lava Jato têm tido ampla cobertura, partes de delações são publicadas, editoriais críticos são feitos, de tal maneira que houve todo um processo de formação da opinião pública.

O perigo, do ponto de vista institucional, está em que o PT e o ex-presidente Lula, acuados pelas denúncias que se avolumam, partam para um ataque mais frontal ao Judiciário, ao Ministério Público, à Polícia Federal e aos meios de comunicação em geral. Ou seja, seus alvos seriam as instituições do Estado e da sociedade que estão cumprindo sua função, abrindo assim uma crise institucional. Note-se que os ataques à “mídia conservadora”, ao Estado Democrático de Direito como se fosse um “Estado de exceção”, e assim por diante, revelam uma tentativa de desestabilização política, apesar de o contrário ser reiterado.

Consideram o funcionamento de instituições republicanas e sociais uma anomalia, que deveria ser “normalizada”, entendendo a “normalização” como a degradação das instituições republicanas em geral. A democracia está ameaçada.
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Denis Lerrer Rosenfield é Professor de Filosofia na UFRGS.

Valdo Cruz: A vida pós-Carnaval

- Folha de S. Paulo

Dizem que o ano só começa depois do Carnaval. Talvez para os preguiçosos ou para os que estão fugindo da realidade, que não são poucos nestes tempos de Operação Lava Jato, Zelotes e de uma crise econômica piorando.

Em janeiro, antes das folias, a inflação vestiu de novo sua fantasia de dragão. Foi a pior nos últimos 13 anos, bateu em 1,27% –motivo de sobra para o Banco Central subir os juros no mês passado. Mas não subiu.

Por quê? Porque avaliou que a economia mundial ensaia, com ou sem Carnaval, um desfile horroroso, com risco de nova desaceleração global, agravando ainda mais a nossa.

Se o BC estiver correto, a cotação do dólar pode seguir em queda pois o mundo vai reagir à sua paralisia. Daí que, dentro do governo, a ordem é ficar de olho no valor do dólar.

Caso recue mais, a inflação, enfim, cederá de fato, elevando a pressão por uma queda dos juros ainda neste semestre para minorar os custos sociais da tragédia econômica.

Afinal, para muitos, só a economia salva a pele do bloco dos enrolados no petrolão, que não aguardou o Carnaval passar para seguir com suas prisões e revelações. Pior, aproximou-se do ex-presidente Lula.

E promete muita confusão pela frente, quando os enjaulados começam a se desesperar. Amigo de Lula, o pecuarista José Carlos Bumlai, já deu sinais de que pode explodir.

Seu advogado classificou de "pouca-vergonha" e "fraudulenta" a contratação de um navio-sonda pela Petrobras destinada, segundo Bumlai, a quitar uma dívida do PT.

Sem falar que vem por aí a delação da construtora Andrade Gutierrez, a segunda maior do país, com potencial para trazer muita dor de cabeça para a presidente Dilma e arredores.

Seja como for, primeiro, ainda bem que o Carnaval veio mais cedo neste ano, encurtando a fantasia de muitos. Segundo, 2016 começou em ritmo assustador, cobrando ação, não delongas, de quem decide. O Brasil pede urgência.

Marcus Pestana: A crise da saúde no Rio: a ponta do iceberg

- O Tempo (MG)

Grande repercussão obteve a crise da saúde no Rio de Janeiro no fim de 2015. Atraso de salários, fechamento de hospitais, restrição ainda maior de acesso. Cartão de visitas do país, Estado das Olimpíadas de 2016 e endereço de importantes veículos da imprensa nacional, tudo o que ali acontece reverbera por todo o Brasil.

Prontamente, a presidente da República e o Ministério da Saúde ensaiaram uma operação emergencial de socorro, com promessa de repasses adicionais. Nada contra. Todos nós torcemos para que os moradores do Rio de Janeiro tenham uma saúde digna. A questão é outra.

Em primeiro lugar, os direitos assegurados pela Constituição de uma assistência integral, universal e de qualidade é para todos os brasileiros. Em segundo lugar, a crise de financiamento e gestão do SUS não se circunscreve só ao Rio de Janeiro. E, em último, como vou tentar demonstrar, a situação do Rio de Janeiro não é, nem de longe, a pior. Se lá há complicações, imaginem a crise silenciosa, sem repercussão na mídia nacional, nas regiões mais pobres. Além de tudo, como herança do período em que era a capital da República, a cidade do Rio é a única que possui uma rede hospitalar federal para além dos hospitais universitários.

Os números são chatos, mas não mentem. Vamos a eles. A crise no Rio se concentrou na assistência ambulatorial e hospitalar em que residem as ações de média e alta complexidade. Em 2015, o ministério repassou ao Rio de Janeiro, no teto de média e alta, R$ 268 por habitante/ano. Comparemos com quatro outros Estados selecionados: Minas Gerais recebeu R$ 224; Piauí, R$ 204; São Paulo, R$ 188; e Bahia, R$ 177.

Poderíamos imaginar que os outros Estados compensam a diferença de tratamento por serem mais ricos, prósperos e com arrecadação anual tributária por habitante maior. Ledo engano. Pegando dados de 2014, vemos que não. Enquanto São Paulo teve R$ 4.757 de receita orçamentária anual por habitante, Rio ficou com R$ 4.604, Minas, com R$ 3.537, Bahia, com 2.508, e Piauí, R$ 2.241. Ou seja, excetuando São Paulo, é o Rio de Janeiro que tem maior capacidade autônoma de dar respostas.

Sou um apaixonado pelo Rio. Longe de mim aqui questionar qualquer coisa que possa ajudar o Estado a superar sua crise na saúde. A preocupação é outra: demonstrar o estrangulamento financeiro do SUS e as dificuldades derivadas no cotidiano da população. Se no Rio temos problemas, muito maiores temos no resto do país.

O Brasil precisaria investir cinco vezes mais se quiséssemos dar ao SUS o padrão de bons planos privados de saúde ou o oferecido em países como Portugal. Vivemos uma profunda crise fiscal. O esgotamento do Estado de bem-estar brasileiro fundado em 1988 é evidente. Temos de discutir o SUS a sério, e não ficarmos com atitudes reativas, como na recente crise do Rio, de soluço em soluço, dentro de uma crise que é crônica no sistema público de saúde.
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Marcus Pestana é deputado federal (PSDB-MG)

O coitado do Lula – Editorial / O Estado de S. Paulo

Diante das investigações envolvendo denúncias de ocultação de patrimônio e do recebimento de favores de duas grandes empreiteiras, o ex-presidente Lula partiu para o ataque. Classificando os meios de comunicação como “imprensa facciosa”, o antigo líder sindicalista assume o papel de vítima. A respeito do famoso tríplex do Guarujá – cujas notícias são tratadas como “invencionices” –, a assessoria de imprensa do ex-presidente não poupa palavras: “A mesquinhez dessa ‘denúncia’, que restará sepultada nos autos e perante a História, é o final inglório da maior campanha de perseguição que já se fez a um líder político neste país”.

Além de transmitir certo tom de desespero, a estratégia de defesa de Lula ultrapassa os limites do ridículo. Tudo é superlativo. Numa semana, Lula é o maior santo da história brasileira. “Não existe viva alma mais honesta do que eu neste País”, afirmou no dia 20 de janeiro o ex-presidente. E ainda desafiou todos os brasileiros de bem: “Pode ter igual, mas eu duvido”. Na semana seguinte, é o maior perseguido político ao longo de toda a história brasileira. Subir em vida nos altares da glória é sempre um arriscado passo.

Além disso, seu entorno político faz questão de deixar claro que Lula não sofre de destemperança verbal ou de arrebatamento retórico – fala acima do tom de caso pensado, para vender a ideia de que é um coitado e está sofrendo um massacre.
Os supostos ataques contra Lula nada mais são do que a revelação de informações de alto interesse público: a promiscuidade do ex-operário com as grandes empreiteiras. Revela-se também como algumas dessas empresas se esforçam por oferecer um pouco de bem-estar ao líder político que cresceu atacando as elites. Não publicar tais informações seria dispensar um tratamento privilegiado a quem sempre afirmou combater os privilégios.

É compreensível o desejo de Lula de que essas informações permanecessem ocultas. Com seu faro político, sabe bem que essas notícias esburacam o que esperava que fosse um fácil caminho para 2018. Certamente Lula intui como o povo – esse que sofre as consequências da grave crise econômica, com inflação e desemprego crescentes, e não tem a quem recorrer na hora da reforma da casa – vê tudo isso: apartamento, sítio, cotas, reformas, barco, amizades, favores, pescarias.

A compreensível irritação de Lula diante de todas essas notícias não justifica, no entanto, sua metralhadora giratória contra a imprensa. Sua atitude apenas faz abrir ainda mais o fosso entre o que ele é, de fato, e o mito do grande estadista democrata que ele ajudou a criar para proveito próprio e da companheirada. Democratas não agem assim. As coisas mal explicadas, mal contextualizadas, um democrata honesto trata de explicá-las convincentemente. Lula sempre teve à sua disposição todos os meios para informar com transparência. No tempo em que ainda distinguia a sua realidade do mito que não parou de criar, Lula não se cansava de dizer que devia a sua ascensão social e política ao trabalho da imprensa. Mas ele mudou, sem deixar de ser o mesmo. Agora tenta, sem sutilezas, fazer o povo de bobo, menosprezar sua inteligência ou seu senso comum.

A vitimização de Lula é realmente muito perigosa, desperta talentos e instintos bestiais. Seu fiel escudeiro, Tarso Genro, por exemplo, escreveu em sua conta no Twitter: “A mídia faz de Lula o judeu da década, como os nazis fizeram deles e comunas os alvos do seu ódio à democracia social. É só ler. Weimar”. Isso não é apenas um grosseiro despropósito. É um desrespeito que atinge até mesmo quem o proferiu, além de causar óbvios e profundos danos à verdade e à democracia.

O ex-presidente Lula não está sendo perseguido, massacrado ou muito menos torturado. Tem a seu dispor todos os legítimos meios de defesa característicos de um Estado Democrático de Direito. Se não os usa, é porque não confia em sua eficiência, ou melhor, sabe que tais meios desembocam naquilo que ele quer evitar: a verdade. Prefere a demagogia – a arte de engabelar os trouxas.

Situação insustentável – Editorial / O Globo

• PT critica reforma no Orçamento, mas, se gastos continuarem a crescer sem receitas, será um cataclismo

Lançado no final de outubro do ano passado pelo PMDB, o documento “Uma ponte para o futuro” terminou contaminado por aquele momento político, em que o pedido de impeachment da presidente Dilma era o centro dos debates. Isso bastou para que o texto fosse interpretado como uma iniciativa do vice, Michel Temer, presidente do partido, para anunciar a plataforma do seu governo.

A interpretação atraiu ainda mais rancores do PT e aliados contra as propostas, rejeitadas também por princípio, ao reduzir o peso do Estado, dogma lulopetista. Até mesmo considerar o documento como “do PMDB” é um certo exercício de elasticidade, considerando- se a divisão da legenda, muito tensionada, com um bloco situacionista e um outro oposicionista. Mais ou menos como sempre.

O grupo de peemedebistas que lançou o texto decidiu patrocinar análises e sugestões que já transitavam no mundo acadêmico e na imprensa.

Apenas o PT não percebe — ou se percebe, não admite — que se esgotou um regime fiscal cujas raízes estão fincadas na visão ideológica embutida na Constituição de 1988: cabe ao Estado ser o principal instrumento do combate à pobreza, à miséria, ser o prestador de serviços de saúde a toda a população de forma gratuita, bem como educação de boa qualidade.

Estava pavimentado o caminho para o Estado, independentemente do governo de turno, ampliar a expropriação de rendas da sociedade, para ele distribuí- las no cumprimento desta enorme (e impossível) missão.

O saldo dessa trajetória é que o Brasil passou a ter a maior carga tributária entre os países emergentes (36% do PIB). Afinal, os gastos ditos sociais foram indexados, grande parcela deles ao salário mínimo. Para tornar tudo mais difícil, a correta política de valorização do mínimo, de FH, foi radicalizada com o PT no Planalto. E, além de tudo, vincularam- se parcelas do Orçamento a gastos específicos: Saúde, Educação, sem falar na folha do funcionalismo, por definição fixa, dada a estabilidade legal do servidor. Pode ser cortada apenas pela inflação.

Uma engenharia dessas só se manteria em pé se a economia brasileira sempre crescesse, e a uma boa taxa. Como isso é impossível, todo este edifício desabou a partir do momento que a mistura de recessão com inflação, que chegou a dois dígitos, reduziu, de um lado, as receitas tributárias, e, de outro, jogou na estratosfera a maior parcela das despesas: Previdência e outros gastos ditos sociais. Não surpreende que o déficit nominal em 2015 haja sido de 10,34% do PIB, do nível da Grécia no auge da crise.

Ora, diante de uma situação insustentável como esta, economistas —e o PMDB os endossa neste documento — defendem, entre outras medidas, a desindexação do Orçamento e o fim das vinculações, o que implicará rever a qualidade de cada gasto na montagem anual dos orçamentos, algo imprescindível.

Se o PT e Dilma insisti remem manter a fórmula de alta carga tributária, a recessão se transformará em depressão, e a coleta de impostos desabará junto, num cataclismo.

Sem trégua da inflação – Editorial / Folha de S. Paulo

Uma recessão profunda como a que se vê hoje no Brasil provoca retração da renda e do consumo e, por isso mesmo, deveria desestimular elevações de preços. No entanto, os índices da inflação continuam a desafiar prognósticos.

Depois de ter encerrado 2015 em 10,7%, o pior resultado em 13 anos, o IPCA teve forte alta em janeiro, de 1,27%, a maior desde 2003.

As explicações pontuais estão nos alimentos, cujos preços subiram devido a causas climáticas, nos aumentos em tarifas de transporte público e nas majorações de ICMS em vários Estados que, em situação de penúria financeira, buscam alternativas de arrecadação.

O ritmo no setor de serviços, que em tese deveria espelhar a falta de demanda na economia, também continua quase inalterado, com alta em torno de 8% ao ano.

Mesmo assim, parece provável que o IPCA venha a desacelerar. Não haverá, por exemplo, um novo choque nas tarifas de energia, um dos grandes vilões de 2015.

O impacto da desvalorização do real também deve ser menor, conforme os repasses de custos de itens importados percam força. Espera-se ainda que a recessão e o desemprego arrefeçam demandas salariais e custos de serviços.

Tudo somado, a projeção média de analistas aponta para inflação de 7% neste ano –isso, é claro, se não houver novos choques.

Trata-se de resultado pífio, porém, para um país que se encaminha para enfrentar queda no PIB superior a 7% no biênio 2015-2016.

Seja como for, é importante entender por que a inflação resiste no Brasil, enquanto a maior parte do mundo flerta com a deflação.

Uma resposta está na fragilidade institucional do país, sobretudo na crônica indisciplina orçamentária do Estado, incompatível com a preservação do valor da moeda. Se o crescimento da dívida não for estancado, os mecanismos de reprodução da inflação não serão dominados.

O principal deles é algo especificamente brasileiro –a indexação, ainda hoje a arma de defesa de parte da sociedade contra a perda do poder de compra, e que foi alimentada pela leniência do governo e do Banco Central diante da inflação nos últimos anos.

Desde 2009 que a meta de 4,5% não é cumprida, afinal. Quando isso ocorre, é muito mais difícil convencer trabalhadores a moderar demandas salariais e empresas a lutar por eficiência, e não por maiores repasses.

Duas décadas depois do real, a vitória no controle da inflação não foi plenamente alcançada. É preciso resgatar a disposição para enfrentar uma agenda de reformas que consiga consolidar um padrão responsável nas finanças públicas.